A história de Marta Temido é mais uma história da "queda de um anjo". De alguém que propôs uma Lei de Bases da Saúde à esquerda contra setores poderosos do seu partido, mas que logo revelaria incapacidade de formular uma estratégia para o SNS, comunicá-la e exigir recursos para a concretizar.
Pelo contrário, deixou-se enredar no jogo de propaganda erigido pelo PS para capitalizar a sua popularidade pública pós-pandemia com fins eleitorais (quem não sem lembra daquele triste número de receção do cartão do partido no congresso do PS?), sem fingir o seu próprio deslumbramento.
Para se ser uma boa ministra da saúde, não basta apenas a oposição, em tese, aos interesses instalados no setor. É preciso estar disposta a comprar as lutas políticas internas necessárias para ter o investimento que o SNS precisa para cumprir a sua missão.
É também preciso saber para onde se vai. Depois da aprovação da Lei de Bases da Saúde, foi sempre incapaz de promover um discurso analítico, estruturado das premissas para as conclusões. Essa indefinição estratégica paga-se cara.
Deve valorizar-se quem se opõe aos interesses obscuros do setor, mas isso de nada vale sem um ministra capaz de delinear um horizonte e capaz de entender que as bravatas orçamentais não se compaginam com um SNS que dignifique a sua missão.
Dificilmente o futuro trará boas notícias. Há muito que setores da esquerda (próximos dos quais me movo) lhe prestavam um apoio tácito, convencidos do que a sua gestão seria menos má do a de qualquer outro potencial ministeriável do PS. E teriam razão, muito provavelmente.
Mas há limites ao "menos mau". A estratégia do mal menor, se dilatada no tempo, sem respostas efetivas, apenas traz o lodo e o pântano, canalizando a justa indignação que se gerava para os verdadeiros inimigos do SNS. Por isso, a minha posição é pouco auspiciosa.
Convencido de que a manutenção da inoperância da ministra era cada vez mais tóxica aos defensores do SNS, acolho a demissão como positiva.
Também convencido de que na órbita do PS dificilmente existirá alguém que alie valores firmes no domínio da saúde e capacidade de concretização, não antecipo nada de bom. Malhas que a maioria absoluta tece, sem surpresa. Para gaúdio de uma direita em excitação crescente.
Não é essa toda a história da esquerda, desenhar perfeições para um futuro que o presente não viabiliza?
ResponderEliminarO Partido que não é Socialista faz mal à saúde dos portugueses? Quem diria...
ResponderEliminarNa órbita e no interior do PS são cada vez mais os que simpatizam com a ideia de um SNS em que o investimento privado vá ocupando os nichos rentáveis e criando um mercado da saúde.
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ResponderEliminarO SNS tem sido injetado com recursos humanos e recursos financeiros como nunca se viu.
Tem profissionais reconhecidamente competentes e alguns na vanguarda da medicina.
Contudo, não dá uma resposta cabal à população portuguesa.
O dogma ideológico também não ajuda na sua melhoria. O hospital de Braga é bom exemplo disso que de hospital de topo no Minho passou a aparecer nas notícias por constantes fechos das urgências obstétricas.
As pressões corporativas também não facilitaram o trabalho aos governantes.
As brutais discrepâncias salariais semearam a discórdia e o desânimo. Não pode um tarefeiro ganhar num fim de semana tanto como um colega do quadro durante um mês.
Marta Temido foi esmagada pelo sistema. Talvez uma das pessoas mais preparada para a missão e, inicialmente, sem o cunho partidário que coloca nos lugares certos as pessoas que o "jogo" mais lhe convém.