Karl Marx, A Miséria da Filosofia, 1847
Peço desde já desculpa ao leitor pelo marxismo, perdão, pelo realismo, mais simples, mas quando ouço Luís Montenegro ou gente do P sem S sobre saúde tenho de recuar a 2020. Foi o ano em que o Grupo Mello vendeu 40% da Brisa, uma empresa privatizada para dar rendas garantidas ao capital.
Nesse grupo preferem investir maciçamente, centenas de milhões de euros, na expansão do capitalismo da doença, que obviamente requer o concurso de uma certa forma de Estado. Também para isso, criaram toda uma infraestrutura académica e política: daí, por exemplo, as parcerias “académico-clínicas” com a Nova Medical School e a articulação com a inevitável Nova School of Business and Economics, com financiamento a acompanhar, naturalmente. O inglês mostra o destino made in USA. Melhor negócio do que a doença, só a indústria de guerra, sabemos há muito.
Nas revistas académicas é-se obrigado a declarar os eventuais “conflitos de interesses”. É uma pena que tal não seja a convenção na esfera pública mais geral, em particular nas televisões, sobretudo quando académicos, advogados ou outros intelectuais são convidados a opinar sobre saúde ou segurança social. Talvez isso ajudasse a compreender a base material de certas ideias, o que seria uma inconveniência, reconheço.
Há em Portugal, de facto, uma certa patologia mental por explicar com respeito ao marxismo, e que à falta de melhor palavra, enfim, ficamo-nos pelo 'tabu'. Percebo perfeitamente o empurrãozinho elogioso do sr. João Rodrigues, em jeito irónico, associando o marxismo "mais simples" como qualquer coisa com o realismo. Sim, percebo a ironia em contraste com os rolos fantasiosos deste "liberalismo" português (que está mais, ainda, para o senhorialismo). Mas a própria ironia mostra-nos também o outro lado da substancia da sua mensagem, de que vinha falando, e que deve ser combatido, que é o tal tabu que parece que se alastra por todos os poros deste país, quando: "olhe, desculpe pelo marxismo, tá?". Parece que o marxismo não pode ser referenciado como algo normal e natural num debate crítico (e, já agora, como algo real que produz um certa visão realista das coisas), mesmo apesar de tanta baboseira que por aí é propagada, sem rigor e sem escrúpulos. Não, quando se cita um texto marxiano, precisa sempre daquele tratozinho.
ResponderEliminarMas por que nos desculpamos pelo marxismo? Eh pá, francamente...
Depois, não deixa de ser igualmente irónico a escolha de leitura, a citação... Seleciona-se um excerto duma obra cujo objeto de crítica é a filosofia idealista pequeno-burguesa (e o que é que isso tem a ver mesmo com os grandes "grupos económicos"? pouco ou nada). Claro, parece-se como naquelas bibliotecas e livrarias onde o marxismo (uma vez que tem, de fato, uma certa natureza ontológica, e riquíssima por sinal) apenas aparece nas estantes de filosofia, às vezes de sociologia e história, mas nunca de economia. A Seleção do sr. João Rodrigues também acaba por fazer isso, remetendo o marxismo à filosofia (no caso, à prática essencial de alienação do comércio capitalista), mas nunca à economia; é a tal patologia...
Doravante, vamos alterar esta situação de tabu?
P.s.: as aspas aos "grupos económicos" é para fazer notar a alteração de discurso do próprio PCP, na voz dos seus deputados, onde parece que se abandonou a expressão "grande capital"; e coincidentemente, com a saída do Jerónimo. Resta saber se isso constitui um perda ou um ganho... de realismo.