quinta-feira, 7 de julho de 2016

Neste beco intelectual não há sardinheiras


Desculpem insistir neste tema a desoras, mas uma só frase de Alexandra Lucas Coelho (ALC), no Público de Domingo, resume muito do que está mal numa certa intelectualidade europeísta de esquerda, com arraiais assentes nesse jornal: “Só sei o que é a soberania individual, e não sei por que é o nacional há-de ser bom.”

Façamos então um exercício de imaginação imprudente: imaginemos que os melhores movimentos nacionalistas anticoloniais, os que de resto contribuíram para inscrever o anti-racismo na cena internacional, só sabiam o que ALC sabe hoje. Imaginemos que Ho Chi Minh, Amílcar Cabral ou Yasser Arafat tinham ignorado a luta pela independência nacional.

Façamos outro exercício de imaginação imprudente, mas mais próximo: apaguemos a nossa Constituição, a da República Portuguesa, a da soberania popular logo no Primeiro Artigo. O que ficaria da “soberania individual” sem Estado de Direito Democrático e Social? O que ficaria desta sem Serviço Nacional de Saúde, sem a escola pública, sem Salário Mínimo Nacional? Nacional, reparem. Estará ALC em modo de idealização de um qualquer estado da natureza?

Tudo o que perdermos nesta escala nacional, nunca o conquistaremos noutra: não se trata tanto de ser bom ou não, trata-se sobretudo de um plano de luta que não pode ficar entregue à imaginação das extremas-direitas e que felizmente por cá, graças à esquerda que ALC critica, não fica.

A perda da soberania nacional, a transformação deste país numa semicolónia, grande obra do Euro e desta UE, corresponde a uma perda de autonomia individual para a maioria dos que aqui vivem, compelida pelo desemprego, pela perda de rendimentos e pela quebra do laço social a escolhas cada vez mais trágicas: quantas centenas de milhares de jovens mais têm de ser forçados a abandonar o país? Até quando é que é possível desligar uma “ideia” das suas materializações?

De facto, e perante esta tragédia, demasiados intelectuais brilhantes limitam-se a exercícios impotentes de imaginação europeísta, confundido uma certa ideia de Europa com UE e com a sua moeda, confundindo abertura ao outro com comércio e circulação de capitais irrestritos e com uma moeda forte que não nos servem, confundido “género humano com Manuel Germano”, como disse o grande Mário de Carvalho no contexto de outro beco, mas com sardinheiras.

E até seria possível imaginar outra Europa, claro: uma Europa de nações e de povos, livres e soberanos, que cooperam, em modo de geometria variável, porque existem interdependências a gerir. Essa cooperação seria útil na medida em que aumentasse a margem de manobra das democracias nacionais. Na ausência desta ideia, ficamos perante uma forma de inadvertido nacionalismo, baseado na defesa implícita da criação dos atributos de um Estado, mas numa escala europeia muito superior, em modo EUA idealizado, o que só pode produzir monstros imperiais neste continente irremediavelmente plural.

O resto, a análise de um Brexit demasiado resumido ao racismo, desrespeita os dados disponíveis, bem escrutinados pelo Nuno Serra, expondo, mais do que qualquer outra coisa, um preconceito de classe, involuntariamente visível para todos lermos. Um beco intelectual e sem sardinheiras, em suma.

15 comentários:

  1. Pelas 18 e 50 alguém exprime o seu entusiasmo pelo "excelente e pelo fantástico".

    Havia por aí um comediante que imitava e gozava com um vendedor da banha da cobra, repetindo mais ou menos estas palavras.

    Pensará o das 18 e 50 que está no dito parodiado programa o das 18 e 50?

    (Ou de como a impotência argumentativa obriga a estas fitas, paredes meias com um "a idade não perdoa"?

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  2. "...imaginemos que os melhores movimentos nacionalistas anticoloniais, os que de resto contribuíram para inscrever o anti-racismo na cena internacional, só sabiam o que ALC sabe hoje. Imaginemos que Ho Chi Minh, Amílcar Cabral ou Yasser Arafat tinham ignorado a luta pela independência nacional."

