Estalou a guerra civil na Palestina. Reféns de Israel, desprezados pelos Estados Unidos e ignorados pela União Europeia, os palestinianos estão a matar-se uns aos outros. Opressão, pobreza, fanatismo, corrupção, desesperança e muita raiva, aí está o caldo ideal para a guerra civil.
Como em qualquer crime, vale sempre a pena começar por perguntar "a quem aproveita?".
ResponderEliminarDuvido que alguém em Israel se esteja a rir sobre a crise palestiniana. A estabilidade da Autoridade Palestiniana é um elemento essencial para que o processo de paz possa ser retomado, pelo que a reabertura das hostilidades representa um retrocesso para todos os que na região querem acabar com o conflito. Claro que há loucos e fanáticos em ambos os campos da barricada que ficam satisfeitos sempre que alguém do outro lado encrava uma unha, entala o dedo numa porta ou decide encetar ataques fratricidas, mas daí a descobrir aí uma máxima universal parece-me despropositado. Para além disso, longe de ser um fenómeno estanque, a escalada de violência entre Hamas e Fatah pode facilmente radicalizar-se e procurar legitimação através de ataques a alvos israelitas, quer nos territórios ocupados da Cisjordânia, quer mesmo no território do Estad de Israel. Continuar a demonizar os israelitas por regra, dando a tónica essencial num comentário sobre a crise palestiniana a uma putativa satisfação daqueles, é, para além disso, querer evitar discutir o problema.
ResponderEliminar"é um elemento essencial para que o processo de paz possa ser retomado"
ResponderEliminarMas algum dia viu algum governo israelita realmente empenhado no processo de paz, isto é, capaz de ceder parte do que conquistou militarmente em troca de paz? Eu nunca vi. E isto não é demonização, é a triste realidade, admitida até por muitos israelitas.
Caro JMS,
ResponderEliminarApesar de rejeitar a premissa assente na sua pergunta que é a de que o que todos os governos israelitas querem é manter a guerra, há, desde a década de 90, pelo menos dois governos que têm pergaminhos indesmentíveis no capítulo das negociações de paz: o de Ytzhak Rabin e dos Acordos de Oslo (aquele do Prémio Nobel da Paz com Arafat e Peres, para quem se esquece destes detalhes) e o de Ehud Barak, que em Camp David em 2000 esteve à beira de fechar o estatuto final.
E quanto a ceder algo conquistado em troca de avanços no processo de paz, apesar de representar os antípodas do que defendo para a solução final negociada entre as duas partes do conflito, até Ariel Sharon abdicou (unilateralmente é certo) de parte dos territórios ocupados e colonizados.
de nobels da paz está o inferno cheio, pedro delgado alves.
ResponderEliminaraliás, os famosos acordos de oslo de que falas também ficaram conhecidos por muitos como aqueles em que foi pedido o impossível aos palestinianos.
Cara femininemystique,
ResponderEliminarQuanto ao Nobel da paz, claro que galardoados como Kissinger e afins lhe retiram carácter impoluto (até podíamos achar discutível o próprio Arafat, mas não vamos por aí). Mas isso não tem por consequência que o prémio nada signifique ou que na esmagadora maioria dos caos não represente o reconhecimento de um esforço e/ou sucesso na construção da paz. O que não podemos é ser selectivos, deitando fora o Nobel nos casos em que, apesar de ser indesmentível o mérito de quem o recebe, discordemos dogmatica ou ideologicamente da decisão.
Mas o que pretendo não é discutir as virtudes do Nobel da Paz.
Quanto aos acordos de Oslo deixo algumas ideias - primeira a que resulta da expressão acordo, concurso de vontades com compromissos mútuos de ambas as partes. Em segundo lugar, as principais obrigações das partes: Israel reconhece a OLP como interlocutor, desencadeia a retirada dos territórios ocupados e a transição de controlo para a Autoridade Palestiniana. Para além disso vincula-se a fornecer cooperação e apoio económico financeiro, técnico à AP.
A OLP reconhece o direito à existência por parte de Israel, renuncia à violência, terrorismo e ao objecvtivo da destruição do Estado de Israel, compromete-se à realização de eleições e a assumir gradualmente a administração dos territórios.
Questões quentes como os refugiados e Jerusalem ficam para final status. Pergunto então, em que medida é que se pediu o impossível aos palestinianos em Oslo?
Já agora, do lado dos palestinianos, os "muitos" que denunciaram os acordos limitaram-se a organizações como o Hamas, a Jihad Islâmica e a Frente Popular para a Libertação da Palestina - todas listadas como organizações terroristas pela UE e EUA na altura, e das quais só no Hamas do presente é que se encontram algumas facções que timidamente sugerem um eventual reconhecimento da existência do Estado de Israel.
Que há muito por onde criticar Israel ninguém o nega, desde a continuação dos colonatos, ao uso excessivo da força à tentação do unilateralismo. Agora, atacar Oslo, o que é consensualmente reconhecido como o maior avanço no processo de paz das últimas décadas, a par apenas de Camp David entre Sadat e Begin, é que não me parece nada justo ou equilibrado.
Caro pedro,
ResponderEliminar"Versalhes" também resultou da "expressão de um acordo"...
Desculpe lá, Pedro Gonçalves, mas receio que esteja mal informado a respeito dos acordos de Oslo, Camp David e as verdadeiras intenções de todos os governos israelitas, incluindo o de Rabin. Os acordos de Oslo estipulavam a manutenção dos colonatos israelitas na Faixa de Gaza, e o controle dos acessos viários. Ainda assim, Arafat assinou esse acordo, contra a opinião do povo palestiniano. Mas nem esse acordo super vantajoso os israelitas quiseram implemeentar, tendo começado desde logo a criar mais colonatos em Gaza e na CisjordÂnia, de tal modo que em 2000 já o território que supostamenmte seria o do futuro estado palestiniano estava já dividido em 4 enclaves rodeados por colonatos, postos militares e estradas sob controle israelita.
ResponderEliminarO Acordo de Camp David é uma farsa, pura e simplesmente. Nenhuma das legítimas pretensões palestinianas se via aí satisfeita: enm soberania sobre Jerusalem Oriental, nem retorno de refugiados, nem sequer país viável, pois a CisjordÂnia não passaria (tal como previa Oslo) de uma série de bantustões isolados entre si, divididos por "zonas de segurança" e colonatos israelitas. Enfim, a "melhor" proposta que Israel alguma vez ofereceu aos palestinianos foi algo que se assemelharia às reseervas dos índios na América, territórios sem comunicação entre si. E que estado seria viável nessas condições?
Enfim, não tenho tempo para entrar em pormenores, mas se se quiser dar ao trabalho de ler "Destruir a Palestina" da israelita Tanya Reinhardt encontra lá tudo muito bem explicadinho. Vai ver que as coisas não são bem como pensa.
Caro Nuno Teles,
ResponderEliminarEm primeiro lugar, quer o contexto histórico de Versalhes (tratado de paz de conclusão de conflito internacional clássico), quer a fase de evolução do direito internacional público no momento em que foi assinado desaconselhariam comparações com uma realidade completamente distinta.
Apesar disso, sendo inegável que os vencedores de 1918 impuseram praticamente o que quiseram à Alemanha (o que deveria servir para demonstrar que a invocação da expressão acordo pela minha parte não demonstraria a existência de concurso de vontades), isso não vem demonstrar que o caso de Oslo foi semelhante. Se for preciso faço um mea culpa por não ter sido suficientemente rigoroso - aparentemente não bastaria afirmar que se trata de um acordo, eu deveria ter dito que se trata de um verdadeiro acordo e não a mera aparência de um acordo. Por isso me penitencio.
Contudo, invocar um exemplo histórico de um acordo internacional em que uma das partes impôs condições à outra não serve para demonstrar que neste caso, no dos acordos de Oslo, foi isso que sucedeu. Aliás, quer a mediação internacional norueguesa, quer a apreciação da UE, quer a apreciação do Egipto ou da Jordânia foi no sentido de reconhecer o carácter livre dos acordos.
