terça-feira, 28 de julho de 2020

Em memória de John Weeks (1941-2020)


Faleceu John Weeks, economista e professor na School of Oirental and Asian Studies (SOAS) da Universidade de Londres. Foi autor de importantes contribuições para a teoria económica, com uma obra que se estende por inúmeros artigos e livros em temas tão centrais como o desenvolvimento das economias capitalistas, a financeirização e a história económica. O seu pensamento e domínios de investigação inscrevem-se no espaço marxista e keynesiano, explorando os seus domínios de intersecção e diálogo. Um espaço teórico de fronteira em que – não será surpresa – se situa muita da atenção do autor deste post e da maioria dos autores deste blogue.

Sendo impossível abarcar num pequeno texto a relevância da sua obra, há duas referências que não poderia deixar de fazer.

Não deixem de ler o livro The irreconciable inconsistencies of Neoclassical Macroeconomics. De forma clara e eloquente, o autor expõe as diferenças entre o quadro analítico keynesiano e a sua reinterpretação neoclássica. Embora o livro se debruce particularmente na primeira síntese neoclássica, erguida sobre os contributos de Samuelson, Modigliani e Patinkin, isso não torna o livro datado nem desajustado a uma leitura presente. Pelo contrário, trata-se por esse motivo de um livro recomendado aos alunos de Economia nos primeiros anos de licenciatura, cujas cadeiras de macroeconomia assentam nos modelos desse paradigma, embora nunca os apresentem de um ponto de vista comparado ou em contexto na evolução do pensamento económico. Enquanto estudante, encontrar este livro numa estante do ISEG foi um importante marco de arejo intelectual e de munição crítica para o que me encontrava a estudar.

John Weeks tem uma das mais certeiras definições de Economia. Definir o uma disciplina que observou tantas mutações ao longo do tempo é um enorme desafio e nenhuma definição será nunca suficientemente ajustada. Mas nas aulas de introdução à Economia o reconhecimento desta dificuldade é um acontecimento raro. De um modo geral, todos os manuais apresentam como a “verdadeira” definição de Economia aquela apresentada por Lionel Robbins: “a ciência que estuda a o comportamento humano como uma relação entre fins e meios escassos com usos alternativos”. Esta definição, aparentemente inócua, constitui um enorme afunilamento das questões económicas e é totalmente desajustada às grandes questões da macroeconomia. Os grandes problemas macroeconómicos das economias desenvolvidas não são problemas de escassez de recursos, mas a incapacidade de levarem os recursos abundantes de capital e trabalho, bem como o potencial tecnológico, para a esfera da produção. O desemprego e a baixa utilização do capital não são problemas de escassez, mas de incapacidade de gestão de abundância num emaranhado estrutural em que se cruzam diversos constrangimentos, onde se contam os de poder, os institucionais e os de conjuntura externa, que impedem que essa abundância seja colocada com equidade ao serviço do bem-estar das populações. Este problema macroeconómico é brilhantemente sumarizado na definição de Economia de John Weeks: “A economia é o estudo do processo pelo qual a sociedade traz os seus recursos disponíveis à produção e a distribuição dessa produção pelos seus membros”. Usei-a várias vezes, em aulas de introdução à Economia e, embora pressentisse que a necessidade de crítica à definição de Robbins era plenamente compreendida no imediato, continuo a considerar que contribuía para uma aula mais interessante. Certamente, muito mais do que se me limitasse à gasta e falaciosa alegoria da economia como um Robinson Crusoe na sua ilha, decidindo aplicar os seus recursos escassos de tempo entre pescar ou apanhar cocos.

Todos os economistas críticos devem estar gratos a John Weeks, que nos deixou no domingo, aos 79 anos.

11 comentários:

Anónimo disse...

Obrigado!

Jaime Santos disse...

Costumava acompanhar as colunas de Weeks na Social Europe, de agradável leitura. Mas contesto o mito de que a Economia não é a Ciência da Escassez. Não é a Ciência da Escassez se pensarmos nas disponibilidades de trabalho e de capital.

Deve ser a Ciência da Escassez se pensarmos que o desenvolvimento humano ameaça o clima em particular e a nossa Casa Comum em geral, sendo que os recursos naturais disponíveis são finitos. Infelizmente, nem a Esquerda nem a Direita clássicas aceitam tal conclusão e defendem que a solução para os problemas do crescimento é mais crescimento.

Como dizia Manuel Maria Carrilho, José Sócrates sofria da fascinação parola que alguns políticos têm pela tecnologia, acreditando que o desenvolvimento tecnológico não os obriga a tomar decisões entre interesses em conflito e que podem ser todos legítimos, aliás. Isso é falso, só que dizê-lo alto e bom som não dá votos a ninguém...

