As ideias deste livro clássico de Albert Hirschman podem ajudar neste debate (a sua tradução para além de colmatar uma falha grave, seria um grande contributo para promover o diálogo interdisciplinar na teoria social). O seu ponto central é o de que quando algo está mal e existe insatisfação (qualquer que seja a instituição considerada) há duas respostas possíveis por parte dos indivíduos: a «voz», típica dos processos políticos e a «fuga», típica dos processos de mercado. A primeira tende a pressupor algum compromisso com a instituição em causa e a envolver algum esforço colectivo. A segunda é uma reacção expressiva da «desistência» em relação ao tipo de relação previamente estabelecida, tende a ser tipicamente individual e a revelar a natureza efémera e «liquida» do laço em causa. Ambas podem servir, de diferentes formas, para criar mecanismos correctores dos problemas. É evidente que há instituições que, pela forma como estão organizadas, favorecem a «voz» e outras que favorecem a «fuga».
No caso do Serviço Nacional de Saúde, o grande objectivo da direita, ao promover a ideia de que aqui tudo aqui funciona mal, é estimular a insatisfação e enfraquecer a provisão pública, persuadindo as pessoas, sobretudo a classe média, a «fugir» para o sector privado oleando este processo com incentivos (como a deduções fiscais para despesas privadas). As críticas da esquerda ao SNS tendem a presumir que o sistema pode ser melhorado através da «voz» colectivamente organizada dos utentes e dos profissionais. Aqui chegamos ao pertinente ponto de Isabel do Carmo: será que a esquerda ao insistir apenas nas críticas ao que está mal, subestimando sistematicamente os seus inegáveis sucessos, não estará a contribuir, de forma não intencional, para acelerar a insatisfação infundada e os processos de fuga que estão a minar a natureza universal do SNS e a enfraquecer a prazo a eficácia da «voz»? Esta questão é bem espinhosa e interessante, embora as generalizações sejam problemáticas. Acho que aponta para um equilíbrio que tende a faltar na acção política: o debate e o protesto públicos têm que ser orientados para mostrar com mais clareza que os problemas residem nos ataques aos princípios do SNS (que têm de ser melhor articulados e explicitamente defendidos), ao mesmo tempo que se tem de mostrar que foram estes princípios igualitários que permitiram alcançar os extraordinários resultados de saúde pública no nosso país (facto que geralmente é ignorado). Só assim a «voz» pode servir para debelar a insatisfação e bloquear a «fuga» em curso. É claro que acabar com os incentivos à medicina privada e com a construção de alternativas falsamente sedutoras para quem tem dinheiro, também ajudaria na manutenção das instituições que dão um sentido concreto à ideia do bem comum.
Infelizmente, não sei de nenhuma publicação que enumere os "pluses" e os "minuses" do SNS; destacando, destes últimos, as sinistras experiências dos utentes-coisas. Um cheirinho: acha-se com direito a convalescer da sua doença num hospital público? Nem pó; vá para um Lar... sendo que, entre um Lar com uma mensalidade de 500 € e a valeta, é preferível a valeta... E são imensos, os portugueses a poder dispensar 500 €/mês... É isto a esquerda? Não me revejo na direita mas, se alguma vez precisar de recorrer ao SNS pessoalmente, o suicídio é uma hipótese a considerar seriamente...
ResponderEliminarPensar que já me chamaram "direitista" e "contra as pessoas" por ser totalmente contra as deduções fiscais por despesas de saúde fora do SNS...
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