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ResponderEliminarCaro JMS,
ResponderEliminarVamos por fases.
"Oslo estipulava a manutenção de colonatos na faixa de Gaza." Não é verdade - Oslo estipulava a retirada imediata das Forças Armadas dos locais A (que passavam para controlo integral da PA) e previa um processo de retirada gradual das restantes áreas. Um dos tópicos remetidos para final status talks respeitava à solução para alguns colonatos (um dos quais na Faixa de Gaza, representando uma população de ca. 5000 colonos israelitas, aqueles que viriam a ser retirados por Sharon e que Barak já em 2000 abandonara em Camp David). Em 2000, durante o Camp David de Barak e Arafat, a solução para a manutenção dos colonatos de maior dimensão na Cisjordânia (apenas) assentava na compensação territorial, isto é, Israel transferia território soberano seu para a AP.
Segunda questão
Implementação de Oslo. A discussão que estamos a ter gira em torno da legitimidade dos Acordos de Oslo e no facto (em relação ao qual discordamos) de representar a melhor hipótese para a paz nos últimos anos. JMS dá-me exemplos da sua violação nos anos seguintes, por governos que lhe eram contrários.
Claro que a continuação da construção de colonatos viola Oslo e o direito internacional. Claro que inquinou e atrasou as discussões de final status.
O assassinato de Rabin em finais de 95 e o regresso do Likud ao poder em 96 (apesar da coligação que apoiava os acordos ter tido mais votos e mais mandatos parlamentares, a eleição directa do PM levou à derrota do eterno impopular Peres)inverteram o ciclo e relançaram os colonatos.
Contudo, esta discussão nasceu do facto de um dos comentários dizer que não conhecia um governo emepnhado na paz. Dei dois exemplos, e tenho a certeza de não ter indicado Netanyahu.
Com o regresso de Barak pararam os colonatos e regressou-se à negociação. E quanto ao Camp David de 2000, é o JMS que está equivocado - de facto, vai ver que vale a pena entrar em pormenores. As zonas de colonatos que eram retidas pelos israelitas em troca de compensação territorial eram todas contíguas à fronteira com o Estado de Israel, com uma única excepção em que se previa um regime de acesso por terra semelhante ao que era garantido aos palestinianos para transitar das Cisjordânia para Gaza, pelo que não se gerava qualquer descontinuidade territorial na Cisjordania. Em Camp David, a proposta de Barak devolvia toda a Faixa de Gaza e 91% do território da Cisjordânia (sendo o restante compensado teritorialmente), controlo de Jerusalem Oriental com estatuto de capital palestiniana e soberania nas zonas fora da cidade velha (onde não houve acordo sobre soberania foi quanto à esplanda das mesquitas e zona circundante).
Quanto ao regresso dos refugiados, foi aceite o regresso ao territorio do Estado Palestiniano, o regresso ao territorio de Israel em casos humanitarios e de reagrupamento familiar, o apoio financeiro ao estabelecimento em terceiros Estados e o pagamento de compensações nos restantes casos.
Finalmente, caro JMS, podemos recomendar literatura mutuamente até à exaustão. Mas se não conseguirmos partir para a sua leitura com espírito crítico e com a capacidade de reconhecer a complexidade da situação porque recusamos por sistema ponderar a posição de ambas partes e escolhemos uma como o inimigo a abater, faça ela o que fizer, não iremos longe.
Já agora, é Pedro Alves...
Caro pedro,
ResponderEliminarA minha invocação estava longe de ser inocente. De facto, os acordos de Oslo resultaram da derrota de uma das partes, a OLP. Não foi por mero acaso que estes se deram logo depois do desmoronamento da URSS (aliado tradicional da OLP) e do infeliz apoio de Arafat a Saddam Hussein na primeira guerra do golfo. Enfraquecida pela primeira Intifada e pela divisão do campo palestiniano, além de isolada na arena internacional é rídiculo achar que os Acordos foram a expressão "de livres vontades".
Depois vejamos as condições (equilibradas?) dos acordos como o próprio pedro as enunciou:
”A OLP reconhece Israel como país soberano, Israel reconhece a OLP como interlocutor” ?!?!!….hmmm, falta aqui qualquer coisa…direito dos palestinianos a um Estado soberano?
”Israel desencadeia a retirada dos territórios ocupados”. Mas não se sabe muito bem o que Israel considera serem os territórios ocupados, o critério de 1967 não vale de certeza….
”Transição de controlo para a Autoridade Palestiniana.” Israel impõe uma autoridade, sem poderes efectivos, num verdadeiro queijo suíço territorial. Como hoje se vê a Autoridade Palestiniana não é (foi?) mais do que um Bantustão, muitas vezes usada para fazer o trabalho sujo de Israel.
”Questões quentes como os refugiados e Jerusalem ficam para final status.” Como sabemos sem acordo nestes pontos…não há acordo! E já agora acrescento outro ponto condicional: a paz com os países vizinhos, sobretudo coma síria.
Finalmente, vale a pena ver os acordos que sectores seculares israelitas e palestianos conseguiram em Genebra. São muito mais equilibrados do que o "flop" de Oslo.
Caro Nuno,
ResponderEliminarO reconhecimento de um Estado palestiniano estava previsto em Oslo como fase final, após as negociações finais. Em Oslo, não havia ainda Estado para reconhecer pelo que não foi esse o interlocutor e sim a OLP, mas Oslo reconhece o principio e abre o caminho para os dois Estados.
Quanto à retirada dos territórios ocupados remeto para o comentário anterior - 1967 é o padrão de partida, com compensação territorial se necessário em final status (como se verificou na proposta Barak).
Pergunto o que seja o trabalho sujo de Israel.
Se o "trabalho sujo de Israel" se reporta à repressão da actividade terrorista, não sei se a AP terá de facto feito o que era suposto e aquilo que ficou acordado. A ambiguidade de Arafat neste domínio é exemplificativa.
Tem razão quanto ao stand by que Oslo pressupõe - até aos final status o processo é incompleto e gradual. Mas esses final status foram tentados em Camp David em 2000 e foram conduzidos no espírito de Oslo, tendo nalguns casos ido mesmo mais além daquele.
Alhos e bugalhos. O que é que a paz com a Síria, que continua a não reconhecer o direito à existência do Estado de Israel, tem a ver com o Estado palestinano? Estamos a falar de outra realidade, que terei todo o gosto em debater, mas que não releva para a nossa questão do momento - a Síria é, de todos os vizinhos de Israel aquele que tem menor número de refugiados palestianos e menor peso na questão palestiniana, para além de que nunca mostrou abertura para encetar negociações de qualquer tipo para cessar hostilidades.
Quanto a Genebra, é sem dúvida do melhor que já se produziu em termos de equilíbrio. Curiosamente, das principais figuras envolvidas do lado israelita, muitas tiveram responsabilidades governamentais no tempo de Rabin e Barak, o que talvez demonstre, voltando ao tópico central desta discussão, que há muitos em Israel que querem a paz, que se empenharam no processo e que, seguramente, não estão a rir-se neste momento.
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ResponderEliminarJulgo que o que está na raíz desta discussão é que enquanto para alguns, "sionista" é sinónimo de "racista", "colonialista" etc (sem fazer distinção entre Ben Gurion e Begin, Shamir e Rabin, Sharon e Barak), para outros, como o Pedro, julgo, o sionismo pode (e deve) ser interpretado como a aspiração legítima do povo judeu a um Estado.
ResponderEliminarA rejeição (que eu subscrevo)da Ocupação de 1967 e a condenação de Israel como poder ocupante servem demasiadas vezes como pretexto para rejeitar o direito legítimo à autodeterminação política do povo judeu. Essa rejeição exprime-se normalmente pela demonização do 'sionismo' como um todo e não só dos seus ramos mais condenáveis.
