quarta-feira, 23 de novembro de 2016
A pós-verdade não começou em 2016
Está muito na moda entre as elites do poder falar da preocupante entrada numa era da “pós-verdade”. Foi até considerada a palavra do ano. É preciso ter descaramento, já que, na economia política, há muito que muitas dessas mesmas elites nos vendem mentiras descaradas, da direita a uma certa esquerda. Lembram-se quando a modernização financeira era sinónimo de privatização e liberalização financeiras, à boleia da hipótese dos mercados eficientes, processo em que a UE esteve na vanguarda? Num registo que não fosse de pós-verdade, a crise financeira devia ter enterrado tais ideias.
Mas eis que elas sobrevivem a toda a evidência e por todo o lado: da Comissão Europeia e da sua defesa da privatização bancária, ecoada pelo principal blogue da direita, à chamada Europa 2020, que tem como uma das suas brilhantes ideias promover os mercados financeiros como mecanismos de resolução de problemas sociais, à boleia da ideia de “investimento social” (o segredo é colocar social à frente de tudo a ver se cola…). Pelos vistos, no governo há quem goste desta última ficção da política de direita, bem exposta por Sílvia Ferreira.
Como isto também está tudo ligado pelo mesmo desrespeito pela realidade, o que dizer da ideia segundo a qual a propriedade pública já não interessaria para nada numa época dita pós-nacional, parte da ficção segundo a qual a soberania política não teria qualquer relevância para o desenvolvimento económico? Nos jornais, que sobrevivem da publicidade paga por muitas empresas privatizadas, ou seja, controladas por estrangeiros, e que geralmente querem saber pouco da verdade, poucos são ainda os comentadores económicos que assinalam a mentira e a verdade neste campo. Nicolau Santos é uma excepção e num dos últimos Expressos Curtos escreveu:
“[U]m país que não controla os seus portos, os seus aeroportos, a sua energia (quer a produção quer a distribuição) nem o seu sistema financeiro na quase totalidade (escapa a CGD) é seguramente um país que terá no futuro cada vez mais dificuldades em definir uma estratégia nacional de desenvolvimento.”
Bem visto. Agora, posso continuar com “pós-verdades”? Mais algumas: a UE, em geral, e o Euro, em particular, são factores de convergência e de coesão, o aumento da desigualdade é o preço a pagar pela prosperidade, o comércio livre é o segredo do crescimento económico, a austeridade é expansionista. Na economia política, já há algumas décadas que entrámos na era da pós-verdade. Pode bem dizer-se que é o outro nome do neoliberalismo. Os neoliberais, conscientes e inconscientes, dos vários partidos não podem agora queixar-se das invenções populistas: a verdade parece resumir-se ao preço.
Entretanto, populismos há muitos e os diádicos conseguem colocar em cima da mesa verdades bem incómodas. Não sei se só a verdade é que é revolucionária, mas creio que tem um viés bem desfavorável ao status quo…
A ,aior das pós-verdades: na falta de produto, serve a dívida!
ResponderEliminarO termo 'pós-verdade' deve ser pelo menos tão antigo como o termo 'novilíngua' que, recorde-se, foi um termo inventado por Orwell para satirizar os totalitarismos do sec. XX, inspirados em modelos económicos que deram resultados relativamente aos quais a crise de 2008 é, por comparação, uma brincadeira de crianças. Seguindo a sua lógica, João Rodrigues, se levássemos em conta 'toda a evidência', esses modelos já deveriam ter sido mandados de uma vez por todas para o caixote do lixo da História. Mas não consta sequer que aqueles que ainda os defendem tenham reconhecido o desastre que esses modelos foram a nível económico, a nível da repressão das liberdades políticas, ou ao nível da destruição ambiental decorrente. E o que é pior, é que muitas dessas pessoas escondem-se hoje por trás de um discurso de que 'somos todos apenas keynesianos'. Trata-se, claro, de um keynesianismo que parte do pressuposto de que é possível e desejável continuar a crescer a 3% ao ano e a contrair dívida ao mesmo ritmo, e aos odiados mercados (até à próxima crise, pois). A validade de um argumento não depende de quem o defende, mas o mínimo que pode pedir-se é um pouco de humildade levando em conta o que conhecemos. Mas a amnésia seletiva é, infelizmente, uma característica geral dos homens, não apenas dos capitalistas...
ResponderEliminar“...da direita a uma certa esquerda.”
ResponderEliminarPodemos dar nomes a essa certa esquerda.
Esquerda caviar;
Esquerda neoliberal;
Esquerda Euro-fantasista;
Esquerda anti guerras dos neocons Bush e Cheney;
Esquerda pró guerras humanitárias dos cripto-neocons Obama e Hillary;
Esquerda defensora dos bailouts da banca privada;
Esquerda defensora dos capitalistas subsidio-dependente;
Esquerda condescende para com o trabalhador;
Esquerda que não sofre com a austeridade;
Esquerda tachista;
Pseudo-esquerda.
A dívida que o capital rem para quem trabalha.
ResponderEliminarMas isto deve saber bem o tal Jose que passou a vida na defesa do saque e dos saqueadores
Amnésia selectiva?
ResponderEliminarÉ esta a base da argumentação de Jaime Santos?
Esquecido dos seus piropos aos tecnocratas e ao próprio Schauble? Uma espécie de negação apressada do texto de João Rodrigues?
É esta a sua resposta? Escondida atrás dos desastres ambientais e dos desastres económicos?
Ó homem por favor não fique preso nos seus fantasmas. Apresente resultados desta europa pós-democrática e não tente enganar os demais. Os ideais não são enterrados com essa facilidade de coveiro-mor envergonhado ainda por cima
Quino, o criador da Mafalda, numa entrevista ao Página/12: «Se pensarmos que o cristianismo levou três séculos para se impor, por que não podemos pensar que o socialismo voltará e que finalmente poderemos viver em um sistema mais justo e mais humano para todos?»
ResponderEliminarUm muito excelente post este de João Rodrigues.
ResponderEliminarParabéns
ResponderEliminarE´ verdade, vivemos uma era de mentira em que aqueles que são pagos para a preservar – A Verdade – são os principais utilizadores do seu contrário.
Observem a problemática do Aquecimento Global. Aqueles que propagandeiam tal perigo para a humanidade, são os mesmos que provocam a destruição das florestas e a erosão dos solos.
Ou a problemática dos incêndios florestais – desertificando 2/3 do território dito nacional deixando-o ao abandono sem medidas credíveis e sustentáveis.
Ou um governo que aumenta uma pensão 5 a 6 euros mensais e ao mesmo tempo usa de truques na CGD.
Podemos dizer que se vive a verdade da mentira. De Adelino Silva
a maior das verdades-verdadeiras:
ResponderEliminaro observador é um blogue de merda.
Jaime Santos é uma máquina a desconversar. A um bom post de João Rodrigues diz nada. E já que refere o Orwell, embora não refira o contexto internacional à data, poderia dizer que o que Orweel não anteviu foi que tudo aquilo se aplicaria nestas sociedades ultraliberais, de palmadinha nas costas, em que os EUA sabem qual a cor das cuecas da Merkel, sua aliada.
ResponderEliminarAh, e não diga que não sabe que grande parte da comunicação social trabalha no "ministério da verdade" para produzir a pós-verdade.
Parlamento Europeu aprova resolução contra "propaganda anti-UE"
ResponderEliminarhttps://www.youtube.com/watch?v=S7LMRGD9FG4
Ao que isto chegou...