sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Sinais de mudança?

De acordo com o mais recente relatório do ICNF, com dados até 31 de julho, o número de incêndios rurais registados em 2018 representa 64% da média do último decénio (cerca de dez mil, no mesmo período). Um ano particularmente favorável em termos meteorológicos, até ao momento, ajuda a compreender esta diferença, a que não é também certamente estranho o esforço inaudito, ao longo do último ano, nos domínios da prevenção e do combate.

Um dos dados mais interessantes deste relatório provisório diz contudo respeito à redução, muito significativa, do número de incêndios registado em julho. Com efeito, se nos meses anteriores não se observam discrepâncias assinaláveis entre os valores de 2018 e da média do decénio (2008-2017), apesar das oscilações verificadas, o número de incêndios rurais registados no mês passado representa apenas 24% da média do decénio relativa a esse mês.


A hipótese que se coloca, neste sentido, é de poder estar em curso uma mudança muito relevante ao nível dos comportamentos, com a diminuição do número de «queimadas» (a principal causa de incêndios, ao contrário do que muitas vezes se pensa) para um patamar historicamente baixo, assim que começa a «época de fogos», com a entrada do verão. De facto, se o peso relativo dos incêndios registados em junho e julho (no total dos primeiros sete meses do ano) é de 53% na média do decénio (2008-2017), esse valor reduz-se para 23% em 2018.


A confirmar-se esta hipótese, num ano metereologicamente menos severo (apesar da recente onda de calor), poderemos estar perante um dos reflexos mais relevantes que os terríveis incêndios de 2017 nos deixaram: o reforço muito claro da consciência dos riscos e da devastação que os grandes incêndios podem causar, desincentivando práticas negligentes e irresponsáveis no uso do fogo.

9 comentários:


  1. "o número de incêndios rurais registados no mês passado representa apenas 10% da média do decénio relativa a esse mês."
    - Se dividir 854 (numero de incendios em Julho de 2018) por 3620 (media do decenio relativa ao mes de Julho) obtem 24%, nao 10%;

    "De facto, se o peso relativo dos incêndios registados em junho e julho (no total dos primeiros sete meses do ano) é de 53% na média do decénio (2008-2017), esse valor reduz-se para 23% em 2018." - esta frase nao tem qualquer relacao com a frase anterior, no entanto e usada como justificacao... e mais uma vez os numeros nao batem certo:
    854/3341 = 26%
    3620/6486 = 56%

    Finalmente, o ultimo grafico contradiz os dois ultimos paragrafos, relevando numero semelhante de "queimadas, fogueiras e queima de lixo" e reducao por exemplo de incendiarismo.

    Para concluir, analisar mudanca com base em tendencias de apenas 1 ano, em fenomenos que sao por natureza muito oscilatorios e dependentes do clima, e altamente discutivel...

    ResponderEliminar
  2. Caro anónimo,
    Agradeço o seu reparo relativamente à percentagem de incêndios em julho de 2018 face ao valor médio do decénio (que é efetivamente de 24 e não de 10%), tendo já sido corrigido o valor.
    Quanto aos restantes cálculos que assinala, dizem respeito ao peso relativo dos incêndios de junho e julho de 2018 no total de incêndios ocorridos desde o início do ano (1.492/6.505=23%). Ou seja, um valor que compara com idêntico cálculo para os valores médios do decénio (5.440/10.214=53%).

    ResponderEliminar
  3. Como sou visceralmente do contra (seja lá daquilo que fôr! :), chamo a vossa atenção para um método de controle do fogo pela manipulação do coberto vegetal tal como era tradicionalmente feito pelos primeiros povos americanos.

    Note-se que este saber ancestral que agora por força das circunstâncias se pretende recuperar nos USA estava presente em maior ou menor grau em todos os povos que mantinham uma relação viva com a terra.

    Outro exemplo é o uso das queimadas pelos aborígenes australianos e, é claro, o uso das queimadas pelos pastores de antanho das nossas serranias.

    https://www.wired.com/story/wildfires-native-tribes-controlled-burns/

    Boa leitura!

    S.T.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Veja lá que já no tempo do Neanderthal se vivia na natureza... Faça portanto o favor de colocar essa lógica da batata em prática e faça o favor de ir viver para uma caverna sem internet. A restante humanidade agradece...

      Eliminar
    2. Veja lá que já no tempo do Neanderthal se vivia na natureza... Faça portanto o favor de colocar essa lógica da batata em prática e faça o favor de ir viver para uma caverna sem internet. A restante humanidade agradece...

      Eliminar
  4. Só por falta de atenção ao que se passa ao nosso redor ou então por grande ingenuidade se pode achar que as pessoas, os portugueses em particular, mudam os seus hábitos num estalar de dedos. Depois, o próprio gráfico responde em sentido contrário à pergunta-suposição levantada no título do texto. Aliás, ainda há não muito tempo, já não sei precisar o nome, mas alguém responsável dizia precisamente isso: este ano, apesar do clima extremamente favorável, os incêndios foram ainda mais que no ano passado, simplesmente não ouvimos falar deles porque não tiveram consequências de maior.

    A única coisa que mudou do ano passado para este, foi a criação de coimas para quem não limpe os seus terrenos. Há muito que a lei já existia, simplesmente, depois das tragédias do ano passado, tentou-se (e bem) obrigar as pessoas e as câmaras municipais a limpar. Se estou de acordo com a medida? Obviamente que sim. Estive até de acordo com a polémica notificação das finanças que, ainda possa ter usurpado as suas funções, teve ao menos o condão de passar a mensagem, e ninguém pode dizer que não sabia que tinha de limpar, e repito, a lei que obriga a limpar já tinha muitos anos, o que mudou foi a criação de coimas.