O uso da expressão 'sionista' por parte de MARIMARIEKE é portanto racista, pois faz tábua rasa daqueles que defendem a legitimidade do Estado de Israel de existir como membro das Nações Unidas sem apoiar necessariamente a Ocupação. Fique MARIMARIEKE sabendo que os judeus e os sionistas não são todos iguais e não pensam todos da mesma maneira. Eu sei que é supreendente. Nem todos os israelitas são colonos, nem todos os judeus odeiam árabes. Mas eu atrevo-me a supôr que nem MARIMARIEKE nem muitos outros que nutrem um tão grande ódio pelos 'sionistas' alguma vez tenham conversado com um, ou mesmo conhecido um. É muito mais fácil odiar na ignorância.
Por fim, acho fascinante a falta de modéstia de alguns dos que contribuem para este debate: jms acha que nos pode explicar "as VERDADEIRAS intenções de TODOS os governos israelitas". Isso incluí todos os Ministros? E os Secretários de Estado? Mais uma vez fica demonstrado que a abordagem da tábua rasa serve melhor os propósitos dos que rejeitam categoricamente o Estado de Israel (com ou sem Ocupação, em 1948, como em 1967), do que uma análise cuidada, que reflicta a complexidade do assunto em causa e das identidades em conflito.
Mas estão com azar: Israel está para ficar.
P.S: A guerra civil palestiniana é dramática, entristece-me e vejo também as responsabilidades de Israel nas suas origens. Quanto mais cedo se reestabelecer a união entre os palestinianos, mais cedo haverá paz. Quando houver paz entre Israel e os seus vizinhos, o sonho sionista tornar-se-à realidade: normalidade, banalidade, aquilo que os outros têm - desemprego, problemas ambientais, corrupção, mau futebol etc. Problemas normais. O sionismo, como eu e muitos outros sionistas o vêm, é simplesmente a aspiração à mediocridade. O direito de ser medíocre.
ResponderEliminarPedro Alves (desculpe ter-lhe trocado o nome)
ResponderEliminarAo dizer que em relação a Gaza "Oslo estipulava a retirada imediata das Forças Armadas dos locais A (que passavam para controlo integral da PA) e previa um processo de retirada gradual das restantes áreas" você está a concordar comigo. Pois na prática Israel só retiraria da totalidade de Gaza quando e se lhe conviesse, o que tanto poderia suceder passado o "período interino" de cinco anos ou em 2050, conforme achassem que estavam ou não reunidas "condições objectivas" e bla-blá-blá.
Quanto ao suposto domínio de Jerusalém Oriental pelos palestinianos, vou ter que lhe citar T. Reinhardt. A propósito do tratado de Camp David, ela diz o seguinte: "Examinemos de novo a cláusula sobre Jerusalem [...]: «Israel reconhecerá que a área definida como "Al-Quds" anteriormente à Guerra dos Seis Dias [...] será a capital do Estado palestiniano» Esta formulação assenta num truque verbal. As fronteiras municipais de Jerusalém sob o domínio da Jordânia eram mais amplas no lado sudeste do que as fronteiras municipais definidas por Israel quando anexou Jerusalém Oriental. Incluíam também a vila de Abu-Dis e duas vilas vizinhas. De facto é esta aldeia suburbana de Abu Dis que no Plano Beilin-Mazen é designada como capital do Estado palestiniano. O truque verbal consiste em dar a Abu-Dis o nome de Al-Quds - o nome árabe para Jerusalém, cujo significado é "cidade santa". Somente através da utilização enganadora de definições pode Israel reclamar que propõe que a cidade seja dividida numa parte judaica, "Jerusalém", e numa parte árabe, "Al-Quds". [...] Eis uma notícia publicada no Independent (UK) em Maio de 2000: «Abu Dis é uma das três vilas árabes suburbanas que o PM Barak tenciona entregar ao autogoverno palestiniano. Alguns israelitas optimistas sugerem que o Sr. Arafat poderia chamar-lhe Al-Quds (Jerusalém em árabe) e estabelecer aí a sua capital. Assim, a Palestina teria a sua capital em Al-Quds, como Arafat promete diariamente ao seu povo, e Israel manteria Jerusalém como "capital eterna e indivisa do povo judeu"»
Quanto a estas suas afirmações, Pedro:
1) “Em 2000, durante o Camp David de Barak e Arafat, a solução para a manutenção dos colonatos de maior dimensão na Cisjordânia (apenas) assentava na compensação territorial, isto é, Israel transferia território soberano seu para a AP.”
2) E 2) As zonas de colonatos que eram retidas pelos israelitas em troca de compensação territorial eram todas contíguas à fronteira com o Estado de Israel, com uma única excepção em que se previa um regime de acesso por terra semelhante ao que era garantido aos palestinianos para transitar das Cisjordânia para Gaza, pelo que não se gerava qualquer descontinuidade territorial na Cisjordania.
Pura e simplesmente não correspondem à realidade, isto a crer no Mapa do Estatuto Final da Cisjordânia apresentado por Israel em Maio de 2000. Em 1º lugar, a “compensação” territorial pela manutenção dos colonatos na Cisjordania seria, segundo Reinhardt, “algumas dunas no deserto do Sul de Israel (Hallutza), sem contiguidade territorial com a Cisjordania ou mesmo com a Faixa de Gaza”. Ou seja, os colonos apropriam-se de boas terras de cultivo e dão em troca areia…
Em 2º lugar, não estava prevista uma “excepção” mas sim duas. O enclave de Nablus e Jenin ficaria ligado ao de Ramallah por um estrada (falta saber controlada por quem), mas entre Ramallah e Jericó, assim como entre Ramallah e o enclave mais a Sul (de Abu-Dis e Belém) existiriam áreas de soberania israelita. E o Estado palestiniano, segundo esse plano, ficaria de facto dividido em 4 partes: Gaza, enclaves de Nablus-Ramallah (unidos por uma estrada), Jericó e o enclave Sul (de Abu-Dis e Belém). É certo que aquilo a que os israelitas chamaram, no mapa, a “área verde” (ou seja o vale do Jordão, que separa Jericó dos enclaves Nablus-Ramallah) ficaria apenas sob temporário controle israelita. Mas mesmo que esse controle fosse de facto “temporário”, o Estado palestiniano ficaria ainda dividido em 3 enclaves sem contiguidade.
Por fim, eu reconheço perfeitamente a complexidade da situação. Mas entendo que a paz só se obtém quando o lado mais forte está disposto a fazer concessões significativas e reais. É obsceno culparmos os palestinianos pela não resolução de um conflito cuja decisão não está nas suas mãos, sendo Israel mais forte militarmente do que todo o mundo árabe. É Israel quem tem que decidir. E é Israel quem tudo tem feito para que nada avance. O melhor que TODOS os governos israelitas têm feito até ao momento é promessas, logo quebradas e boicotadas com bombardeamentos “selectivos”, assassínios políticos, construção de novos colonatos, etc. etc. A política de Israel tem sido sempre a de agudizar o conflito, boicotar todas as soluções diplomáticas e levar os palestinianos ao desespero. Por quê? Porque Israel sabe que enquanto a “solução” for militar, nada tem a temer. E quanto mais os palestinianos derem ouvidos aos radicais do Hamas, mais fácil é fazer passar a ideia de que “não há com quem negociar”. Arafat fez todas as concessões que podia e que não podia. E que aconteceu? Aconteceu que chegou Sharon e incendiou o cenário de novo. Pois é só isso o que convém aos militares israelitas, que são quem verdadeiramente manda em Israel.
Oppenheimer, não me faça rir com essa do "rejeitar o direito legítimo à autodeterminação política do povo judeu". Esse direito está reconhecido internacionalmente e perfeitamente legitimado. O Estado de Israel é uma realidade inamovível (mesmo que alguns árabes radicais o contestem) e é ridículo tentar passar a mensagem de que Israel está em perigo ou é a vítima. Israel é só a vítima das suas ambições indevidas. Quem está em perigo, quem sofre diariamente há mais de cinquenta anos são os palestinianos pobres (ou seja, 90% da população) e não os israelitas.