    Eis um motivo ponderoso para qualificar tal texto de excelente e fantástico

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  3. "A perda da soberania nacional, a transformação deste país numa semicolónia, grande obra do Euro e desta UE, corresponde a uma perda de autonomia individual para a maioria dos que aqui vivem, compelida pelo desemprego, pela perda de rendimentos e pela quebra do laço social a escolhas cada vez mais trágicas: quantas centenas de milhares de jovens mais têm de ser forçados a abandonar o país? Até quando é que é possível desligar uma “ideia” das suas materializações?"

    "E até seria possível imaginar outra Europa, claro: uma Europa de nações e de povos, livres e soberanos, que cooperam, em modo de geometria variável, porque existem interdependências a gerir. Essa cooperação seria útil na medida em que aumentasse a margem de manobra das democracias nacionais. Na ausência desta ideia, ficamos perante uma forma de inadvertido nacionalismo, baseado na defesa implícita da criação dos atributos de um Estado, mas numa escala europeia muito superior, em modo EUA idealizado, o que só pode produzir monstros imperiais neste continente irremediavelmente plural."


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  4. "O resto, a análise de um Brexit demasiado resumido ao racismo, desrespeita os dados disponíveis, bem escrutinados pelo Nuno Serra, expondo, mais do que qualquer outra coisa, um preconceito de classe, involuntariamente visível para todos lermos. Um beco intelectual e sem sardinheiras, em suma".

    Um final brilhante.

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  5. É curiosa a sua obsessão com os euro-liberais de Esquerda, talvez porque veja neles os principais adversários. Pergunta-nos de que lado estamos. Gostamos da Europa da livre circulação de pessoas e de ideias, da cooperação nas áreas científicas e culturais e não sabemos o que ficará se a UE desaparecer. Não temos ilusões sobre o facto de que não regressaremos a um modelo de emprego para a vida. Os jovens precários, João Rodrigues, votaram de forma esmagadora a favor da permanência na UE no Reino Unido. Não compreendemos como será possível cooperar para resolver o problema mais importante do nosso tempo, o do aquecimento global, que pode bem significar que o regresso ao alto crescimento económico pode não ser sequer desejável, fora do âmbito de um organização transnacional como a UE. Finalmente, não confundimos a Estrada da Beira com a Beira da Estrada, como disse Costa. Não confunda a política da Direita Europeia com uma qualquer política colonial de um ou mais Estados. A presente experiência governativa portuguesa mostra que, como bem salientava o seu colega Paes Mamede aqui, existe uma alternativa a essa política dentro da configuração presente. Só que me parece que não acredita nela, e não está sozinho. Fica a pergunta, deseja mesmo que ela falhe? É que convém não esquecer que todos os exemplos de nacionalismo progressista que não se cansa de elogiar não deram noutra coisa que não em despotismo, capitalismo de Estado e corrupção. E os exemplos, Angola, Venezuela, Cuba, etc, etc, são legião.

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  6. Mais uma vez...a resposta é Cuba, Angola, Venezuela.

    Curiosa esta sua obsessão

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  7. Nacionalismo progressista?
    Como a Islândia pois claro

    Ou a pátria de Ho Chi Minh, Amílcar Cabral ou Yasser Arafat.



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  8. "É curiosa a sua obsessão com os euro-liberais de Esquerda" Jaime Santos


    Quer dizer neoliberais que fingem ter sensibilidade de esquerda para parecer que são melhores que os neoliberais mais assumidos mas que na verdade estão-se nas tintas para as causas históricas da esquerda?

    Os neoliberais do tipo Assis, Clara Ferreira Alves, a comentadora do Publico, etc querem é boa vida, esta gente não se identifica com as causas da classe trabalhadora, uma das razões deve ser falta de trabalho produtivo…

    O tio Balsemão que ponha a Clara a trabalhar para a Uber para a Clara ver o quanto é bom ter que (sobre)viver nesta economia 2.0 enquanto trabalhador...
    Era ver a Clara alistar-se no PCP num instante e a gritar “o povo unido jamais será vencido” ou “os capitalistas comem tudo e não deixam nada! Pá!”.

