terça-feira, 11 de julho de 2023

Um jornal antifascista


O que justifica que a Assembleia da República (AR) tenha instituído um sistema de escrutínio público que implica sistematicamente a desregulação do trabalho dos envolvidos (deputados, jornalistas, inquiridos, profissionais que trabalham no Parlamento), certamente ao nível dos ritmos, horários e tempos de trabalho, com ou sem compensações de retribuição e folgas? No caso dos jornalistas, cujo trabalho não termina quando os trabalham encerram, esses efeitos de sobrecarga laboral são bastante visíveis, mas nos deputados e demais trabalhadores da AR não será muito diferente. A actividade das CPI não pode ser organizada de forma mais respeitadora dos trabalhadores, mesmo revendo, se necessário, limitações do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares (Lei n.º 5/93)? Se passa pela cabeça de alguém que apresentarem-se como heróis inquiridores de capa e serem vistos a trabalhar fora de horas é uma boa via populista para reabilitar a imagem dos deputados, do Parlamento ou até da política, talvez pudessem pensar melhor sobre os efeitos que realmente têm. A desregulação neoliberal nas instituições públicas contagia-se, não beneficia ninguém. E prescindir da imagem de «pessoas normais», que querem voltar para casa, descansar, ter direito a desligar, só beneficia a construção do «eles» que alimenta um único populismo: o de direita.

Sandra Monteiro, Na voragem dos inquéritos parlamentares, Le Monde diplomatique - edição portuguesa, Julho de 2023.

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