ResponderEliminarO Conselho Nacional PAlestiniano aceita a partição da Palestina histórica em dois estados, israelita e palestiniano, segundo as fronteiras de 1967. E aceita-o desde 1988. Portanto, se não há dois etsados na Palestina, a culpa não é dos palestinianos.
Caro jms,
ResponderEliminarNão me parece que tenha concordado consigo quando disse que Israel retirou de imediato das zonas A e gradualmente das seguintes, porque as condições de retirada das zonas B e C ficaram estipuladas no acordo e seriam concretizadas no decurso do caminho até às negociações finais. Invocar 2050 ou o infinito é demagógico, uma vez que logo que chegou ao poder novo governo trabalhista as negociações foram encetadas – não foi 2050, foi 2000.
Voltando ao mapa, que lamento não poder anexar ao comentário, não há muito que discutir: estou a olhar para o mapa e as zonas de compensação previstas na proposta final de Barak são de facto contíguas à fronteira sul da Cisjordânia. A questão da qualidade das terras é outro falso mito porque parte da premissa que as agora “terras férteis” já o eram antes do colonato, o que não corresponde à realidade – é a intervenção israelita de exploração da terra que conduz à sua produtividade. Acresce ainda que, no quadro do apoio técnico previsto nos acordos, uma das principais fatias é em matéria de apoio agrícola e de irrigação, precisamente aquilo que permite utilizar os solos, algo que os israelitas têm vindo a fazer há mais de 100 anos, transformando areia em kibbutz fértil.
Quanto à divisão da Palestina em quatro áreas há novamente que esclarecer algumas coisas. Em primeiro lugar, quanto à divisão entre Gaza e Cisjordânia não é isso que está em causa – essa é a divisão que resulta das fronteiras anteriores a 1967 e não resulta de qualquer iniciativa em Oslo ou em Camp David 2000. Em segundo lugar, argumentar que as estradas de ligação representam uma forma de dividir o estado palestiniano tornando-o uma manta de retalhos é novamente enganador. Por essa mesma lógica, também o Estado de Israel ficaria irremediável dividido em dois devido à estrada de ligação Cisjordânia – Faixa de Gaza.
Quanto aos enclaves que refere, penso que está a confundir o que escrevi. No plano final apresentado por Barak, os enclaves existentes e aos quais aludi eram enclaves de colonatos israelitas. Não estavam previstas quaisquer áreas de soberania israelita dentro da Cisjordânia nas áreas que aponta, estando sim previstas as estradas de acesso aos enclaves (presumo que jms não diria que a estrada entre Gaza e a Cisjordânia é um exemplo de soberania palestiniana no território do Estado de Israel, nem que o Estado de Israel passaria a estar dividido em dois enclaves pela estrada). Aquilo a que penso eventualmente etar a aludir são as zonas de segurança militar onde poderia haver trânsito de forças militares israelitas, no quadro dos postos avançados de controlo e do facto de estar previsto que o Estado palestiniano fosse inicialmente desmilitarizado, sendo a segurança das fronteiras assegurada nessa fase transitória pelo exército israelita. Agora, claro que se jms assume que tudo o que os israelitas afirmam é mentira e que esse transitório seria eterno, não é possível argumentar. Contudo, a realidade dos acordos de paz executados por Israel com o Egipto, por exemplo, demonstram precisamente o inverso quanto ao cumprimento dos acordos finais – Israel retirou faseada, mas integralmente do Sinai no quadro do acordado no primeiro Camp David.
Quanto a Jerusalém Oriental é, sem dúvida, o ponto mais crítico da questão, porque é aquele em que toda a razão de Estado que por um segundo se consiga fazer descer aos decisores de ambos os lados, estará sempre refém do mal maior do mundo, o fanatismo de base religiosa e irracional. Seria a solução de Barak perfeita? Duvido, até porque provavelmente seria o ponto mais difícil de vender quer em Israel, quer entre os Palestinianos. Mas assentava no reconhecimento de vários factores de complexidade e procurava um compromisso, um modus vivendi, imperfeito é certo, mas próximo de acomodar os desejos de ambos. A necessidade de encaixar duas capitais numa cidade, alargando para o efeito os limites de Jerusalém Oriental foi o expediente proposto. JMS disse que este é o engodo, o vender como Jerusalém aquilo que não é Jerusalém. Permita-me discordar a dois níveis. Em primeiro lugar, a Jerusalém que interessa e que está no cerne do problema é a Cidade Velha, não as zonas de expansão a leste e oeste. Em relação a estas, o alargamento das fronteiras municipais da cidade dão viabilidade à coexistência de uma capital palestiniana e de uma capital israelita com essa designação, sendo a divisão das áreas de soberania israelita e palestiniana feita com base na população residente (solução idêntica, por exemplo, à da Iniciativa de Genebra).
Na realidade, o cerne da questão, a Cidade Velha (mais precisamente, o complexo da Esplanada das Mesquitas – Muro das Lamentações, o cruzamento dos monoteísmos), representa uma pequena área territorial. Acima de tudo, a questão extravasa os compartimentos da discussão política e entra, infelizmente, no domínio de considerações transcendentes. E em relação à solução oferecida, de facto, Israel não cedeu a soberania aos palestinianos, assegurando-lhes apenas o controlo dos lugares santos. Não é a solução ideal para os palestinianos. Se a solução proposta fosse a inversa, seria ideal para os israelitas? Ou seja, se a soberania fosse palestiniana e os israelitas tivessem mero direito de acesso aos seus locais sagrados a solução já seria boa? Penso novamente que não. A questão central é a de que a única solução clara é da neutralização – soberania de ninguém, com controlo internacional (utópico), ou soberania de ambos, dividindo milimetricamente. Em que ficamos? Eu recorreria à tutela internacional, mas sei que para isso não há mandato, vontade ou capacidade. Como não consigo impor a solução, limito-me a enunciá-la teoricamente como desejável. A solução da Iniciativa de Genebra, seguindo o caminho da divisão por áreas (Esplanada com soberania palestiniana, Muro das Lamentações com soberania israelita, resto da Cidade Velha dividido por áreas, com indicação de qual a soberania aplicável) parece mais viável.
Claro que outra via alternativa existe, que passa pela cedência de uma das partes. Israel não o quis fazer, os palestinianos também não. Não encontro razões válidas para sustentar que um ou outro o devam fazer. Sendo impermeável a considerações religiosas é este o momento em que sinto maior desalento em verificar que os seres humanos não consigam recorrer à razão para chegar à paz. Genebra dá esperança, mas, até mais ver, não consegue recolher apoios de peso de ambos os lados do conflito.
Quanto às suas observações finais, sublinho mais uma vez que ninguém procura catolicamente atribuir culpas a um ou outro lado. Pode percorrer todos os textos que escrevi e não encontrará uma de duas coisas: culpabilização ou demonização dos palestinianos ou endeusamento ou vitimização dos israelitas. Este debate começou precisamente pela minha vontade de desmontar esse exercício de diabolização de Israel que está patente no post e nos primeiros comentários concordantes. O ponto de partida foi a imputação a todos os governos de Israel de uma vontade de manter a guerra e a ocupação. Foi isso que procurei demonstrar não corresponder à verdade, sem deixar de assumir que muito da crise actual na Palestina se deve a erros da parte de Israel, desde 1967 até ao presente. Aquilo que espero dos meus interlocutores é o mesmo exercício: reconhecimento dos erros dos palestinianos, da necessidade de cumprir o acordado e tratamento isento, não manipulativo, da actuação israelita.
