Com o surgimento da pandemia, no final de 2019, gerou-se a convicção, entre os especialistas do setor, de que o mercado habitacional iria «arrefecer». Mas os preços não pararam de subir. Com o início da guerra na Ucrânia, em fevereiro de 2022, surge nova convicção de que o mercado iria «arrefecer». Mas, uma vez mais, os preços não pararam de subir. De facto, quando se analisa a evolução do Índice de Preços da Habitação (IPH), desde 2013, a subida é contínua, como se a pandemia e a guerra não tivessem sequer, contra todas as previsões e expetativas, existido.
Só recentemente, à escala da UE27, se observa uma tendência de redução dos preços das casas (-3,2 do IPH desde setembro de 2022), sendo que a mesma ocorre apenas em cerca de metade dos Estados membros, continuando portanto os restantes a registar aumentos (como sucede no caso português, em que somente se regista, nos últimos meses, uma ligeira redução do ritmo de crescimento dos preços).
Mais: sendo certo que cada sistema nacionals de habitação tem as suas especificidades e dinâmicas próprias, constata-se que são os países com preços de venda mais elevados em que essa descida se verifica. O que permite colocar a hipótese de os investimentos internacionais no setor, e nomeadamente os investimentos que encaram a habitação como um ativo financeiro, poderem estar a deslocar-se para países com preços das casas comparativamente menores.
Assim, o que parece estar em causa é, uma vez mais, o facto de a atual relação entre a oferta e a procura já não se confinar às lógicas da função residencial da habitação nem às fronteiras dos países, antes se enquadrando, hoje, numa escala transnacional dos investimentos imobiliários. Os quais, juntamente com as dinâmicas especulativas e rentistas à escala nacional, mitigam ou anulam os impactos esperados de crises como a gerada pela pandemia e pela guerra.
A «resiliência» do mercado imobiliário, aclamada pelos players do setor - e que não significa outra coisa que a persistência do elevado preço da habitação - não é assim tão estranha e inesperada como pode, à partida, parecer.
Põem a cambada socialista no governo e querem investimento e confiança?
ResponderEliminarOs dados que indicou parecem apontar para uma situação em que os investidores estão a utilizar estratégias de negócio orientadas para o aproveitamento do "rent gap", ou seja, do diferencial existente entre o valor atual do terreno e do seu edificado, se existente, e o valor potencial do(s) mesmo(s) no seu uso mais rentável.
ResponderEliminarHá um artigo bastante interessante do geógrafo Brett Christophers sobre a utilização dessa estratégia a nível internacional pela Blackstone ("Mind the rent gap: Blackstone, housing investment and the reordering of urban rent surfaces"[1]).
No limite, todas as estratégias de especulação de ativos imobiliários, sejam elas realizadas por indivíduos ou empresas, são de aproveitamento de "rent gaps".
[1] https://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/00420980211026466#bibr35-00420980211026466internacional
Tem toda a razão caro José.
ResponderEliminarÉ nisto que dá ter governos socialistas em toda a Europa desde 2013.
Caro Ricardo, obrigado pela sua sugestão de leitura.
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