quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Querido diário - o monstro bom

Há dez anos, o jornal Público editava dois artigos que ainda hoje fazem sentido.

 

O primeiro - deste autor - assinala a divulgação de uma nota do INE sobre a evolução da carga fiscal. 

Os técnicos do INE chegaram à conclusão que existe uma correlação positiva entre a subida da carga fiscal e o crescimento económico, pelo menos tal como se verificara até então. De 1995 a 2002, registou-se "um forte crescimento nominal do PIB, com uma taxa de crescimento médio anual de 6,9% e um ainda mais forte crescimento das receitas fiscais, com uma taxa média de crescimento anual de 8,4%". E de 2003 a 2010, verificou-se "uma redução do crescimento médio do PIB nominal (2,7%) e uma redução da taxa média de crescimento da carga fiscal que quase convergiu com o valor registado do PIB (2,9%)". 

O INE sublinhava ainda a ligação da evolução da carga fiscal aos ciclos políticos (leia-se a última parte do artigo)

Politicamente, o primeiro período (de 1995 a 2002) correspondeu a governos do PS - António Guterres; o segundo da direita unida - Durão Barroso e Santana Lopes (de 2002 a 2004) e do PS - José Sócrates (de 2005 a 2010). Curiosamente, todos estes governos - independentemente da sua cor - seguiram os ditames traçados para uma rápida convergência monetária-cambial que acarretou todo um conjunto de mudanças politico-institucionais, visando um maior entrosamento com a economia europeia, precisamente num contexto que pouco o aconselhava, quando a economia mundial entrou numa aceleração da globalização - vulgo desmantelamento de barreiras alfandegárias e de tarifas de produtos de países terceiros - e com a entrada da China nas trocas comerciais mundiais. 

Na verdade, corresponde ao período da estagnação económica que, há 20 anos, se vive em Portugal.

Mas esta correlação revela também o erro da ideia defendida à direita de que existe uma relação de causa/efeito entre baixar a carga fiscal - libertando recursos do Estado para o sector privado e não os mobilizando para um esforço colectivo - e o crescimento da economia quepoderia, desse modo, afastar Portugal da força centrípeta da estagnação. Na realidade, a evolução da carga fiscal parece ser mais uma consequência da evolução da economia do que propriamente um instrumento de promoção do crescimento. Para crescer, deverá usar-se outros instrumentos - nomeadamente o poder multiplicador do investimento público - que, por sua vez, terão efeitos positivos na carga fiscal. 

Claro que esse esforço colectivo terá de ser financiado. E, para isso, os impostos também são necessários. Mas essa é toda uma nova questão a libertar igualmente do condicionamento ideológico de direita. Os impostos - nomeadamente sobre o rendimento - são necessário como instrumento de repartição e distribuição do rendimento e promotor da igualdade de oportunidades. Mas o financiamento do Estado deveria passar igualmente pela sua capacidade de criação monetária, actualmente fortemente condicionada pela entrega desse poder e gestão a instituições comunitárias. 

Vivemos, pois, tolhidos por ideias que nos mantêm estagnados. 

O segundo artigo entronca-se, precisamente, neste tema.

O ex-membro de governos de Cavaco Silva e Durão Barroso, ex-presidente do PSD (2005/2007) e actual comentador na televisão do militante nº1 do PSD, Francisco Pinto Balsemão, defendia há dez anos que o Governo Passos Coelho/Paulo Portas deveria ir mais fundo no seu esforço de cortar despesas do Estado. 

Papagueando o velho mote de Cavaco Silva - do "monstro" do Estado  - Luís Marques Mendes afirmava no seu comentário, então na TVI , que adiar esseas decisões estruturais para lá de 2011 poderia constituir "uma oportunidade perdida". Para ele, rescindir contratos e despedir funcionários públicos, à semelhança do que teria feito a Irlanda, significaria um ganho"estrutural". As medidas de austeridade - dizia então - eram "inevitáveis" e que, sem elas, seria o "pandemónio total". 

Na realidade, o "pandemónio total" surgiu da sua aplicação e, por isso, tiveram de ser atenuadas e revertidas pela própria troika. Mas apesar deste claro e errado enviesamento ideológico, Marques Mendes continua a ser convidado para estas palestras que cumprem o seu papel político de intoxicação.

3 comentários:

  1. La Palisse, o grande economista, sempre dizia que atirando dinheiro à rua a economia cresce.

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  2. Caro José,
    Se for atirado à rua, sim.
    Se for direccionado para os donos das empresas ou para os mais altos rendimentos tributads em IRS (que são quem beneficiaria da descida dos impostos), não necessariamente.

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  3. Caro João,
    Não há dinheiro direccionado a donos de empresas, mas sim a empresas, subordinadas a regras, fiscalizadas e com contas obrigatórias que - por qualquer razão, que parece não incomodar ninguém - deixaram de ter depósito público.
    O volume de impostos define a fronteira entre responsabilidades individuais ou colectivas sobre o destino da riqueza gerada. Aí se levantam pelo menos três questões:
    - a igualdade, essa perversão de tudo o que é real, salvo se perante a lei.
    - o mais que suspeito sempre 'melhor destino' que cumpre o Estado
    - a liberdade individual que sempre varia na razão inversa do poder do Estado

    Aos 'altos rendimentos' sempre corresponde mais imposto. Tudo que os faz menos iguais perante a lei, pela progressividade, define uma perversão, que como toda a perversão, tem limites de tolerância, no caso definidos entre a solidariedade e o saque.

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