Já agora, desde 1948 até ao presente que quem tem mandado em Israel são os cidadãos do Estado de Israel através da eleição democrática dos seus líderes e da sua responsabilização nas urnas. Terão errado os eleitores israelitas? Eu, pessoalmente, estou convencido que muitas vezes assim o terão feito – Netanyahu ou Sharon, para citar os mais recentes. Agora nunca em 60 anos de história as forças armadas sobrepuseram pela força a sua vontade à do povo soberano. Assim sendo, não me parece honesto pintar o Estado de Israel como uma Esparta do Médio Oriente, dominado pela tropa e pelo seu ímpeto belicista. Aliás, dois dos exemplos que cito de líderes de governos israelitas empenhados na paz são precisamente antigos chefes de Estado-Maior, que longe de quererem perpetuar o conflito o quiseram terminar.
Para acabar, deixo uma breve nota final sobre a ausência de ameaças a Israel: o partido mais votado nas eleições palestinianas, que detém a chefia do Governo demitido e que acaba de tomar pela força o poder em Gaza e a contribuir para a guerra civil que ameaça tomar conta da Palestina continua a negar o direito à existência do Estado de Israel. Os tais poucos árabes radicais que o contestam, como afirmou, por acaso até estão a tomar conta da Palestina
Ainda bem que as minhas respostas lhe causam gargalhadas. Veja lá se acha esta divertida: lembro-lhe que para além da radicalização da Palestina (admitamos por um momento que ela se deve exclusivamente à Ocupação de 1967), entre os países vizinhos árabes/muçulmanos só o Egipto e a Jordânia reconhecem Israel. Isso deixa de fora dezenas de países árabes/muçulmanos como Arábia Saudita, Malásia, Paquistão, Irão... Portanto aquilo que o jms apresenta como uma questão resolvida, não o é. Folgo em saber que o jms acha a existência de Israel legítima. Só falta convencer a esmagadora maioria dos vizinhos de Israel para eu passar a concordar consigo quando diz que só "alguns árabes radicais" contestam o direito de Israel a existir (tente chamar árabe ao Ahmadinejad e veja o que lhe acontece - atenção jms, olhe que da mesma maneira que os israelitas não são todos iguais, os vizinhos de Israel também não). É que se jms se lembrasse, por exemplo, do facto que o Egipto foi expulso da Liga Árabe durante dez anos por ter feito a paz com Israel em 1979 (apenas um exemplo da intransigência em relação a Israel da vasta maioria dos países muçulmanos), talvez conseguisse compreender porque é que Israel apesar de ter muito tanques e muitos aviões não se sente seguro. O que eu estou a tentar explicar é que os erros cometido por Israel, que não foram poucos (incluíndo a Ocupação), foram cometidos num contexto de hostilidade regional estrutural. E quando se luta pela sobrevivência, como Israel lutou até aos anos 70, cometem-se erros. O seu erro é crer que eu, ao sublinhar a legitimidade do Estado de Israel e o facto de esta ainda ser posta em causa por milhões de pessoas e dezenas de países, estou a condenar os palestinianos à irrelevância e ao esquecimento. Não vejo incompatibilidade entre Israel e Palestina. O jms é que vê. E nesse sentido, está muito menos interessado no destino dos palestinianos, do que na procura de pretextos para provar que os israelitas a priori gostam da guerra. Deixe-me terminar com uma pergunta. Estou curioso. O jms descobriu 'as verdadeiras motivações de todos os governos israelitas': a guerra. Muito bem. Explique-me lá: porque é que os israelitas gostam tanto da guerra? Porque é que odeiam a paz? Porque é que, tendo em conta o tamanho minúsculo daquele país, eles preferem pô-lo em perigo em guerras sucessivas? Porque é que os israelitas são diferentes do resto da humanidade que normalmente procura a paz? Estou certo que já fez estas perguntas a um israelita ou dois, já que fala num tom tão categórico sobre as motivações israelitas. Diga lá, o que é que os seus livros dizem sobre estes seres, os israelitas?
ResponderEliminarPedro Alves
ResponderEliminarEu não demonizo os israelitas, mas sim os militares israelitas, que me parecem sem dúvida muito interessados (por razões óbvias) em que o conflito se eternize. Só esse interesse explica que os governos israelitas (onde o exército tem um peso só comparável ao que verificamos em "democracias musculadas" como a Turquia ou a Argélia) nunca, ou só falaciosamente, tenham procurado a concertação com a OLP ou a Autoridade Palestiniana. Incendiar o cenário é precisamente o que convém, não ao povo israelita, sublinho, mas aos militares que governam o país. Não me parece que o Pedro esteja a ver bem as coisas quando diz que “nunca as forças armadas israelitas sobrepuseram pela força a sua vontade à do povo soberano”. É verdade que os governos em Israel são eleitos democraticamente, mas também não é difícil perceber que quando se fomenta um clima de medo, quando se estimula na população a ideia de que "os outros" não passam de terroristas que nos querem exterminar, é fácil obter nas urnas o mandato para prosseguir a campanha de aniquilamento. Ou o Pedro não acredita na possibilidade de manipular o eleitorado através dos média? Se nos convencem de que fulano nos quer matar, qualquer um de nós tende a trocar liberdade por segurança e a dar carta branca aos nossos protectores. Nos últimos 20 anos, aquilo que eu tenho visto é: os palestinianos a quererem negociar e dispostos a fazer algumas concessões, e os governos israelitas (seguros da sua força e dos apoio americano) a tudo fazerem para manter o status quo.
Os palestinianos cometeram erros? Certamente que sim. Mas recordo-lhe que Arafat renunciou à luta armada, dispôs-se a reconhecer o Estado de Israel, aceitou ceder aos colonos israelitas 6% da Cisjordania. E Israel que lhes ofereceu em troca? Uma mão cheia de promessas vagas.
Passando às zonas de segurança militar, repare bem no que está a dizer Pedro: "Aquilo a que penso eventualmente estar a aludir são as zonas de segurança militar onde poderia haver trânsito de forças militares israelitas, no quadro dos postos avançados de controlo e do facto de estar previsto que o ESTADO PALESTINIANO FOSSE INICIALMENTE DESMILITARIZADO, SENDO A SEGURANÇA DAS FRONTEIRAS ASSEGURADA NESSA FASE TRANSITÓRIA PELO EXÉRCITO ISRAELITA"
Não lhe parece absurdo que uma potência ocupante imponha como condição para desocupar a desmilitarização dos ocupados e se ofereça para garantir a sua segurança? Isto é como se Hitler dissesse aos franceses em 1940: OK, nós desocupamos a França se o exército francês for desmantelado e se a segurança do território francês ficar a cargo da Wermacht...
Além disso, nada nos garante que as "zonas de segurança" viessem algum dia a ser desocupadas e entregues aos palestinianos, pois o exemplo que o Tsahal sempre tem dado permite-nos suspeitar que “para a segurança de Israel”, essas zonas seriam ocupadas ad aeternum.
O facto de Israel ter retirado “faseada, mas integralmente do Sinai no quadro do acordado no primeiro Camp David” não significa que fizesse o mesmo na Cisjordania. Recordo-lhe que muitos israelitas alimentam o sonho de um Grande Israel, ou seja todo o território da Palestina histórica, enquanto que as suas pretensões ao Sinai são mais difíceis de manter. Além de que a retirada israelita do Sinai foi diplomaticamente importante na altura, tendo garantido o reconhecimento de Israel por parte do Egipto. Portanto, Israel retirou do Sinai mas obteve algo em troca. Em relação à Aut. Palestiniana a questão é diferente, pois esta não pode oferecer nada a Israel a não ser “paz”, que é algo de bastante imaterial para se trocar por terras.
Assim, aquilo que me parece óbvio é que a sociedade israelita está manietada por dois grupos extremistas: o exército e os fundamentalistas religiosos, que orquestram a seu bel-prazer a agenda política.
