terça-feira, 25 de setembro de 2007

Nem que fossem 99%

O Público de hoje refere um estudo da KPMG junto de 403 empresas europeias, o qual conclui que quase 80% das empresas inquiridas concordam com a ideia da harmonização da base fiscal dos impostos sobre os lucros à escala da UE. O resultado, para alguns surpreendente, explica-se pelo facto de as empresas gastarem demasiados recursos a fazer gestão fiscal. Noutros termos, as próprias empresas reconhecem que a tendência (que a UE tem promovido, como já aqui mostrámos) para os países concorrerem uns com os outros com base na descida dos impostos sobre os lucros não passa de um enorme desperdício - com implicações devastadoras sobre a capacidade de financiamento dos bens e serviços públicos e sobre a equidade social.

Mas esta descoberta dificilmente mudará o estado de coisas na UE. Segundo os tratados existentes (que nisto não são minimamente alterados pelo novo Tratado que aí vem), a introdução de qualquer esquema de harmonização fiscal (ou, já agora, de direitos sociais) ao nível europeu exige a unanimidade dos votos no Conselho de Ministros da UE. Tendo em conta que um punhado de Estados europeus, com o apoio da Comissão Europeia, tem baseado as suas políticas económicas na redução dos impostos sobre os lucros, dificilmente veremos nos próximos tempos qualquer harmonização nesta frente. Poderiam 99% das empresas europeias concordar com a medida, poderia uma esmagadoríssima maioria dos cidadão europeus exigi-lo, poderiam até 26 países mostrarem-se favoráveis à harmonização dos impostos sobre os lucros para evitar a concorrência fiscal na Europa - bastaria um voto contra de um país para garantir que a proposta não passava.

Esta é a herança dos tratados que foram aprovados desde Maastricht. Esta é a Europa que, no horizonte próximo, continuará a contribuir através das regras estabelecidas, para a erosão do Estado Social.

2 comentários:

  1. Está a fazer confusão entre dois conceitos: harmonização da base fiscal e harmonização das taxas de imposto. A não harmonização da base fiscal torna a competição fiscal muito menos transparente e, essa sim, obriga a gastar enormes recursos na optimização fiscal. A harmonização da base fiscal é compatível com competição a nível das taxas de imposto, embora a transparência que ela traz torne a competição mais evidente.

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  2. O seu esclarecimento é correcto e eu agradeço.

    No entanto ele não altera o argumento central: qualquer alteração nestes domínios exige a unanimidade dos votos do Concelho de Ministros da UE, o que torna pouco provável a sua aprovação.

    Até porque a harmonização da base fiscal é vista por muitos como o primeiro passo para qualquer forma de harmonização das taxas (como aconteceu com o IVA no contexto do Acto Único Europeu), o que não é de espantar - enquanto não for claro que taxas de imposto são realmente cobradas em cada país, será muito difícil perceber qual o grau de concorrência fiscal existente.

    Ironicamente, é por isso mesmo que as empresas se vão tornando favoráveis a mudanças neste domínio - e, eventualmente, poderão assim vir a contribuir para que se dêem passos na direcção que mais defende a sustentabilidade de um 'modelo social europeu'.

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