sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Alemanha - problemas no motor europeu?


Os dados sobre a produção industrial na Alemanha fizeram soar os alarmes entre os jornais de referência – a quebra anual da produção alemã foi a maior dos últimos 9 anos, registando-se uma surpreendente redução de 1,5% em Junho face ao mês anterior. A queda prevista inicialmente pelos analistas era de apenas 0,4%.

A explicação avançada pelo economista Alexander Krüger prende-se com a guerra comercial entre os EUA e a China, que parece estar a prejudicar o comércio internacional e a ter efeitos negativos para economias exportadoras como a alemã. Reconhecendo que “a quebra prolongada é assustadora”, Krüger alertou para o facto de que “as previsões de crescimento para a Alemanha poderão ter de ser novamente revistas em baixa.”

O cenário alemão é desolador – os índices de produção sofreram uma quebra em vários setores, da construção à energia e à indústria automóvel (esta última particularmente afetada pela transição de carros a diesel para veículos elétricos). “Presumimos que este é o prelúdio de uma recessão técnica”, explica Andreas Scheuerle, do DekaBank. Nos mercados financeiros, povoados de investidores de gatilho fácil, a instabilidade mantém-se.

Esta “quebra assustadora” tem motivado o interesse em soluções menos ortodoxas para o problema. No final do ano passado, o ministro da economia, Peter Altmeier, anunciou a “Estratégia Industrial Nacional 2030”, um projeto onde se delineavam algumas orientações de política industrial a serem prosseguidas pelo Estado alemão de forma a relançar a produção. Altmeier notou que “não existe um único país bem-sucedido que se baseie exclusivamente em forças de mercado para atingir os seus objetivos”, sugerindo um conjunto de medidas públicas de promoção da indústria alemã.

No entanto, esta orientação é diametralmente oposta à que a própria Alemanha assume como boa prática económica, defendendo uma política industrial assente na definição de regras de concorrência ordoliberais e na atuação contida dos poderes públicos, tanto a nível nacional como europeu. Não é, por isso, de estranhar que os economistas e empresários alemães tenham reagido de forma hostil ao plano do ministro, como notou Peter Bofinger.

Embora a estratégia tenha sido pouco discutida, Bofinger defende a importância de um debate sério sobre as questões da política industrial, apontando alguns problemas ao plano de Altmeier (como a incapacidade de os países europeus atingirem as metas pretendidas com base em planos nacionais descoordenados, ou o facto de não relacionar a política industrial com a necessária transição energética das economias desenvolvidas). É uma discussão tão importante quanto necessária. Mas a crescente tensão entre os EUA e a China, aliada à inflexibilidade da política económica ortodoxa, eternamente desconfiada do Estado e das políticas públicas, parecem condenar o motor da economia europeia à estagnação.

7 comentários:

  1. A montanha irá mover-se quando precisar de se mover. Draghi também foi capaz de inovar, não foi?

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  2. Boa síntese, como de costume.

    Algumas notas complementares:

    A Alemanha está na conflência de várias linhas de tendência que de uma forma geral lhe vão ser desfavoráveis a médio prazo.

    À cabeça dos problemas da Alemanha vai estar o caso do Deutsche Bank. Tarde ou cedo o estado alemão vai ser confrontado com a necessidade de "limpar as estrebarias de Augias". E quando essa hora soar inevitávelmente isso vai custar dinheiro, muito dinheiro. Eu sei que vão tentar atirar com o problema para cima do ECB/BCE para não pagarem a factura mas talvez haja capacidade suficiente de outros países para bloquear tal manobra.

    A seguir há o problema dos encerramentos de grandes ciclos. Um deles é o ciclo dos salários baixos chineses que oferecia às indústrias alemãs oportunidades de subcontratação geradoras de lucros fáceis.

    Já em 2017 os salários nas grandes cidades chinesas eram superiores aos dos países mais pobres do leste da EU. Pode-se pensar que isso implica apenas o redireccionamento das cadeias logísticas das empresas alemães, mas os resultados em termos de comércio externo não são os mesmos. Isto porque estes países não têm capacidade para absorver as exportações alemãs da mesma forma que a China. Estes países são tão explorados pelas cadeias de aprovisionamento alemãs que não capitalizam o suficiente para criar uma classe de ávidos consumidores como os chineses.

    Outro grande ciclo que se encerra é o das transferências de tecnologia para a China, e isto por dois factores: A China já absorveu quase tudo o que havia de interessante e inovador nas empresas alemãs e o que resta está (finalmente) a ser protegido do aspirador de propriedade intelectual chinês. Como a Alemanha tem investido muito pouco em R&D há pouca inovação apetecível para a China que por seu lado tem investido brutalmente em pesquisa.

    Terceiro grande ciclo que se encerra é a apetência chinesa por uma parte muito significativa da produção industrial alemã, mormente no que toca à industria automóvel.

    A China está a fazer uma aposta ambiental e empresarial muito forte na mobilidade eléctrica, e mesmo que a engenharia alemã seja excelente, não domina as cadeias de aprovisionamento a montante, enquanto que a China criou uma posição de quase monopólio no que toca às "terras raras" que são fundamentais na fabricação de magnetos para utilização em geradores eólicos e motores eléctricos. Também no que toca ao lítio e ao níquel os industriais chineses tomaram posições de longo prazo na produção destas matérias-primas.