Quanto a Jerusalém, e desde que os israelitas não insistam (como tem acontecido) na teoria da “Jerusalém indivisível e eterna”, não vejo que seja assim tão difícil resolver o problema: Israel tem que desocupar a parte da cidade que ocupou em 1967. Que outra solução poderia haver, se ambos os povos a têm por cidade santa e não querem abdicar de Jerusalém como sua capital? Quanto à zona Esplanada das Mesquitas/Muro das Lamentações, não seria demasiado complicado chegar a uma solução (por exemplo, a que você sugere), desde que houvesse boa-vontade. Não concordo é quando você diz não haverem “razões válidas para sustentar que um ou outro o devam” fazer cedências em relação a Jerusalém. Como não? Acha que Israel tem qualquer legitimidade em reclamar a totalidade do bolo? Porquê? Não é mais sensata a perspectiva palestiniana, de dividir o bolo a meio?
Quanto à sua nota final: “o partido mais votado nas eleições palestinianas, que detém a chefia do Governo demitido e que acaba de tomar pela força o poder em Gaza e a contribuir para a guerra civil que ameaça tomar conta da Palestina continua a negar o direito à existência do Estado de Israel”, penso que não seria de esperar outra coisa de uma facção desesperada e encurralada por Israel. Estou convencido de que até o Hamas estaria disposto a reconhecer Israel no quadro de um acordo que garantisse as legítimas pretensões palestinianas. Além de que Israel é o único responsável pela radicalização dos palestinianos e o seu apoio ao Hamas, pois tudo fez para destruir as “pombas” palestinianas (a OLP e Arafat), fez tudo para incendiar os ânimos, empurrando os palestinianos para os braços do Hamas. Para quê? Para poder dizer que com partidos fundamentalistas e terroristas “não se negoceia”. O cinismo da diplomacia israelita parece-me, Pedro, mais do que evidente.
Opppenheimer,
ResponderEliminarPenso que há bons motivos para crer que a recusa do reconhecimento de Israel por parte dos países árabes perderia grande parte do seu fundamento no dia em que Israel reconhecesse, reciprocamente, o Estado palestiniano. Claro que enquanto Israel se limitar a exigir sem dar nada em troca, dificilmente poderá esperar boa bvonrade por parte dos árabes.
"Não vejo incompatibilidade entre Israel e Palestina." Eu também não, nem os palestinainos. Israel é que parece ver. A prova? A política dos sucessivos governos israelitas nos últimos 15 anos. Não é que os israelitas gostem da guerra, mas foram apanhados numa lógica militarista e não conseguem sair dela (ou melhor, os miliatres israelitas não deixam que dela se saia). Se quiser ler o meu comentário acima, encontrará os motivos porque me parece que não é a vontade do povo israelita que prevalece nesta questão, mas a do Tsahal.
Caro jms,
ResponderEliminarMais uma vez o padrão da sua análise é o seguinte: as concessões feitas pela OLP são todas sérias e integralmente cumpridas (o que olhando, por exemplo, para a ambiguidade de Arafat em relação à actividade terrorista, e a falta de empenho na sua repressão deixa ampla margem para perceber que assim não é – Arafat, uma “pomba” segundo Jms, renuncia no papel à luta armada, mas não retira apoio, nem reprime quem a prossegue); as concessões de Israel são todas feitas com reserva mental e manipuladas pelo exército, não passando de promessas vagas. E o controlo efectivo transferido para a Autoridade palestiniana durante a execução de Oslo? E o apoio financeiro à própria autoridade palestiniana? E o cumprimento pelos governos trabalhistas dos calendários de negociação? E a retirada de Gaza? Tudo promessas vãs?
Depois, comparar o papel do exército em Israel com a Argélia ou com a Turquia é uma de duas coisas: desconhecimento ou manipulação. Nunca o exército influenciou decisões políticas com a ameaça do uso da força, com controlo dos media ou com intervenção de militares no activo no processo decisório. Não há, como na Turquia, ameaças veladas de intervenção quando não se segue a linha militar, nem intervenção directa, anulando resultados eleitorais, como na Argélia. Aliás, são vários os casos na história de Israel, particularmente no que respeita às retiradas de territórios ocupados, em que a posição do exército é distinta e contrária à das autoridades civis, mas em que são integralmente respeitadas e executadas as ordens do poder político. A subordinação das forças armadas ao poder democrático é indesmentível.
Quanto ao forte clima de medo de que fala, remeto-o para o comentário anterior e para uma realidade de várias décadas: atentados terroristas contra a população civil, hostilidade dos vizinhos (em estado de guerra formal em vários casos) com duas excepções apenas, e de praticamente todo o mundo muçulmano, ameaças expressas de destruição do Estado por parte de chefes de Estado que procuram desenvolver programas nucleares. Foi o exército que os inventou? É mera propaganda? Não é na televisão israelita que se pintam todos os palestinianos como assassinos, e que imitações do rato Mickey ensinam as crianças a destilar ódio e a querer atirar os judeus ao mar. Já agora, o exército israelita não controla os media. Se lesse a imprensa israelita ficaria surpreendido (e talvez incomodado por isso não confirmar os seus preconceitos em relação à sociedade israelita) por encontrar crítica, contestação, denúncia e exercício livre dos direitos fundamentais de expressão e comunicação que nos são caros. Há debate democrático livre sobre o futuro e a linha a seguir.
A comparação de Israel à Alemanha nazi e do exército de Israel à Wehrmacht é verdadeiramente indigna, a vários níveis. Em primeiro lugar intelectualmente indigna porque pretende comparar realidades políticas, militares e históricas que nada têm em comum. Em segundo lugar, porque pelo que tenho vindo a ler do que escreve, eu consigo perceber que jms sabe que não há comparação possível – não o faz por ignorância, fá-lo demagógica e falaciosamente, fá-lo com má fé. Em terceiro lugar, indigna porque demonstra um traço de anti-semitismo que, inevitavelmente, é invocado quando a argumentação fraqueja ou quando se quer demonizar Israel. É a maldade subjacente a querer desvalorizar o mal representado pelo fenómeno nazi e reconduzindo-lhe Israel como fenómeno análogo, afirmando subliminarmente que no fundo os israelitas são iguais aos nazis, tanto não são vítimas de coisa nenhuma como fazem o mesmo que os agressores dos seus antepassados. Só que a realidade claramente demonstra que não estamos perante fenómenos comparáveis. Caiu-lhe a máscara com a falta de argumentos – podia ter escolhido dezenas de exemplos que se coadunam ao que quer demonstrar. Foi buscar o único que traz uma mensagem anti-semita associada.
Mais uma vez, se volta a dizer que a ocupação temporária será sempre definitiva porque os israelitas estão a mentir, eu só me posso limitar a reiterar o que já disse – os exemplos das retiradas anteriores demonstram o contrário. Mas aviso que se segue essa linha argumentativa está a dar o seu maior contributo para que nunca se alcance paz alguma. Sabe jms, essa linha de raciocínio vale também para quem a queira invocar contra os palestinianos. Se alguém um dia quiser começar a dizer que não vale a pena negociar nada, porque eles estão a mentir e vão continuar a promover ataques terroristas e a querer destruir Israel, queimam-se todas as possibilidades de acordo.
O Sinai é diferente diz Jms. Diferente porque diplomaticamente importante e diferente porque não se enquadra no sonho do grande Israel. Duas notas. Mais importante que resolver o conflito na Cisjordania, quer devido aos efeitos externos, quer internos, não consigo encontrar. O conflito com os palestinianos domina a vida política da sociedade israelita. É a questão essencial para todos os israelitas – pensar que os cidadãos querem continuar a enviar os seus filhos e netos para um conflito que ceifa vidas e que atrasa a normalização da vida da sociedade israelita é não perceber as aspirações de paz de todos os seres humanos, é continuar a demonizar a sociedade como belicista e interessada no conflito.
