quarta-feira, 30 de outubro de 2024

O imobiliário na sua própria bolha


«O regime fiscal de Residente Não Habitual (RNH) e o programa de autorização de residência para investimento [Vistos Gold] deveriam ser revisitados para atrair investimento direto estrangeiro», defendeu há dias o presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII).

Hugo Santos Ferreira considera que Portugal está a perder capacidade de captar investidores devido à perda de atratividade destes regimes, havendo por isso a «legítima expectativa do setor na revisão destes dois programas». Tanto mais quanto, argumenta o presidente da APPII, o atual ministro da Economia já sublinhou que o governo quer promover o investimento direto estrangeiro.

Além da referência aos cidadãos brasileiros interessados em viver em Portugal («com altíssimo poder aquisitivo, são bilionários, para quem o tema segurança e atratividade fiscal é essencial», sublinha), o presidente da APPII dá também o exemplo de «muitos americanos a desejar sair do país», advogando que «é preciso colocar Portugal no mapa». Até porque, acrescenta, Portugal concorre com outros países europeus, que têm programas semelhantes.

Conclui-se, portanto, que não há nenhuma crise de habitação em Portugal, nem nenhum desfasamento entre os preços das casas, que não param de subir, e os rendimentos das famílias. Dir-se-á, ouvindo os representantes do setor, que o problema reside apenas na falta de casas e que nada tem que ver com o impacto das novas procuras, incluindo obviamente as procuras externas, nessa elevação dos preços e inacessibilidade das famílias a um alojamento.

Bem sabemos, claro, que Santos Ferreira está a defender os interesses do setor, clamando por mais matéria-prima (casas) e, no caso, incentivos fiscais que alimentem a procura por cidadãos estrangeiros com posses. Sabemos tudo isso. E por isso sabemos também que devemos desconfiar de quaisquer sinais de preocupação, mais gerais, sobre a crise de habitação e o seus impactos nas famílias e até no funcionamento das economias locais. São só lágrimas de crocodilo, vertidas por um setor que apenas vive e pensa na sua própria bolha.

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