quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Requentar teses oportunistas em tempo de eleições

Recuperando um gráfico que Vítor Bento produziu antes das legislativas de 2022, e que serviria de mote a um ensaio posterior no Observador, João Maria Condeixa, no twitter, regressa à tese do autor, segundo a qual «a larga maioria [dos portugueses] vive na dependência que o seu rendimento tem do Estado», tornando por isso muito difícil «mobilizar uma coligação eleitoral capaz de ganhar e reformar o país».

Fazendo estimativas para 1980 e 2020, Vítor Bento concluiu, nessa altura, que a «população dependente do Estado» passara de 34% para 61% em quatro décadas, desprezando, contudo, várias coisas:
  • Que os descontos das empresas e dos trabalhadores para a Segurança Social (e não do Estado, já agora, que apenas as gere e garante), a par do envelhecimento demográfico, permitem que os reformados tenham hoje uma pensão;

  • Que o aumento do peso relativo de funcionários públicos (de cerca de 7% para 9%), bem abaixo da média da UE, tem um significado muito claro: entre outros domínios, a universalização do acesso à saúde (médicos e outros profissionais) e à educação (professores), no âmbito do Estado Social tardio que o nosso país edificou desde o 25 de Abril, com destaque para o SNS e a Escola Pública;

  • Que o aumento da proporção de trabalhadores abrangidos pelo salário mínimo, de 3% para 10% (o qual, já agora, também não é pago pelo Estado), reflete a exigência da sociedade, através das suas escolhas políticas, em fixar um limiar mínimo de decência na remuneração do trabalho, num país que chegou a 1974 com níveis de pobreza e desigualdade insuportáveis;

  • E por falar em pobreza, note-se por fim a ausência de um equivalente ao RSI em 1980, suscetível de servir de comparação com os 3% da população abrangida em 2020 por esta prestação social, que representa um salto face ao assistencialismo caritativo e humilhante até aí prevalecente.


É verdade que Vítor Bento, no seu ensaio de 2022, assinala não ter «nenhum intuito moralista» com o exercício a que deitou mão, dizendo que «as coisas são o que são». Mas é ao mesmo tempo indisfarçável que não só encara de forma negativa esta alegada «dependência» das pessoas face ao Estado (como quando, por exemplo, se refere aos cidadãos enquanto «consumidores de impostos»), mas também quando a interpreta como um obstáculo à concretização das «reformas transformacionais» de que, no seu entender, o país precisaria.

Reformas essas que, como facilmente se deduz, iriam no sentido da retração do papel do Estado, tanto ao nível do desmantelamento e privatização dos serviços públicos como ao nível da desregulação da legislação laboral e da rarefação dos direitos sociais, no melhor esteio da «economia do pingo» (mas que depois nunca pinga). Isto é, em linha com as propostas programáticas que já se vislumbram à direita, do PSD ao Chega, passando pelo CDS e IL.

Não estranha por isso que João Maria Condeixa tenha repescado no seu twitter, para o atual quadro eleitoral, o ensaio de Vítor Bento. E afirme, a partir dos dados do referido gráfico, que «o partido que ignorar esta estrutura de rendimentos não será eleito» e que «o partido que dela ficar refém não servirá o país», lamentando-se, ainda, pelo facto de «o dinheiro atirado para o problema» contentar apenas «eleitorado e partidos».E quem deveria já agora, que mal se pergunte, contentar?

1 comentário:

  1. Sempre imbatíveis na cretinice esses que acusam indiscriminadamente a população portuguesa de malandrice e subsídio dependência, estes mesmos os maiores dependentes do Estado, estes que alcançaram posições privilegiadas graças ao mauzão Estado. Gente do mais repelente que este mundo já viu parir.
    E então quando começam com a lenga-lenga de que não têm ideologia?
    Não podemos negar, estes neoliberais conseguiram dar o golpe na maioria de nós.
    “Neoliberalismo, o que é isso?” diziam os neoliberais, anos passaram, as aldrabices já não têm a eficácia de outras alturas, ainda assim, durante muito tempo conseguiram enganar.
    As reformas estruturais que o Vítor Bento e outros como ele defendem não têm um pingo de ideologia? Pois não, é como a União Europeia e o Euro, estão acima da ideologia...

    E agora como a ladainha neoliberal convencional perdeu a eficácia o que fazem a classe dominante, e seus aliados na política e da comunicação social? Infligem-nos a extrema-direita convencional. Claro que o Neoliberalismo convencional foi sempre uma fase transitória, agora é a vez do Neoliberalismo hardcore, se quiserem chamar isto de Fascismo não serei eu que vos vou impedir de o fazer.

    Obrigado Partido “Socialista” por contribuíres decisivamente para aprofundar a degeneração do Capitalismo, não queres resolver os problemas materiais urgentíssimos da população, estás disposto a sacrificar essa mesma população em nome do europeísmo e governas para o agiota, não quero nunca deixar de reconhecer o teu mérito!

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