Quanto ao Grande Israel, é uma ideia despejada do mainstream político, que representa hoje uma corrente minoritária na sociedade israelita, defendida por radicais (à semelhança daqueles, não tão minoritários do outro lado, que ainda defendem a extinção do Estado de Israel). Não é uma ideia alimentada por muitos israelitas, ao contrário do que jms diz. O sonho da esmagadora maioria dos israelitas é viver em paz e segurança, já tendo percebido que o grande Israel, quando invocado, só tem contribuído para piorar o pesadelo em que se vive na região.
Quanto a Jerusalém, voltou a não perceber o que escrevi quando disse não haverem “razões válidas para sustentar que um ou outro devam” fazer cedências em relação a Jerusalém. Aquilo que eu disse é precisamente que nem Israel, nem os palestinianos têm qualquer legitimidade para reclamar a totalidade do bolo. Não há argumentos racionais que determinem qualquer legitimidade acrescida de qualquer dos lados, ou seja, ninguém tem uma pretensão à soberania total. Daí que as alternativas neutrais (internacionalizando ou dividindo) sejam as únicas racionais.
Sublinho-lhe ainda, que a ideia de “separar o bolo a meio” é tanto a posição palestiniana, como a israelita. Não há, como procura sustentar, uma contraposição entre uma vontade de manter a cidade una da parte de Israel vs uma posição palestiniana de divisão. Assim como há quem minoritariamente fale numa Jerusalém israelita indivisa, também há quem faça o mesmo do lado palestiniano. Em ambos lados, a maioria dos decisores políticos moderados já percebeu a necessidade de divisão, sem ter ainda percebido como vender a ideia às opiniões públicas. É precisamente isso que resulta de Camp David 2000 ou da Iniciativa de Genebra.
Finalmente, quanto ao Hamas: Jms quer pintar uma organização fundamentalista terrorista, que promove a destruição de Israel e que está a tomar pela força o poder na Palestina como uma pobre facção encurralada. Tal não corresponde à realidade. Durante os anos em que os acordos de Oslo ainda estavam a ser executados, e em que havia esperança de uma solução negociada, não só o Hamas recusou os acordos como continuou a promover ataques contra civis em Israel (destaco particularmente os de 1996, na fase da campanha eleitoral que deu a vitória a Netanyahu, que conseguiu vencer em parte invocando a insegurança gerada pela insuficiência de Oslo). A violência, o ódio do Hamas já são antigos e não resultam de um encurralar recente ou de uma radicalização de ontem. Diz Jms que está convencido de que “até o Hamas estaria disposto a reconhecer Israel no quadro de um acordo que garantisse as legítimas pretensões palestinianas”. O Hamas já teve várias oportunidades para o fazer, uma delas recente, promovida pela insuspeita Arábia Saudita, e nem em teoria admitiu a possibilidade de um dia vir a reconhecer Israel.
Ao Hamas, organização terrorista fundamenalista, jms dá o benefício da dúvida, aos governos democraticamente eleitos pelos israelitas que se empenharam na paz jms considera-os cínicos, interessados em manter o status quo, incapazes de um compromisso e de manter a sua palavra.
O seu remate final é notável: se os palestinianos escolhem e elegem uma organização terrorista a culpa é dos israelitas porque os empurram para essa solução, que no fundo seria a solução querida por Israel (já agora, quando são os israelitas que elegem governos menos empenhados em fazer cedências no processo de paz, a culpa será dos terroristas palestinianos que os empurraram para isso através de atentados, ou para aí os raciocínios desculpabilizantes já não valem?) O seu raciocínio, jms, permita-me dizê-lo, é sempre o mesmo e é sempre circular – se alguma coisa de errado acontece, se os palestinianos fazem alguma coisa de mal, a culpa é sempre dos israelitas que os empurraram para essa solução, porque no fundo não querem a paz e querem é manter o status quo. Se isto não é a diabolização que diz não subscrever, não sei o que será...
Pedro Alves
ResponderEliminarVocê acredita (contra todas as evidências) na boa-fé dos israelitas. Eu recordo-lhe apenas que é Israel quem tem o poder e a obrigação moral de resolver a situação. No dia em que os palestinianos tiverem o seu Estado independente, Israel terá toda a legitimidade em se defender de qualquer governo palestiniano que aspire à destruição de Israel. ATÉ LÁS, ISRAEL É O AGRESSOR, O OCUPANTE, e nenhum subterfúgio retórico poderá alterar esse facto. As aspirações dos palestinianos à autodeterminação em 22% do território da Palestina histórica (Gaza e Cisjordânia) são legítimas à luz da justiça e do direito internacional. Enqaunto Israel não cumprir com aquilo a que está obrigado por inúmeras resoluções da ONU, a sua política não tem qualquer defesa. Por muito que achemos detestáveis o Hamas, a Fatah ou a OLP, parece-me inegável que as suas pretensões são legítimas. A razão histórica está com elas.É uma questão de JSUTIÇA E DE DIREITO.
Algumas das suas observações revelam, desculpe lá, uma tremenda ingenuidade. Por exemplo: "o exército israelita não controla os media". Desde quando é que num país em guerra (o que para todos os efeitos Israel é há 60 anos) os meios militares não condicionam (se não gostar da palavra "controlar") a informação? Não há nenhum país em guerra onde exista liberdade de informação. Depois, deixe-me dizer-lhe que liberdade de informação e de opinião não são a mesma coisa, Pedro. Em Israel há liberdade de opinião. Mas informação isenta e independente não há: acha que as televisões israelitas iam divulgar as atrocidades cometidas pelo seu exército? Tanto como as televisões americanas fazem uma cobertura "isenta" da guerra do Iraque… E quando a informação é censurada, que fundamento pode haver para uma opinião realmente livre?
De igual modo, se é verdade que em Israel não há "como na Turquia, ameaças veladas de intervenção quando não se segue a linha militar, nem intervenção directa, anulando resultados eleitorais" isso é porque Estado e Exército, em Israel, mal se distinguem. Ou ainda não reparou que os PM israelitas são sempre militares? Não acha isso estranho? A verdade é que a sociedade civil israelita foi colonizada pelo exército, que tem lá uma influência inimaginável em qualquer outro país democrático. Ou acha que isto não é um facto, mas apenas uma “opinião” minha?
Não percebo como é que você pode negar que o Hamas só chegou onde chegou porque Israel tratou de hostilizar todas as facções palestinianas moderadas. É mais que óbvio e nem foi preciso mais do que uma atenção aos noticiários no período entre 1998 e 2005 para o constatar.
Depois de sabotados todos os esforços de paz (lembra-se do cerco à Arafat em Ramallah ou dos ataques às forças de segurança da Aut. Palestiniana nos últimos anos do gov. Sharon?), era inevitável que os palestinianos se virassem para os fundamentalistas religiosos do hamas. Até porque era nestes que a população encontrava ajuda material quando tudo faltava. Isso, mais o facto inegável da corrupção que grassava na Fatah, fez com que os do Hamas aparecessem como “incorruptos” e “puros”. Daí que tenham sido eleitos.
Quanto à acusação de anti-semitismo, não creio ser suficientemente estúpido ou ignorante de história para defender que os judeus, ou qualquer outro povo, possuam um dom especial para a perfídia. Nisso, os judeus são iguais aos alemães, aos ingleses, aos americanos, aos portugueses, aos japoneses, aos espanhóis, aos turcos, etc. Mas isso não me impede de ver que em toda esta questão é Israel quem está em falta, é Israel quem tem resoluções da ONU por cumprir, e é a Israel quem compete estender de vez a mão aos palestinianos. Até lá, repito, Israel é o agressor.
Obrigado pela conversa, que pela minha parte termina aqui.
Caro JMS,
ResponderEliminarAfirma que só quando existir um Estado palestiniano é que Israel terá legitimidade para se defender contra ataques à sua população e ao seu direito de existir como Estado. Até lá, devo presumir que Israel deva permitir os ataques, não deva exigir garantias de repressão do terrorismo por parte dos palestinianos e não se deva defender. Para si, independentemente da existência de ataques terroristas contra Israel, seja pelo Hamas, que chefiava o governo palestiniano, ou pelo Hezbollah, que controlava uma fatia de um Estado vizinho soberano de onde lançava ataques contra populações civis, independentemente da hostilidade declarada de vizinhos imediatos ou afirmações expressas de vontade de destruir o seu Estado por parte do presidente iraniano, Israel é sempre, sempre o agressor.