    E foi tudo limpo? Obviamente que não. Basta olhar como estão as estradas e terrenos particulares e zonas onde estão implantadas empresas. Depois basta observar os comportamento das pessoas. No ano passado, pela primeira vez, ouvi alguém (da proteçõ civil) avisar que ia ser proibido o lançamento de balões na noite São João, que têm como consequência o surgimento de inúmeros incêndios nos municípios vizinhos. Tomaram as pessoas consciência do perigo, e das pesadas multas que se disse que iriam ser aplicadas? Não. Os balões continuam a ser lançadas para o ar. Estamos no verão, é proibido o lançamento de foguetes nas festinhas e arraiais pelo país fora. Contudo eles continuam-se a ouvir a rebentar.

    Depois não é no ano a seguir a grandes incêndios que se pode avaliar se algo se está ou não a mudar, até porque os grandes incêndios ocorrem de cinco em cinco anos ou mais. A zona centro no ano passado ardeu toda, certamente que será preciso passar alguns anos até que, os eucaliptos e o mato cresçam de novo para novos grandes incêndios ocorram de novo.

    Se eu estou otimista quanto ao futuro? Não.

    ResponderEliminar
  5. Para reforçar a minha tese que a gestão do coberto vegetal pode beneficiar do saber ancestral mas em grande parte olvidado do uso do fogo aponto para este artigo sobre os usos dos aborígenes australianos:

    https://theconversation.com/aboriginal-fire-management-part-of-the-solution-to-destructive-bushfires-55032

    É interessante notar como também os nossos pastores d'outrora foram acusados de fogo-posto destrutivo. A minha interpretação pessoal é que houve dois factores que contribuiram para essa acusação: Primeiro as alterações climáticas e maior prevalência de períodos de seca tornaram o período seguro para o uso controlado das queimadas mais curto. E segundo, porque se perdeu a cultura pastoril que colocava os pastores em íntimo contacto com a paisagem que percorriam.

    O futuro talvez passe pelo uso de dados meteorológicos a uma escala micro-local, com janelas de oportunidade de queima controlada localmente definidas.

    Isto porque, sejamos claros, não é sustentável com os actuais níveis de rentabilidade das explorações agrícolas e silvícolas limpar todos os terrenos por meios mecânicos.

    Em minha humilde opinião, a especialização nestas queimadas controladas deveria ser cometida a elementos treinados das corporações de bombeiros por razões óbvias e até porque as épocas seguras correspondem a períodos de menor actividade.
    S.T.

    ResponderEliminar
  6. Eu vou partilhar convosco uma conversa telefónica que tive com uma senhora, que não conheço, mas que em conversa partilhou comigo alguns desabafos. A senhora terá uns 60-70 anos e é da zona de Viseu, antigo Cavaquistão, e zona dos grandes incêndios de Outubro passado.
    A senhora está a fazer acompanhamento psicológico porque, apesar de não ter ficado sem casa, passou por um grande trauma. Contou-me que apesar da obrigatoriedade de se limpar os terrenos, há pessoas lá que dizem à boca cheia que não, não vão cortar os eucaliptos até à distância que são obrigados. E depois, começou-me a relembrar como era o combate aos incêndios há umas quantas décadas (atrás). Antigamente havia muito poucos incêndios. Porquê? Porque as pessoas viviam da agricultura. Cortavam-se os matos à enxada (não havia roçadoras) e estava tudo sempre muito limpinho. Mas quando, na ocorrência de existir um incêndio "não havia bombeiros" disse a senhora. Tocava o sino da igreja a rebate, e vinham todas as pessoas da aldeia ajudar e rapidamente o fogo estava extinto só com ajuda de ramos de pinheiros e baldes de água. E como é hoje? Hoje as pessoas pegam nos carros, e vão.... ver! As pessoas vão ver! Ficam especadas a olhar para o espetáculo macabro de ver as casas arder (como foram ver a queda da ponte Hintze Ribeiro ou ver se encontravam a Maddie) Trabalham os bombeiros, e o seu papel é defender as casas mas de resto deixa-se arder tudo.
    Vivemos nesta ironia. Antigamente com enxadas estava tudo limpo. Hoje temos roçadoras, destroçadoras, tudo à disposição e ninguém limpa nada (câmaras municipais incluídas). Antigamente quase não havia bombeiros, muito menos meios aéreos e quase não havia incêndios. Hoje há hélis, aviões, drones, câmaras e montes de sensores, avisos da meteorologia, um sem número de tecnologia e não há forma de estancar este flagelo. Porque as pessoas estão todas à espera que seja um governo, um ministro, a proteção civil, os bombeiros, a fazer um trabalho que deveria ser feito por todos aqueles que têm terrenos. Mas hoje, nisto como em tudo, cada um olha para o seu quinta, para o seu umbigo, e não está minimamente preocupado com os outros.

    ResponderEliminar
  7. Bem, eu só chamaria a atenção para como é que se vivia "nos bons velhos tempos" em que todos os palmos de terra eram cultivados e os campos estavam todos limpos "à enxada".

    Que percentagem da população trabalhava na agricultura?

    Qual era a produtividade média da agricultura nessa época?

    Qual era o salário médio do trabalhador rural?

    E outras questões singelas como por exemplo:

    Lembram-se do que era fazer jornas e tornas a cavar?

    Lembram-se das casas em que se vivia por coma da loja dos animais?

    Sabem o que é uma podoa e para que serve?

    Isto para cortar veleidades de saudosismos hipócratas.

    Se queremos aproveitar o que de bom havia outrora temos que o reinventar nas condições e com os instrumentos e saberes de hoje. O passado não é directamente transponível para presente.

    Como soe dizer-se: "Para trás, mija a burra!"

    S.T.

    ResponderEliminar