quinta-feira, 4 de setembro de 2025

Trágicos mecanismos


O que faz um cidadão perante a tragédia no ascensor da Glória, em Lisboa? Procura informar-se, ouvindo quem sabe, ou seja, Carlos Cipriano, numa primeira conversa, necessariamente cautelosa, com Rúben Martins.

Apurem-se responsabilidades sempre políticas, tanto mais que estamos a falar de uma infraestrutura pública, de um serviço público. 

Os sindicatos servem para defender os interesses dos trabalhadores e a primeira vítima a ser conhecida é um trabalhador da Carris: André Marques, guarda-freio do ascensor. Mas os sindicatos servem para muito mais, já que são expressão do conhecimento que só os trabalhadores detêm. 

E a empresa pública é um repositório de conhecimento que pode ir sendo perdido, pela destruição de serviços e das respetivas competências técnicas. Como sublinhou Carlos Cipriano, “antigamente, com a manutenção a ser assegurada dentro das empresas, o conhecimento técnico, o saber fazer, era transmitido, ao longo do tempo, entre gerações de engenheiros e de operários, no quadro de carreiras estáveis”. Está a falar das Carris, mas também de outras empresas, como o Metro de Lisboa ou a IP. 

Sabemos já que houve alertas sindicais recorrentes acerca da externalização da manutenção do equipamento social, uma empresa privada, o chamado “mercado”: podem até cortar nos custos pecuniários no curto prazo, pela exploração intensificada da força de trabalho mais precária e pela degradação da qualidade do serviço prestado, mas aumentam os custos sociais em todos os prazos. 

Um dos mecanismos foi sintetizado por Rúben Martins, em resultado da conversa: “na prática, a cada concurso público, a equipa que vem tratar da manutenção dos equipamentos pode ser completamente nova, sem haver passagem de conhecimento, como era habitual quando a manutenção era internalizada”. 

Realmente, podem ser muitos os mecanismos liberais que matam.

quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Haja multiplicador da igualdade


Os liberais até dizer chega do mais liberdade para explorar, menos liberdade para florescer, como Fernando Alexandre, querem transformar o ensino superior público, o ensino que garante a melhor qualidade na formação, num privilégio, operando uma regressão social. Fazem-no com o mesmo argumento falso de sempre. 

Os serviços públicos universais, sem barreiras pecuniárias à entrada, na melhor lógica de direito social, são mais eficientemente igualitários. De facto, serviços genuinamente partilhados, em igualdade de circunstâncias, geram maior confiança social, o tal “estamos todos no mesmo barco”, aumentam a moralidade fiscal, reduzem os custos administrativos e de controlo burocrático, geram pressão para aumento da qualidade, diminuem o estigma social dos serviços para pobres, que tendem a ser pobres serviços, etc. 

Para lá dos serviços públicos universais (e das prestações sociais tendencialmente universais, claro), e de forma complementar, há três outros grandes mecanismos igualizadores, formando o chamado “multiplicador da igualdade”. 

Em primeiro lugar, a existência de um sistema fiscal fortemente progressivo. Infelizmente, temos cada vez mais um Estado fiscal de classe, dado o peso avassalador dos regressivos impostos indiretos, a panóplia de benefícios fiscais ou o tratamento de favor dado aos rendimentos de capital, entre outras desigualdades fiscais que este governo, não por acaso, quer aprofundar.

Em segundo lugar, mais direitos laborais e menos direitos patronais garantem uma menor desigualdade na distribuição funcional de rendimento, entre trabalho e capital, e menor desigualdade dentro dos rendimentos do trabalho, ainda antes de impostos, de prestações sociais e de serviços públicos. Quanto mais centralizada e mais abrangente for a negociação coletiva, melhor; quanto maiores forem as liberdades sindicais e a taxa de sindicalização, melhor. Obviamente, para este governo, só há direitos patronais e correlativos deveres laborais.

Em terceiro lugar, o Estado que institui os direitos e os deveres associadas às relações de propriedade pode e deve controlar setores estratégicos, da energia à banca. Também assim se garante a “eutanásia dos rentistas”, enviando duas mensagens poderosas aos capitalistas: portai-vos bem; ide trabalhar para os setores mais concorrenciais, para os mercados interno e externo, malandros. Este governo de vende-pátrias só pensa em privatizar, claro.