    Quarto ciclo que se encerra, ou pelo menos que entra em acentuado declínio é o comércio China-USA, com uma guerra comercial que se está rápidamente a transformar numa guerra de bloqueio ao desenvolvimento industrial chinês. Mesmo que a Alemanha se consiga eximir a aplicar sanções à China, devido aos seus enormes excedentes na balança comercial com os USA, vai acabar por ser ela própria também alvo de uma guerra comercial movida pelos USA. Fatal como o destino.
    No mínimo vai reduzir as disponibilidades de divisas da China que passa a não ter qualquer vantagem em alimentar um concorrente.

    Todos os factores acima expostos vão forçar inevitávelmente a mercantilista Alemanha "a sair da sua zona de conforto", espera-se que pondo fim à pesporrência e inflexibilidade das autoridades de Berlim.

    Como dizem na América: "Pass the popcorn!" :)

    Em link um artigo já de Abril de 2018 mas que já antevia grandes problemas para o sector exportador alemão relativamente à China:

    https://www.reuters.com/article/us-germany-china-insight/boiled-frog-syndrome-germanys-china-problem-idUSKBN1HM03J

    S.T.

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  3. A acumulação de capital que deu à China tantas vantagens estratégicas comparam com as crises propostas para as vítimas dos iluminados distribuidores progressistas.

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  4. Diz Jaime Santos:

    "A montanha irá mover-se quando precisar de se mover. Draghi também foi capaz de inovar, não foi?"

    Agora pensem os leitores: Qual será mais vantajoso para um país? Compreender e prevenir a crise e as dificuldades ou remediar depois de terem acontecido?

    É precisamente aí que a inferioridade intelectual da posição de Jaime Santos se torna evidente.

    Quem não tem ferramentas para compreender o mundo está condenado a fazer figuras tristes como as que Jaime Santos insiste em nos brindar.

    S.T.

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  5. Prevenção de crises é avocação nacional.
    Todo um passado de 45 anos demonstram um prevencionismo irredutível sempre que os credores o impõem.

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  6. José tenta uma manobra de taco-a-taco daquela maneira arrevezada que caracteriza o seu discurso obliquo e turvo.

    Quando eu digo que a Alemanha tem explorado miserávelmente os paises do Leste Europeu não estou a tirar nenhum coelho da cartola, estou apenas a basear-me em dados públicos e análises de reputados economistas.

    De uma forma sintética a questão é referida num artigo de Thomas Piketty no Le Monde:

    "Troisième défi : le clivage Est-Ouest. A Paris, Berlin ou Bruxelles, on ne comprend pas l’ingratitude de pays qui ont bénéficié de transferts publics massifs. Mais à Varsovie ou à Prague, on voit les choses différemment. On fait valoir que les investissements privés venus de l’Ouest ont été payés au prix fort, et que les flux de profits aujourd’hui versés aux propriétaires des entreprises dépassent de loin les transferts européens allant dans l’autre sens.

    De fait, si l’on examine les chiffres, ils n’ont pas complètement tort. Après l’effondrement du communisme, les investisseurs occidentaux (allemands en particulier) sont graduellement devenus propriétaires d’une part considérable du capital des ex-pays de l’Est : environ un quart si l’on considère l’ensemble du stock de capital (immobilier inclus), et plus de la moitié si l’on se limite à la détention des entreprises (et plus encore pour les grandes entreprises). Les travaux de Filip Novokmet ont montré que si les inégalités ont moins fortement progressé en Europe de l’Est qu’en Russie ou aux Etats-Unis, c’est simplement parce qu’une bonne partie des hauts revenus issus du capital est-européen sont versés à l’étranger (à l’image d’ailleurs de ce qui se produisait avant le communisme, avec des détenteurs du capital qui étaient déjà allemands ou français, et parfois autrichiens ou ottomans).

    Entre 2010 et 2016, les flux annuels sortants de profits et de revenus de la propriété (nets des flux entrants correspondants) ont ainsi représenté en moyenne 4,7% du produit intérieur brut en Pologne, 7,2% en Hongrie, 7,6% en République Tchèque et 4,2% en Slovaquie, réduisant d’autant le revenu national de ces pays."

    O link para o artigo é este:

    https://www.lemonde.fr/blog/piketty/2018/01/16/2018-lannee-de-leurope/

    Existe um outro artigo da autoria de Leonid Bershidsky na Bloomberg mas está atrás de uma paywall.

    De qualquer forma as lições dos países do Grupo de Visegrad podem ser relevantes para o caso português pelo menos num sentido óbvio:

    Vejo com preocupação o re-inflar da bolha especulativa imobiliária que pode conduzir à compra por fundos estrangeiros de fatias significativas do património habitacional que se podem traduzir em futuros fluxos de rendas para o exterior da mesma forma como os investimentos estrangeiros no Leste Europeu estão a drenar capital para a Alemanha.

    Por isso, atenção ao tipo de desenvolvimento que se favorece, vista a escassez de mecanismos de controle ao dispôr do governo português.

    Não nos esqueçamos que o Euro funciona como um poderoso anticoagulante que facilita o trabalho dos vampiros.

    S.T.

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  7. Um artigo fresquinho, acabadinho de sair no Zeroedge:

    https://www.zerohedge.com/news/2019-08-11/germany-stalls-and-europe-craters

    Gozem muito e gastem pouco! :)

    S.T.

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