quinta-feira, 26 de março de 2020

Lay-off automático e... universal

Ainda se terá de esperar pelo novo diploma.

Mas ao final do Conselho de Ministros de hoje, o ministro da Economia Pedro Siza Vieira  - mais uma vez ultrapassando a ministra titular da Segurança Social  - sintetizou as alterações ao regime do lay-off que o tornam não só automático como quase universal. E tudo à custa dos dinheiros da Segurança Social

Disse o ministro: 

"Passam a ter acesso a este regime, todos os estabelecimentos ou todas as actividades que se tenham visto encerradas em função das medidas adoptadas seja por decisões das autoridades de saúde seja por força do decreto do governo que executa o Estado de Emergência decretado pelo Presidente da República."

Interpretação: Ora, o universo empresarial visado com o decreto do Estado de Emergência é claramente responsabilidade do Estado e, como tal, deve ser assumida pelo Estado e não pelo regime de lay-off, pago pelo Orçamento da Segurança Social. Espera-se que o Governo não se esqueça disso.    
"É também clarificado que, no caso de empresas que possam ter paralisado total ou parcialmente, seja em razão de uma quebra de fornecimentos, seja em razão de uma quebra de encomendas ou de reservas, possam ter direito de beneficiar imediatamente desta medida."

Interpretação: Ao que parece, deixa de ser exigido que se estabeleça qualquer relação causal entre a situação gerada pelo Covid19 e a situação das empresas. Basta que se registe uma quebra de fornecimentos, de encomendas ou de reservas (note-se a preocupação especial com o turismo) e lá vai a Segurança Social acudir. Ora, uma quebra é uma redução - pode ser uma diinuição menor - que não obriga à suspensão dos contratos de trabalho. A auto-estrada está, ao que parece, aberta para  Segurança Social financiar indirectamente as empresas. Trata-se nitidamente de um  subsídio. Este tipo de encargo deveria ser, mais uma vez, da responsabilidade do Estado.    

"Neste último caso, aquilo que se esclarece é que uma empresa que projecte que nos próximos tempos ter uma redução de mais de 40% da sua capacidade produtiva ou da sua capacidade de ocupação em função do cancelamento de encomendas ou de reservas pode imediatamente e sem outras formalidades, aceder a este benefício"

Interpretação: Mais uma razão! Ao que tudo indica, não basta que a empresa tenha sofrido realmente uma quebra de encomendas ou reservas. Baste que projecte ter uma quebra superior a 40%. E se a projecção falhar? Devolve os apoios? E quem vai conferir esse eventual erro de previsão? E qual será a empresa que não vai prever uma quebra superior a 40%? Era mais claro dizer que o Estado apoiasse todas as empresas, porque é isso que vai acontecer. Pior: vai apoiar aquelas empresas que estão melhor apetrechadas para pedir estes apoios. Ou seja, muito possivelmente aquelas que não precisam. E os apoios serão concedidos "imediatamente e sem outras formalidades" através dos dinheiros da Segurança Social. 

"Finalmente, para as empresas cujo encerramento não foi determinado administrativamente ou que não tenham ainda uma quebra das encomendas futuras, poderão também aceder a este mecanismo extraordinário se tiverem num determinado período de 30 dias uma quebra de facturação relativamente à média dos 2 meses anteriores a esse período ou do período homólogo do ano trasacto."

Interpretação: Se ainda faltassem empresas não abrangidas pelas anteriores disposições, eis que se prevê o alargamento a empresas que ainda nem sofram de quebra de encomendas ou reservas. Basta que a tenham tido "num determinado período de 30 dias" face à média dos 2 meses anteriores. Mas a que se refere esse período? Esperemos que o diploma esclareça. Mas duvida-se muito que o venha a fazer, porque as críticas à portaria em vigor surgiram por causa desse tipo de definições temporais. E o Governo quer agora escancarar os acessos sem quaisquer controlos.

Recorde-se que no periodo cavaquista, o Governo usou a Segurança Social para financiar a actividade do Estado - fosse através de apoios, de não financiamento dos encargos sociais, fosse até perdoando dívidas às empresas. No total, foram mil milhões de contos a valores de 1989. Hoje valeriam cerca de 13,5 mil milhões de euros. Algo que teria dado muito jeito para não afectar a sustentabilidade da Segurança Social.

Que um governo socialista tenha a coragem de ser diferente dos neoliberais. Que assuma os encargos extraordinários de uma época extraordinária e não patrocine um saque aos fundos da Segurança Social que supostamente devem servir para outros fins.
 

1 comentário:

Anónimo disse...

Tata-se de um mergulho no desconhecido que tanto pode dar uma recessão como uma estagnoflação ( crescimento zero ou negativo+hiperinflação ).
Por outro lado verificamos que reina a desorienntação na eurocracia de Bruxelas e no BCE que não estavam minimamente preparados para esta situação.