A acção do filme da sessão - o primeiro filmado segundo as estritas regras Dogma95 - passa-se na festa do 60º aniversário de um pai de uma abastada família dinamarquesa. Durante o jantar, o filho mais velho faz um brinde e conta que, em criança, o pai o violava, bem como à sua irmã, que se suicidara há pouco tempo.
A denúncia abala a refeição, mas nada acontece. O filho decide ir-se embora, mas é convencido pelo cozinheiro, seu amigo de infância, a não abandonar a luta. Apoiado pela criadagem, que rouba as chaves dos carros dos convidados impedindo a fuga (mais a fuga a encarar o problema), o filho volta ao jantar, enquanto a mãe faz um brindo a exortar o filho que peça desculpa ao pai. Em vez disso, ele acusa o pai de ter levado a irmã ao suicídio e que a mãe assistira a tudo e nada fizera. Desta vez, alguns dos homens da família escorraçam o filho, agridem-no e atam-no a uma árvore, no meio da floresta, durante a noite. E a festa prossegue. Entretanto, a segunda filha, que viera à festa com o seu namorado - músico e negro -, é impelida pela família a fazer um brinde. Ela hesita, não sabe o que fazer, mas acaba por ler um carta da irmã suicidada cujo texto acusa o pai. Desta vez, o pai fica mal visto e, de manhã, é segregado pela família, inclusive pela sua mulher. O filho parte para Paris com uma das criadas, sua amante secreta.
O filme é muito propenso à análise psicológica. Mas eu fui levado a lê-lo como uma metáfora da sociedade. O interesse do grupo, a sobrevivência do grupo, sobrepõe-se àquele terrível segredo. Nada parece abalar o grupo. Apenas a insistência leva à quebra desse aparentemente inamovível segredo. A reacção primeira é de desvalorização, a segunda de negação, mas a terceira é a de transformação. O grupo move-se, afasta o elo fraco e – plasticamente – reformata-se. Para que tudo o que é essencial se possa manter. Os anteriores cães de fila passam-se para o grupo vencedor. Mas a vida, a respiração saudável, a leveza apenas é possível fora do grupo. E fora do país.
Agora digam-me: em que pensaram quando leram este post?
A descrição do filme, que é feita no post é propenso, acima de tudo, a uma análise sociológica.O grupo tenta preservar a sua identidade, fechando-se sobre si próprio como na ocasião de leitura de um testamento, em que cada um acredita, ou quer acreditar, que a sua segurança,exclui ou dispensa a segurança do outro, mas não pode ser independente da segurança absoluta do grupo.O grupo encerra-se na sua própria lógica de exclusão de regras e aplicação da lei, como factor de coesão e cimento de convicção na justificação da sua existência. Não é difícil concordar com as observações finais do JRA,mas o que é preocupante é que os exemplos são tantos que é um feito continuar a respirar.
ResponderEliminaramigo João
ResponderEliminarvi o filme, é muito bom, e percebo a sua análise
mas a pergunta final é escusada e demasiado direcionada, sugestiva e explicativa
enfim, professoral, sem mistério, sem debate
O grupo identifica-se com referência a um líder, a um símbolo: é simples e cómodo.
ResponderEliminarNão o descarta facilmente quando não é certo existir para além dele.
A mim fez-me lembrar a minha tia Rute...
ResponderEliminarCaro anónimo,
ResponderEliminarA pergunta final era uma tentativa de piada, dado tratar-se de um ciclo organizado por psicólogos ou psiquiatras. Não era para ser levada muito a sério. Mas claro que era direccionada. E por que não?
Ainda bem que o anónimo final se lembrou da sua tia Rute :-)
O que pensámos? Que grande bacanal...
ResponderEliminar"Descartar o lider? E não é certo existir para além dele".
ResponderEliminarPois com certeza. Lolol.
"O grupo move-se, afasta o elo fraco e – plasticamente – reformata-se. Para que tudo o que é essencial se possa manter. Os anteriores cães de fila passam-se para o grupo vencedor."
Por intermédio do príncipe de Salina, Lampedusa disse uma frase soberba que ainda hoje é um aguilhão para os senhores do mundo: " É preciso que alguma coisa mude, para que tudo fique na mesma".
sabujo zé
ResponderEliminartu estás identificado num hospital psiquiátrico onde és um símbolo de atroz demência porque assim é mais simples e cómodo ter os outros doentes por normais
descartaram-te facilmente porque tendo tu um único neurónio não é certo que existas para além dele
Eu, aquilo que pensei foi que vi esse filme há alguns (já muitos) anos atrás, num cinema comercial.
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