Como parte do raciocínio de que Israel é sempre um agressor, JMS não consegue conceber que Israel possa fazer exigências aos palestinianos quanto à segurança e quanto a garantias de repressão de actividades terroristas. É por isto que não me parece equilibrada a sua posição, acabando sempre no sentido da simplificação e da obrigatória assunção por Israel do papel único de vilão. Quando lhe apontei a falta de vontade de analisar a complexidade da situação era a isto que me referia. Como Israel surge nas vestes de ocupante na Cisjordânia, isso preclude automaticamente a consideração de todos os actos de agressão contra Israel e o Estado de Israel tem de desempenhar o papel de “mau” em todas as facetas do conflito. Se para o efeito tivermos de ignorar factos e ser selectivos quanto ao que é relevante para apreciar o conflito, então assim seja.
Não pretendo, nem nunca pretendi ao longo da nossa troca de comentários, afirmar o carácter impoluto de toda a actuação israelita, não pretendi sustentar que os Israelitas não erram e que partem de uma posição de legitimidade jurídica ou política em toda a sua actuação. Não nego, nem nunca neguei a existência de uma ocupação, a ilegalidade dos colonatos e do traçado do muro de separação ou a violação de diversas resoluções do conselho de segurança da ONU pelo Estado de Israel. Contudo, ao querer a todo o custo associar ocupante a agressor e vilão, JMS é que procura sofismar e arranjar um expediente para simplificar a questão ao ponto de só haver preto e branco, bons e maus, agressores e agredidos. E era essa a discussão. Era a condenação de todos os israelitas e de todos os seus governos como militaristas e como não empenhados na paz que vinha proposta no post que desencadeou a nossa conversa.
Ainda sobre o seu último comentário, deixo-lhe umas notas.
Em primeiro lugar, reparo que subliminarmente o próprio JMS decidiu contestar a legitimidade do Estado de Israel, daquelas fronteiras que diz que toda a gente reconhece e em relação às quais Israel nada tem a temer. Ao aludir aos 22% do “território da Palestina histórica”, JMS está a afirmar a ilegitimidade quer do plano de partição da ONU, em primeiro lugar, quer das fronteiras de 1948, que teriam levado a essa solução. Afinal, a questão não é tão líquida quanto parece, nem para si… Esta ideia sai ainda reforçada quando, a certo ponto, afirma a legitimidade das pretensões do Hamas perante Israel. Não se esqueça no que essas pretensões consistem e o que pressupõem – a destruição do Estado de Israel. A simplificação absoluta do conflito impele-o a considerar por igual todos os palestinianos, assim como todos os israelitas. A consequência disso é acabar a alinhar com os fundamentalismos do Hamas, numa lógica que conduz a conclusões do tipo “os inimigos de Israel não podem ser má gente de todo”.
Quanto ao Estado e ao exército mal se distinguirem e ao facto de a sociedade israelita estar colonizada pelo exército, mais uma vez JMS faz afirmações que não correspondem à realidade. Primeiro porque se limita a enunciar um postulado, não avançando com factos ou tendências que o ilustrem. O único ensaio de exemplo que aponta pura e simplesmente não corresponde à realidade: quanto ao facto de todos os primeiros-ministros israelitas serem sempre militares, mais uma vez JMS está enganado quanto aos factos. Até hoje, só três das 12 pessoas que ocuparam o cargo de primeiro-ministro foram militares de carreira (Rabin, Sharon e Barak). Peres, Golda Meir e o próprio Netanyahu não fizeram sequer serviço militar efectivo, tendo os restantes titulares do cargo cumprido serviço militar obrigatório (Olmert) ou cumprido serviço militar durante a I Guerra (Ben Gurion e Eshkol no exército britânico, e Sharett no exército turco, como tradutor). Finalmente, Begin e Shamir estiveram envolvidos em grupos para-militares, até e durante a guerra de independência e não chegaram a fazer parte dos quadros do exército. E mesmo aqueles 3 que desempenharam funções primo-ministeriais, fizeram-no após o termo das respectivas carreiras, quando já haviam passado à condição de civis. E já agora, as duas tentativas de acordo recentes, com o maior número de compromissos com os palestinianos (já sei, que não lhes reconhece valor, mas eu continua a insistir que foram as melhores opções para a paz nas últimas décadas) saíram precisamente de governos liderados por antigos chefes de estado do exército. Se de facto as forças armadas querem manter a guerra e militarizar o governo civil, devem começar a escolher outros testas de ferro, porque claramente Rabin e Barak são traidores à causa…
Quanto à imprensa israelita, para além de voltar a recomendar que a leia como melhor forma de demonstrar que não tem razão, sugiro ainda que a compare à imprensa palestiniana e árabe. Procure os conteúdos de programas informativos israelitas e contraponha-os aos noticiários do Hamas ou mesmo ao mainstream da comunicação palestiniana e verificará onde se encontra a mais gritante manipulação e falta de isenção. Toda a imprensa israelita é um paradigma, não há radicais, não há falcões na imprensa? Claro que não, mas não isso que estou a afirmar. Aquilo que está em causa é a sua afirmação de que não há imprensa livre em Israel, que há censura e falta de acesso à informação. Israel pode gabar-se de ser o país de toda a região com os melhores pergaminhos de liberdade de imprensa. Se consultar o relatório dos Repórteres sem Fronteiras, pode verificar o seguinte ranking (num total de 167 países, deixo alguns países vizinhos e outros para efeitos comparativos):
Dinamarca, Finlândia, Islândia, Irlanda, Países Baixos, Noruega, Suíça – 1.º
Alemanha – 18.º
Portugal – 23.º
Reino Unido – 24.º
França – 30.º
EUA – 44.º
Israel – 47.º
Brasil – 63.º
Jordânia – 96.º
Autoridade Palestiniana – 132.º
Egipto – 143.º
Líbano – 108.º
Síria – 145.º
Irão – 164.º
Quanto à chegada do Hamas ao poder, não se esqueça do que escreveu. JMS disse que “Israel é o único responsável pela radicalização dos palestinianos e o seu apoio ao Hamas”. ÚNICO. Foi JMS quem o disse, não fui eu. Mas JMS disse mais do que isso, disse também que Israel o fez intencionalmente, para “poder dizer que com partidos fundamentalistas e terroristas não se negoceia”. É isto que contesto como mais um elemento do discurso demonizador dos israelitas. A desculpabilização total de quem elegeu o Hamas, por um lado, e a assunção de que a intenção de Israel era a de inviabilizar o processo de paz, através da eliminação dos interlocutores viáveis.
Noto, porém, que no seu último comentário, parece que evoluiu no sentido de a culpa também poder ser da corrupção e ineficiência da gestão da Autoridade Palestiniana pela Fatah. Talvez se continuarmos a conversa ainda venha a ponderar outros factores, como o desaparecimento da figura tutelar de Arafat, criando um vazio de autoridade, ou o apoio financeiro estrangeiro (saudita e iraniano) ao Hamas, o que lhe permite financiar os programas de apoio social que referiu e em que se substitui à ineficiente AP, entre outros.
Finalmente, quanto ao anti-semitismo, se não quer ser acusado de ter intenções subjectivamente anti-semitas, evite linhas de argumentação que o são objectivamente.
De resto, se quiser ficar por aqui na troca de impressões, assim seja, mas penso que é provável que a retomemos noutro local ou ocasião. Assim sendo, até à próxima…
Ao pedro alves e ao jms,
ResponderEliminarobrigado pela vossa discussão. gostava de ter participado mais, mas gostei muito de vos ler.