O salário mínimo nacional foi criado na Nova Zelândia no final do século XIX. Desde então tornou-se um dos temas mais polémicos no debate público em vários países e dos mais analisados na investigação económica. O seu objectivo primordial consiste em proteger a parte mais fraca da relação laboral – os assalariados – evitando que haja quem trabalhe por montantes que não chegam para satisfazer necessidades básicas. No entanto, as suas implicações a outros níveis não são óbvias – desde logo, no que respeita aos impactos no volume geral de emprego na economia em causa.
Os resultados da investigação económica não são inteiramente conclusivos a este respeito. Poucos estudos concluíram que o aumento do salário mínimo tem impactos substanciais no volume de emprego. Muitos apontam para um pequena destruição de emprego, outros para alguma criação, outros ainda para efeitos nulos. Não sabemos quantos estudos não chegaram sequer a ser publicados por chegarem a resultados que não são estatisticamente significativos.
Em termos teóricos, são vários os argumentos a favor da existência e de um aumento gradual do salário mínimo nacional. Incluem-se aqui, em qualquer circunstância, uma mais justa repartição do rendimento entre assalariados e empregadores, a dignificação do trabalho e dos trabalhadores (na maioria dos casos, das trabalhadoras) e a redução da pobreza entre os assalariados. No caso de economias menos avançadas, o salário mínimo funciona também como pressão para a melhoria da eficiência dos processos produtivos e para a transformação estrutural das economias no sentido de actividades geradoras de maior valor acrescentado. Quando as economias estão a produzir abaixo do potencial, o aumento do salário mínimo pode contribuir para estimular a procura e para contrariar riscos de deflação (ou inflação demasiado baixa). Qualquer um destes argumentos joga a favor de um aumento do salário mínimo em Portugal neste momento.
Em qualquer caso, importa ter presente os vários riscos habitualmente referidos na literatura sobre este tema. A saber, o aumento do salário mínimo pode: levar a uma menor criação de emprego; criar dificuldades acrescidas para trabalhadores menos qualificados; aumentar as desigualdades de rendimento entre empregados e desempregados (ou inactivos involuntários); conduzir à perda de competitividade das empresas mais expostas à concorrência internacional; ou aumentar o défice externo também por via de um aumento das importações. Qualquer um dos riscos listados é relevante no caso português, ainda que com variações.
Por exemplo, a principal fonte de desigualdades em Portugal na actualidade é a inserção precária de mais de um milhão de activos no mercado de trabalho, muitas vezes associada às baixas qualificações, o que torna particularmente graves os primeiros três riscos referidos. Quanto aos impactos na competitividade, eles tendem a ser diminutos por vários motivos: em geral, o efeito de um aumento do salário mínimo nos custos salariais totais é marginal (e os custos salariais são uma pequena parte dos custos totais das empresas); a maioria dos indivíduos que auferem o salário mínimo trabalha em sectores que não estão expostos à concorrência internacional; os preços das exportações têm crescido mais rapidamente do que os salários, o que significa que as empresas que exportam têm mais margem para suportar os aumentos salariais (já de si modestos).
Em suma, podemos esperar impactos positivos de um aumento do salário mínimo, mas também existem riscos. A preocupação dos responsáveis políticos deve ser a de maximizar os primeiros e de minimizar os segundos. Isto faz-se de diversas formas: investindo na melhoria das competências de gestão das empresas; reforçando o esforço de qualificação das pessoas, em particular daquelas que estão mais expostas à exclusão do mercado de trabalho; mantendo uma política sistemática de desenvolvimento tecnológico e inovação; reduzindo os custos de criação de novas empresas (nomeadamente, em termos fiscais e burocráticos); desincentivando as importações menos estratégicas por via fiscal e da alteração dos padrões de consumo; etc.
Alguns destes tipos de medidas podem ter efeitos imediatos, outros só produzem resultados no longo prazo. Todos eles são indispensáveis. Seja como for, para que as vantagens potenciais do aumento do salário mínimo se realizem e os seus riscos sejam evitados é fundamental ter uma estratégia global de desenvolvimento para o país. E não só: como os resultados das políticas públicas nunca são inteiramente antecipáveis, é recomendável que elas sejam implementadas de forma gradual e que os seus efeitos sejam continuamente monitorizados e devidamente avaliados. É isto que espero de um acordo da Concertação Social sobre o aumento do salário mínimo nacional até 2019.
O aumento do salário mínimo, sem falar da justeza desse aumento, tem desde logo duas grandes vantagens.
