terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Num país sem classes

Segundo a sabedoria económica convencional, em Portugal não existem classes sociais, existindo quanto muito uma classe média. Existem, isso sim, “grupos de interesse”, sempre de natureza sindical e que condicionariam as possibilidades do imparcial Estado demoliberal. Mais nada. É claro que uma coisa é a sabedoria convencional e outra coisa é o capitalismo realmente existente, que não passa sem um Estado que também estruturou e estrutura o poder económico, sem um espaço para onde confluem as lutas de classes, onde estas também se manifestam, condicionando-as e sendo por estas condicionado. Um Estado de resto cada vez mais condicionado pelo poder da burguesia, ou pelo menos de certas fracções imbricadas com o exterior.

A diferença entre a sabedoria convencional e a realidade está bem exposta num artigo recente da Revista Crítica das Ciências Sociais - Representantes e dominantes: Os governantes e as relações de classe em Portugal - da autoria de Adriano Campos, Jorge Costa, João Teixeira Lopes, Francisco Louçã e Nuno Moniz: “Este artigo trata das ligações estabelecidas entre os detentores de capital e os grupos de governantes e ex-governantes, a partir de uma perspetiva crítica capaz de realçar o papel do Estado na estruturação do poder económico. É dado especial enfoque ao processo de cooptação, numa análise que engloba os dados referentes aos 776 governantes que ocuparam 1281 cargos nos 19 governos constitucionais (1976-2014).”

Entretanto, recupero uma crónica de António Guerreiro, onde este discute o que se passa para lá da porta onde está escrito proibido a entrada a pessoas estranhas ao serviço, a empresa, neste caso ao serviço de uma informação com cada vez mais condicionamentos de classe: “Um ambiente de medo, de chantagem e de aniquilação pura e simples é a regra em muitos locais de trabalho. Mas em relação a um jornal tendemos a pensar que nunca se chega a um tal nível. No entanto, algo se transformou nas últimas décadas e os jornais tornaram-se completamente permeáveis às lógicas mais duras das relações de trabalho. Os jornalistas são hoje uma classe proletarizada a quem não é reconhecida a pertença ao universo profissional dos que gozam de autonomia intelectual.”

3 comentários:

  1. «Um ambiente de medo, de chantagem e de aniquilação pura e simples é a regra em muitos locais de trabalho»
    A descrição corresponde seguramente a locais de trabalho fracassados.
    O que fica por dizer é que o fracasso no capitalismo tem um custo mensurável e na utópica ‘sociedade sem classes’ o fracasso é suposto não ter custo algum.
    É esse paraíso terreal, que transporta o ideal de almas pairando no Éter, sem classes porque sem necessidades, para o Mundo dos corpos consumidores de recursos, competindo pelo que é escasso.
    È como uma religião qualquer…

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  2. Ó Jose!

    Não podes é usar recursos / instrumentos de TODOS, para

    proteger...só ALGUNS!

    Queres competir pelo que é escasso? Tudo bem...aparece!




    Também na INFORMAÇÃO...

    os " mercados " protegem os mais fortes.

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  3. Claro que hoje aquilo que se designava por classe trabalhadora ou proletariado apresenta-se de forma difusa e em muitos casos, os trabalhadores encontram-se de tal modo atomizados que nem sequer se reconhecem como classe. Com isto quero dizer que continua a haver uma classe que produz mais valia e que é desapossada dessa mais valia, só que se torna premente repensar a situação e poucos se atrevem a fazê-lo; de entre estes sugiro a leitura ou o visionamento de vídeos de David Harvey que, além de competente, me parece fazer uma análise séria.

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