Entre nós, a Esquerda procura convencer-se e a nós que as suas escolhas não implicam sacrifícios. Nada mais falso e não espanta aliás que Mário Centeno tenha sido um Ministro popular, justamente porque defende que a escassez de recursos (financeiros e outros) é uma realidade...

Jose disse...

Falar em escassez de recursos face aos progressos da tecnologia da produção e impressão de papel, ofende os melhores espíritos!

Paulo Marques disse...

Parece que o bem mais escasso é a inteligência, e não há economista que a resolva. Já a escassez financeira, desaparece sempre quando é para arranjar uns brinquedos como o F-35.
Mas é sempre giro ver um neoliberal preocupado com o ambiente como desculpa para a pobreza, a desculpa da próxima década para que nada mude.

Anónimo disse...

irreconcilable* ?

Anónimo disse...

Depois do fim do padrão ouro, em 1971, a moeda não tem qualquer valor, para além daquele que lhe é conferido pela força da economia do país que a emite.
Chama-se moeda fiduciária, ou "fiat currency" em inglês.
O sistema fiduciário tem dois bicos: se por um lado, a economia não tem, de facto, qualquer restrição orçamental, por outro lado, a emissão de moeda para gastar em despesas inúteis e obras de fachada terá, como resultado, a erosão do único valor da moeda: a credibilidade.
Há 20 anos atrás, Portugal adotou uma moeda estrangeira, o que significa que TEM RESTRIÇÕES ORÇAMENTAIS o que, por sua vez, significa que tem, de facto, escassez de recursos!

JE disse...

Jaime Santos andou a perorar sobre a inevitabilidade de todos nós empobrecer-mos. A começar pelos mais ricos

A realidade desfez-lhe as ilusões.

Volta-se agora para a demagogia barata.Tão barata que nos impinge Carrilho a dar lições a Sócrates. Dá vontade de o classificar como aquilo que de forma néscia o sr prof chamou a Sócrates e que JS repetiu desta forma larvar

Mas francamente devemos respeitar o bom gosto e subir o nível da conversa

JE disse...


Quanto à popularidade de Mário Centeno...

JS parece que tem a memória tão curta que vai depenicando aqui e ali como se não fosse nada com ele

A ele,JS, devemos esta autêntica pérola de qualificar MC como o ministro mais revolucionário de todos.

O tempo transformou num líquido viscoso esta afirmação penosa de tão idiota. A propaganda néscia tem destas coisas.Deixa de ser credível

Claro que JS apenas acrescentou mais um ramalhete ( e que ramalhete ) ao coro de ramalhetes erigidos em torno de MC.

Desde Bolsonaro ficámos com uma panorâmica mais real( para quem a necessitasse) do que se passa nos media e nas redes sociais. Centeno foi levado aos ombros. Construíram-lhe uma imagem que esmagou o próprio Centeno. Antes já coisas parecidas tinham sido ditas sobre aquela espécie de capo menor de Coelho, o vitor gaspar. JS está esquecido da "popularidade" que lhe atribuíram depois daquela Conversa em Família. Sobre o mesmo paleio enjoativo de quem tenta arranjar pretextos para que os seus continuem a governar(-se)

Os resultados estão à vista. Façam um inquérito agora sobre a popularidade. De MC e de VG. Também podem fazer outro sobre o DDT

JE disse...

Era bom joão pimentel ferreira poupar-nos às suas aulas sobre a "moeda sem qualquer valor", mais as traduções fiduciárias, mais os dois bicos, mais as obras de fachada ( não vale rir) mais a credibilidade.

Tudo para concluir da escassez de recursos...

Como a credibilidade de joão pimentel ferreira é aquela que é e está esgotada pelas restrições que se sabem, nem vale sequer a pena abordar este chorrilho de coisas à pimentel ferreira

JE disse...

“A economia é o estudo do processo pelo qual a sociedade traz os seus recursos disponíveis à produção e a distribuição dessa produção pelos seus membros”.

Isto faz tremer os melhores espíritos.

Distribuição pelos seus membros? Então e a herança e os mais iguais que os outros e o processo do saque e os cagagéssimos que os porno ricos dispensam aos demais,enquanto se lambuzam como porno-ricos?

irreconcilable,soprará alguém lá para os lados de.

Isso mesmo

Paulo Marques disse...

A moeda não tem valor? Ó diabo, posso pagar zero de impostos então? Dava um jeitaço.
Com tanta escassez de recursos, o melhor que podemos fazer com eles é pô-los a servir cafés e servir à mesa? Isso é que eficiência.