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Nesta altura do ano, as praias são um dos destinos mais procurados por quem faz férias em Portugal. Com o turismo a bater novos recordes de receita em 2025, têm surgido notícias sobre a proliferação de praias de luxo no Algarve ou no litoral do Alentejo, onde se anunciam serviços exclusivos e ofertas especiais para quem não quer andar carregado com o guarda-sol e a geleira.
Em Vilamoura, o Beachfront Experience apresenta-se como “um oásis criado para os nómadas que respiram o verdadeiro lifestyle de verão”, prometendo “uma experiência totalmente exclusiva, imersiva e inovadora”. O diretor criativo do projeto acrescenta que “estamos a oferecer aos turistas uma experiência imersiva que combina perfeitamente moda, estilo de vida e viagens de luxo”. Reservar uma cama balinesa com direito a toalhas, comida e uma garrafa de champanhe custa €130. Um quarto no hotel associado a este clube, com acesso às espreguiçadeiras na praia, começa nos €495 por noite.
A pergunta que se coloca é: num país em que mais de metade das pessoas recebe menos de €1000 por mês, a quem se destina esta economia? Quando olhamos para os dados do Eurostat, o que vemos é que Portugal continua a ser um dos países onde maior percentagem das pessoas é incapaz de comportar uma semana de férias por ano. Mais de um terço das pessoas (35,2%) tem rendimentos que não lhes permitem pagar uma semana de férias, bem acima da média europeia (27%) e apenas superado pela Grécia e pelos países mais pobres do Leste europeu.
Os preços do alojamento e de serviços como a restauração excluem boa parte das pessoas que vivem e trabalham em Portugal. O presidente da Associação de Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve reconhece que “o mercado interno reage muito ao preço, é notório que as dificuldades económicas têm afastado os clientes nacionais”, explicando que “quanto mais hotéis de cinco estrelas são construídos, mais qualidade adquire o resto da oferta, o que leva à gradual subida dos valores praticados” e que “somos acessíveis para mercados com outra disponibilidade” financeira.
No Alentejo, o caso de Tróia é emblemático: nos últimos 20 anos, os preços dos barcos entre Setúbal e Tróia quadruplicaram, com o preço do bilhete a subir de €1,15 para €5,50 por passageiro e de €5,70 para €21 por carro, o que fez com que o número de passageiros tenha caído para metade. Estas praias deixaram de ser acessíveis para muitas pessoas e tornaram-se um luxo reservado a quem pode pagar.
A situação que se verifica no Algarve ou no litoral alentejano reflete o modelo de crescimento do país na última década, crescentemente dependente do setor do turismo. O peso do turismo na economia atingiu máximos históricos e os serviços associados ao turismo - hotelaria, alojamento local, restauração, entre outros - têm sido responsáveis por boa parte da criação de emprego no país.
No entanto, é preciso ter em conta o tipo de emprego de que estamos a falar. O setor do alojamento e restauração tem o 2º salário médio mais baixo do país, de acordo com os dados do INE. Mais de 40% dos trabalhadores do setor recebem o salário mínimo. Apesar das receitas recorde, o turismo e os serviços associados criam emprego precário e mal pago, o que ajuda a explicar porque é que Portugal é o país da UE em que o salário mínimo se encontra mais próximo do salário mediano.
Além da qualidade do emprego, há outras tendências para as quais este modelo de crescimento tem contribuído, como a escalada dos preços da habitação. Entre 2014 e 2024, o preço das casas em Portugal subiu mais de 135%, enquanto o salário médio cresceu apenas 36%. A discrepância explica-se pelo aumento dos fluxos de investimento estrangeiro no imobiliário e pela recomposição da oferta de casas para satisfazer a procura turística, através da expansão do alojamento local e dos hotéis. A subida dos preços da habitação tem um impacto significativo no poder de compra de quem vive no país.
O Algarve é a região em que as consequências deste modelo económico se tornaram mais visíveis. Embora seja a segunda região com maior PIB per capita do país, o que poderia ser visto como um sinal de prosperidade dos seus residentes, o Algarve tem índices de pobreza acima da média nacional. O estudo elaborado pela Comunidade Intermunicipal do Algarve indica que faltam pelo menos 10 mil fogos para alojar residentes em condições de pobreza e combater a precariedade habitacional, mas há 200 mil casas vazias para turistas na região.
O sucesso de um modelo de crescimento não se mede apenas pela riqueza criada, mas também pela forma como esta é distribuída. Embora a economia portuguesa esteja a crescer a taxas mais elevadas do que no período anterior à pandemia, a dependência crescente do turismo tem efeitos perversos e contribui para o aumento do custo de vida no país. Há motivos para crer que este não é um modelo sustentável.
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Não consta que os franceses, muito em particular a malta dos gillets jaunes, andem por Saint Tropez no Verão. Talvez a servir. Aí sim...
ResponderEliminarO turismo e o excesso de turismo. Aceito. Mas num país em que as grandes empresas são supermercados ou bancos, qual seria a alternativa? Há uma, antiga, secular, e com provas dadas, a economia de rendas. E quem não gosta ou não aguenta dá à sola. Espere pelos imigrantes: logo que tiverem o papelinho na mão vão voar para pastagens europeias mais verdejantes. Um buraco é um buraco e há que fugir dele. Sobra a visita ao consulado para renovar a papelada.