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  9. Sim, vamos esperar por os meninos da esquerda caviar (que na verdade são neoliberais tal como Passos Coelho apenas com retórica diferente) lute pela democracia e pelos trabalhadores.
    Um conselho que vos dou, arranjem uma poltrona bem almofadada pois a espera será bem longa, possivelmente eterna…


    E agora a dose diária do medo europeísta:

    Medo, muito medo se a UE desaparecer Hitler vem do inferno e nos gaseará a todos!

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  10. Excelente: o retorno ao basismo dos mais atávicos parâmetros comunitários.
    Fantástico: a suspeição de que todo o mal vem de superestruturas internacionalistas criadas por processos orgânicos.

    Será um neoliberalismo redentor?

    E as classes, senhores? Instrumento analítico metido na gaveta?

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  11. A prática de alguns intelectuais e tudologos de apelidarem , tudo o que defende o contrario do seus credos de extremista é um erro, redutor e até pouco ético.
    Pretender, sem detalhar com pontos concretos, que "nós" é que defendemos a liberdade, os empregos corporativos, a "independência" ...é uma crença que como todas as crenças são próprias dos templos e fazem apenas sentido para os crentes; sustentáveis se as contestações forem proibidas, limitadas no mínimo e sempre etiquetadas de extremistas.
    O debate fica prejudicado e restrito aos crentes. Será que os partidos ditos de esquerda não são capazes de ver a sua redução como resultado negativo. Tanto militante e simpatizante fica satisfeito, até intelectualmente em culpar "eles" do declínio próprio ?

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  12. Depois do puxão de orelhas ao comentário idiota do "excelente e fantástico" vê-se o autor do mesmo a tentar justificá-lo.

    O colocar na ordem coisas assim dá resultados. Infelizmente a tentativa de argumentação varia à volta do "basismo, atavismo superestruturas e processos orgânicos". Sustentada por uns muito esclarecedores e beatos " todo o mal" e "redentor" à laia duma Fatwa

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  13. António Cristóvão tem uma característica no uso corrente das palavras.Usa algumas com a ligeireza própria de quem pensa que o português saiu da mesa do tarólogo. A palavra "tudólogo" é uma delas.

    Mas essa linguagem peculiar é todavia a objecção menor. O que não deixa de constituir maior espanto é a tentativa para rebater um discurso que contesta as "verdades" inabaláveis do neoliberalismo, com um tom de seminarista a invocar ( diria mesmo a esconjurar) as "crenças" e os "crentes".

    Ora vejamos. Passámos os anos com um discurso unipolar até à exaustão. Um discurso de sentido único emitido pelo poder e replicado por todas as fibras do poder mediático serventuário.Pela legião de boys e de girls, pelos seus partidários, através dum sem número de meios amplificando até à náusea tal discurso.

    Agora vem A. Cristóvão queixar-se de "crença" que destrói as crenças dos que nos bombardearam com as suas crenças e os seus salmos?

    A acusação da falta de detalhe é uma acusação falsa. A primeira porque aqui ( e em muitos sítios) há a preocupação de detalhar e esmiuçar, quantas vezes de quantificar o que se afirma ( para desespero dos quem vêem assim destruídos os axiomas neoliberais).

    Mas a acusação generalista do "culpar eles" também é redutora e falsa. Porque ignora as vozes diferentes e plurais dos autores deste blog. Porque quem faz esta afirmação se inscreve num "eles" vago mas suficientemente esclarecedor do lado em que se encontra. E porque finalmente, tal como o gato escondido com o rabo de fora , se apressa a concluir que os que os "culpam", a eles, se encontram em declínio próprio". Ou seja, juízos desta ordem são da exclusiva propriedade dos Crisóvãos desta terra.

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