Tudo ligado pela mesma política que há que derrotar: é um governo dos ricos, pelos ricos e para os ricos.

terça-feira, 2 de setembro de 2025

Miss Universo - Ser português


Confesso que desconhecia por completo, não tendo sequer alguma vez ouvido falar da banda. Até ao concerto num jardim de Albufeira, em noite de ventos fortes, no final do querido mês de agosto. Soube apenas, a caminho do local, que um dos músicos, Afonso Branco, era neto de um gigante (que isso não afete, num sentido ou noutro, pensei).

A primeira reação foi de surpresa, pelo inesperado da viagem - assim me pareceu - a sonoridades dos anos 80, trazendo à memória uma magnífica e saudosa banda que, como outras, as periferias votam ao desconhecimento. Noutros temas, um certo exercício de rock sinfónico, sofisticado e de execução apurada. Talvez o vento, e a qualidade acústica bem conseguida para um jardim ao ar livre, também me tenham levado a recordar isto.

Não se pense, contudo, que se trata de um projeto revivalista. Longe disso. O que resulta é a soma de influências e escolhas, que criam identidade própria e um registo novo, cruzando espaços e ambientes, numa combinação e alternância, por exemplo, entre ritmos e sons de música africana e matizes mais urbanos e sombrios. E também, claro, com a influência assumida, mais percetível em alguns temas e letras, do avô gigante.

Recensão, apresentação e festa


Feliz de quem tem leitores tão generosos: Jorge C. recenseou A economia política do antifascismo e outros textos no AbrilAbril

A apresentação do livro será feita por Vasco Cardoso na festa do livro da Festa do Avante. Até sábado, dia 6 de setembro, às 18h30m. 

Livros, música, exposições, debates, comida, desporto, teatro, cinema, amigos e camaradas: não há mesmo festa como esta.

segunda-feira, 1 de setembro de 2025

Milhares de milhões


Miguel Milhão acha que não sabemos nada, porque saíram do país 8 mil milhões em dividendos, mas entraram 13 mil milhões de Investimento Direto Estrangeiro (IDE), em 2024, considerando, aparentemente, que a saída é a contrapartida automática da entrada. Este fulano sabe captar apoios públicos aos milhões, enquanto regurgita harmonias económicas. 

Enfim, o Investimento Direto Estrangeiro é bom ou é mau? Depende, como muitas coisas na economia. 

Note-se previamente que o IDE não abarca todos os fluxos de capitais estrangeiros, mas geralmente o investimento que implica o controlo de mais de 10% de uma empresa já existente ou a criação de uma nova empresa, geralmente filial da estrangeira, no território nacional. 

Não abarca fluxos mais impacientes, ditos de carteira, geralmente de mais curto prazo, que tantas crises financeiras têm gerado desde a liberalização financeira, iniciada nos anos 1980, felizmente longe de ser universal por esse mundo afora. 

Os países que se desenvolveram, como a China, sempre dissuadiram os fluxos de curto prazo, mantendo controlos de capitais, e atraíram IDE, mas geralmente fixando condições de reinvestimento dos lucros, de transferência tecnológica, de parcerias com empresas nacionais ou de compras no mercado interno. 

Entretanto, se for para a economia do tijolo e do rentismo fundiário (e 3,5 mil milhões, dos tais 13 mil milhões, foram para o imobiliário, em 2024, no nosso país), do turismo e de outros setores estruturalmente pouco produtivos, então o IDE não é grande coisa. Neste caso, pode bem fazer parte de um círculo vicioso por quebrar.

Se for para controlar antigas empresas públicas, da banca à energia, passando por infraestruturas públicas, geradoras de poder e logo de superlucros (há quem fale de rendas), então o IDE é péssimo. Muito do IDE tem ido para aí. Demasiados dividendos enviados para o exterior têm aí origem. Esta é uma das críticas às privatizações, mas sobre isto os liberais naturalmente não falam. Para os vende-pátrias, tanto dá. É como se fosse tudo igual.

Se o IDE servir para criar capacidade produtiva adicional, com alguma transferência tecnológica, pode ser positivo, desde que se encaixe numa estratégia de desenvolvimento que não gere dependência excessiva. Haja planeamento, até porque não é tudo igual. 

Na economia mista que se defende nas presentes circunstâncias históricas, a resposta é mesmo muitas vezes: depende. Os que que captam milhões de recursos públicos sabem disso, mas a sua economia é como a sua política, ou não fossem inseparáveis: predadora.