quarta-feira, 7 de maio de 2025

Sabeis isso melhor do que eu


Fazer campanha é ter o privilégio de poder almoçar, em Ribeira de Frades, com mais de uma centena de sindicalistas de Coimbra. Eis o que lhes disse: 

Poderia dizer-vos que o trabalho cria tudo o que tem valor, mas vós sabeis isso melhor do que eu. Poderia dizer-vos que sem um movimento sindical forte e atuante não há Estado Social de Direito Democrático, mas sabeis isso melhor do que eu. Poderia dizer-vos que a redução dos direitos laborais das últimas décadas implicou um aumento dos direitos patronais, mas sabeis isso muito melhor do que eu. 

Dir-vos-ei apenas que esta transferência de direitos do trabalho para o capital contribuiu para criar uma economia cada vez mais medíocre, sem pressão salarial suficiente para impulsionar a procura, sob a forma de consumo e de investimento. 

No último quarto de século, entre 1999 e 2024, os salários reais cresceram apenas 13,5%, mas a produtividade do trabalho cresceu 20,8%, o que também não é famoso. Seja como for, a produtividade cresceu mais do que os salários reais, o que significou automaticamente uma transferência de rendimentos do trabalho para o capital, uma quebra do peso dos rendimentos do trabalho no rendimento nacional em cerca de quatro pontos percentuais, mais de dez mil milhões de euros. 

Por isso, quando dizemos que é necessário um choque salarial, sabeis bem que estamos a ser a voz da sensatez económica e da justiça social. Num contexto de desglobalização, em que os mercados internacionais estão periclitantes, o mercado interno é o porto seguro. 

PS e PSD preferem “espirros salariais”, como disse Paulo Raimundo, atirando aumentos salariais, como o do Salário Mínimo Nacional, que tem de ultrapassar os mil euros, para daqui a vários anos. Nós dizemos, tem de ser já, amanhã é tarde. E a valorização decidida do Salário Mínimo Nacional tem de ser parte de um aumento de dois dígitos de todos os salários, recuperando o que nos foi tirado. 

Sabeis muito melhor do que eu como é difícil negociar com associações patronais empoderadas, num quadro de negociação coletiva enfraquecida. No entanto, quando os patrões são individualmente inquiridos pelo Instituto Nacional de Estatística, dizem que as “expetativas de vendas” são o principal fator que explica as suas decisões de investimento. Sabeis melhor do que eu que é o poder de compra da classe trabalhadora que determina a formação de tais expetativas. 

Numa economia de baixa pressão salarial, o investimento empresarial é baixo, um círculo vicioso acentuado pelo baixo nível de investimento público no nosso país: só há na UE um país com mais baixa percentagem de investimento público no Produto Interno Bruto; países como a Polónia têm níveis de investimento público duas vezes superiores, em percentagem do PIB. Temos  inscrito no programa o firme propósito de alcançar os níveis de investimento público que já foram os nossos.

No medíocre contexto austeritário que ainda é o nosso, o Governo comunicou o seguinte: “No âmbito do Plano de Defesa Europeu, o Governo português vai solicitar a ativação da cláusula de derrogação nacional. Esta cláusula permitirá estabelecer uma exceção ao cumprimento das regras orçamentais de modo a acomodar o aumento da despesa com a defesa. O Partido Socialista foi ouvido no processo de tomada de decisão”. 

O Governo fez esta reveladora comunicação a 23 de abril, por coincidência, dois dias depois da morte do Papa Francisco: “Não é possível haver paz sem um verdadeiro desarmamento!”, disse este homem bom a 20 de abril. 

Tudo o que queremos fazer, podemos pagar, assim haja vontade soberana com expressão monetária. O constrangimento não é financeiro, mas de recursos reais e de poder para os mobilizar. 

Da habitação ao Serviço Nacional de Saúde, sabeis melhor do que eu que há cada vez mais necessidades por satisfazer, mas esta gente prefere investir no desperdício e num cortejo de corrupção, arrastando o país para uma corrida armamentista geradora de guerra. 

Nunca foram tão claras as ligações entre paz, direitos de quem trabalha e salário direito e indireto, entre paz entre os povos e paz e segurança sociais. É em nome dessas ligações que aqui estamos. 

Sabeis isso melhor do que eu.

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