quinta-feira, 15 de maio de 2025

Haja luz na noite


Na passada terça-feira à noite, tive o privilégio de participar em mais um comício, com centenas de pessoas, no belo Pátio da Inquisição, em Coimbra. 

Diz que sou independente, mas, na realidade, sinto-me muito dependente de um coletivo que não me deixa acabar em mim mesmo. 

Um coletivo, uma lista, que inclui mais uma independente, Vanda Pereira, uma combativa supervisora de frente de loja e sindicalista, que luta nos tribunais e fora deles pela sua reintegração, tendo sido despedida. 

Sim, as liberdades democráticas são coartadas nos locais de trabalho. 

Sim, há quem coloque a luta de classes no centro da democracia e por isso no centro da campanha. 

Deixo abaixo a minha intervenção escrita. 

Boa noite.

Tenho de começar esta intervenção com um pedido de desculpas a todas e a todos, em especial a Fernando Teixeira, o incansável advogado do povo deste distrito e a Paulo Raimundo, que tem encarnado como nenhum outro a economia moral da classe trabalhadora deste país. 

E tenho de pedir desculpas pelo mau gosto de vos ler um comunicado do Governo de gestão datado de 23 de abril, o mesmo Governo, noto desde já, que recusou promulgar, alegando estar em gestão, o acordo entre a administração da CP e os sindicatos para aumentos salariais tão necessários. 

Leio, então, o tal comunicado: “No âmbito do Plano de Defesa Europeu, o Governo português vai solicitar a ativação da cláusula de derrogação nacional. Esta cláusula permitirá estabelecer uma exceção ao cumprimento das regras orçamentais de modo a acomodar o aumento da despesa com a defesa. O Partido Socialista foi ouvido no processo de tomada de decisão.” 

Três dias antes, a 20 de abril, um homem bom, o Papa Francisco, na sua última intervenção afirmou: “Não é possível haver paz sem verdadeiro desarmamento” 

Neste contexto, aposto que sentis uma “raiva a nascer nos dentes”, como cantou Sérgio Godinho quando perguntava: “que força é essa, amigo?”. 

Quem está vivo e vive neste país, quem quer bem ao povo deste país, só pode sentir raiva perante esta pulsão de morte. Mas nós sabemos, cada um de nós sabe, que é coletivamente que superamos a raiva impotente, transformando-a em argumento dirigido, em programa consistente, em força de esperança, em pulsão de vida, agindo com o corpo todo, com a mente toda, sem separações, como tem feito Paulo Raimundo. 

Aqui está ele. Aqui estamos nós. Sabemos que somos contra, somos contra o Estado de mal-estar social que nos querem impor, usando o medo e o desperdício da corrida armamentista como meios. 

Sabemos que somos a favor, somos a favor do Estado de bem-estar social, assente na satisfação das necessidades populares pelos serviços públicos e prestações sociais, assente nos direitos do trabalho que cria tudo o que tem valor. 

Contra a insegurança do Estado de mal-estar, só o Estado de bem-estar gera a segurança que vale à imensa maioria, a segurança social. 

O Estado de mal-estar que promove a guerra, a guerra de todos contra todos, é o mesmo que tem promovido a transferência de rendimentos do trabalho para o capital. 

No último quarto de século, entre 1999 e 2024, os salários reais cresceram apenas 13,5%, mas a produtividade do trabalho cresceu 20,8%, o que também não é famoso. Seja como for, a produtividade cresceu mais do que os salários reais, o que significou automaticamente uma quebra do peso dos rendimentos do trabalho no rendimento nacional em cerca de quatro pontos percentuais, mais de dez mil milhões de euros que pertencem a quem trabalha. 

Por isso, quando Paulo Raimundo fala de forma incessante num choque salarial, está a ser porta-voz, estamos a ser a porta-vozes, da sensatez económica e do tal bem-estar social, a favor dos direitos laborais, contra a inflação de direitos patronais. Somos sempre contra e a favor. 

Num contexto de desglobalização, em que os mercados internacionais estão periclitantes, o mercado interno, impulsionado pelo aumento do poder de compra de quem trabalha, é o porto seguro da economia portuguesa. 

PS e PSD preferem “espirros salariais”, como bem disse Paulo Raimundo. PS e PSD estão de acordo com o investimento da guerra, mas têm travado o investimento público socialmente necessário, da habitação ao SNS. 

Um número: 2,7% do PIB. Só há na UE dois países com percentagens tão baixas de investimento público no Produto Interno Bruto; países como a Suécia ou Eslovénia têm níveis de investimento público mais de duas vezes superiores, em percentagem do PIB. Temos inscrito no programa o firme propósito de alcançar 5% do PIB de investimento público no PIB, valor semelhante ao da Polónia. 

Nós queremos um Estado de bem-estar social e eles querem um Estado de mal-estar social. Esta é a diferença essencial. 

Sabemos que há dinheiro, que tudo o que queremos fazer, podemos pagar, assim haja vontade soberana com expressão monetária. O constrangimento não é financeiro, nunca foi, como se vê com a corrida armamentista, mas de recursos reais e de poder para os mobilizar. 

Haja poder. Haja apoio à CDU, como o que foi dado por mais de meio milhar de cidadãs e de cidadãos sem filiação partidária, no quadro da Iniciativa dos Comuns, subscrevendo um apelo intitulado “os dias levantados”; um apelo que convoca o poeta e militante comunista Manuel Gusmão. Como ele disse: “se o trabalho não é cidadania, a cidadania não é inteira”. 

Haja trabalho cidadão, haja CDU. Viva a Coligação Democrática Unitária, viva Portugal. 

 

Sem comentários:

Enviar um comentário