ResponderEliminarA PRIMEIRA traduz-se pelo combate à fraude fiscal. Muitas pequenas e médias empresas, sobretudo na área da construção e serviços, apesar de terem contractos com os seus trabalhadores, mesmo os mais qualificados, pelo valor do salário mínimo, pagam-lhes realmente em dobro ou em triplo dependendo da especialidade do trabalhador. O trabalhador leva assim para casa mil, mil e quinhentos ou mais euros ainda que o seu salário “oficial” seja o ordenado mínimo. E com este “esquema”, ganha o patrão porque não paga a TSU correspondente ao valor real do salário e ganha o trabalhador porque paga menos impostos, Contribuição para a SS e IRS. É um esquema que está generalizado por todo o país.
A SEGUNDA resulta do facto de que a política dos baixos salários induz à retracção do investimento na modernização dos meios de produção. Um patrão consegue com mais baixos salários atingir a mesma produtividade que com políticas de salários mais altos se veria obrigado a modernizar a sua empresa. Com salários mais elevados ver-se-ia obrigado a substituir a aparelhagem produtiva conseguindo desse modo os ganhos de produtividade que os salários baixos lhe vão proporcionando.
Prudentes considerandos.
ResponderEliminarUma omissão todavia: no nosso sistema sindical esclorosado, o salário mínimo é a alavanca negocial de uma superestrutura alheada das realidades sectoriais e desinteressada de qualquer proximidade entre os trabalhadores e as empresas que os empregam.
O aumento dos salários só aumenta os preços se as margens de lucro não diminuírem, pelo que o que está verdadeiramente em causa é a repartição da riqueza criada entre capital e trabalho.
ResponderEliminarAté o LIDL anunciou que vai aumentar o salário mínimo dos seus trabalhadores para 600 euros já em 1 de janeiro. De que está a espera o governo PS? De que lado é que está o novo governo PS?
Dos trabalhadores, que precisam de recuperar dos cortes, da inflação acumulada desde o início da crise (que talvez por agora andar baixa não chama a atenção e convenientemente não anda a ser contabilizada), da perda do poder de compra, do distanciamento dos salários da União Europeia, das perdas em relação à produtividade. Ou do grande capital, que aumenta a exploração, os lucros e o parasitismo?
Os aumentos necessários sobre as micro e pequenas empresas podem, e devem, ser compensados com medidas fiscais, que também aqui precisam de outra orientação de classe, em benefício da grande maioria da população.
Pôrra, está na altura de mostrar que se pode fazer diferente. Aumentar os salários abaixo de uma cadeia de hipermercados - que obviamente beneficiam do aumento do consumo, mas da população, não dos seus trabalhadores - é uma vergonha para os socialistas!
600 €? Esquece. O défice não permite, o tratado orçamental não deixa, a Europa não autoriza. Entre a melhoria da vida dos trabalhadores e o Tratado Orçamental, o PS escolherá sempre o Tratado Orçamental. Estou curioso em ver as votações na AR.
ResponderEliminarEu gostava de fazer as seguintes pergunta ainda relacionadas com o salário mínimo, mas também com os salários e a sua possível dinâmica de recuperação e consequente aumento da procura interna:
ResponderEliminarPartindo da situação atual, quais seriam teoricamente os limites para o aumento das importações e consequente degradação da conta externa? De que forma iria essa degradação afetar o crescimento do Pib?
A melhor forma para combater a desigualdade é a atribuição de subsídios aos pobres??? Aumentar o salário mínimo faz aumentar a desigualdade porque há pessoas que não têm emprego??? Os jovens que têm apoio por parte dos familiares se receberem o salário mínimo não são pobres??? Um dos aspecto negativos para aumento do salário mínimo é as pessoas que o recebem comprarem produtos importados o que desequilibra a balança comercial??? Estas foram algumas das suas constatações no programa "Numeros do Dinheiro" desta semana, fiquei atónito ao ouvi-lo. Há um dos participantes desse programa que vai para lá para brincar com os espectadores, espero que não lhe siga as pisadas.
ResponderEliminar"A melhor forma para combater a desigualdade é a atribuição de subsídios aos pobres???"
ResponderEliminarNão, nem foi isso que disse. A desigualdade não se combate com uma medida isolada, qualquer que ela seja, pelo que a afirmação não teria qualquer sentido. O meu argumento é outro: o objectivo primordial do SMN não é a diminuição das desigualdades de rendimento em geral; se fosse haveria formas mais eficazes de atingir o mesmo propósito. Sim, as políticas distributivas são umas dessas formas; não é a melhor forma de combater as desigualdades (como escrevi atrás, isso não existe). Como escrevo no texto, os objectivos primordiais do SMN consistem em proteger a parte mais fraca da relação laboral e em dignificar o trabalho.
"Aumentar o salário mínimo faz aumentar a desigualdade porque há pessoas que não têm emprego???"
Não, nem foi isso que disse. A ideia é simples. Há casos em que se demonstrou que o aumento do salário mínimo reduz o volume de emprego. Não são todos e mesmo nesses casos o efeito é geralmente reduzido, mas acontece. Quando é assim, o aumento do SMN melhora a posição de quem trabalha e piora a de quem fica sem emprego. Isto é um aumento das desigualdades.
"Os jovens que têm apoio por parte dos familiares se receberem o salário mínimo não são pobres???"
Não, nem foi isso que disse. O conceito estatístico de pobreza baseia-se nos rendimentos dos agregados familiares. Se uma pessoa que recebem o SMN pertencer a um agregado com rendimentos mais elevados não está na mesma situação que a de um indivíduo de uma família em que toda a gente recebe no máximo o SMN. Não é por isso que o SMN deve manter-se baixo. Ou seja, defendo o aumento do SMN mesmo que se venha a demonstrar que a maioria dos trabalhadores que recebem o SMN não são pobres.
"Um dos aspectos negativos para aumento do salário mínimo é as pessoas que o recebem comprarem produtos importados o que desequilibra a balança comercial???"
Também não foi isso que eu disse, sendo que a preocupação de fundo aponta nesse sentido. Portugal tem um problema grave de dívida externa, resultados da liberalização financeira, da participação no euro e de uma sucessão de choques comerciais. É um dos fardos mais pesados com os quais temos de viver colectivamente e que não podemos ignorar. Qualquer aumento da procura interna incorre no risco de agravar este problema, dada a fraqueza do sistema produtivo nacional. O reconhecimento disto nunca me impediu de defender a necessidade de estimular a procura interna, mas sempre me levou a defender medidas que minimizassem os riscos associados.
Diga-me, por favor, o que não ficou claro, anónimo das 5:23.
O problema das desigualdades e do salario mínimo e´ que – para alguém receber o SMN, alguém tem de o pagar. Desigualdade gritante… um que possui os meios de produção e outro possui braços, corpo e alma…O pior e´ que todos, ricos e pobres, tem braços, corpo e alma.
ResponderEliminarOs argumentos debitados pelos contendores não servem se não para refrear a onda da indignação que pulsa nas artérias de quem trabalha. Onde paira a dignidade do homem que se vê obrigado a implorar por uma buxa…Que tem de pedir ao Sr. Prior, ao Sr. Engenheiro, ao Sr. Vereador, ao Sr. Deputado e as “cunhas?” ignóbil engenharia que se cultiva no dito mercado do trabalho. De Adelino Silva
Mas que grande trapalhada em que o Ricardo Paes Mamede se meteu.
ResponderEliminarExplique lá porquê, Carlos Sérgio.
ResponderEliminarRefiro-me naturalmente às explicações que se viu obrigado a dar ao anónimo da 05 23.
ResponderEliminar“Como escrevo no texto, os objectivos primordiais do SMN consistem em proteger a parte mais fraca da relação laboral e em dignificar o trabalho”.
O que significa, creio eu, aumentar os rendimentos ao trabalho e diminuir os lucros ao capital ou, o que é o mesmo, actuar na distribuição da riqueza produzida e alterar a relação de ganhos entre o capital e o trabalho. A isto pode chamar-se atenuar as desigualdades sociais ou não?
Não se compreende assim “O meu argumento é outro: o objectivo primordial do SMN não é a diminuição das desigualdades de rendimento em geral”
No seu entender o objectivo do aumento do SMN consistirá em “proteger a parte mais fraca da relação laboral e em dignificar o trabalho” . Será que esta afirmação fará algum sentido se desligada da alteração efectiva que o aumento do SMN proporciona ao alterar o rácio de ganhos capital/trabalho?
“Quando é assim, o aumento do SMN melhora a posição de quem trabalha e piora a de quem fica sem emprego. Isto é um aumento das desigualdades”.
Quer dizer o aumento do SMN poderá provocar no seu entender algum desemprego. Em 550.000 trabalhadores com salário mínimo digamos que haverá 1% que por efeito do aumento do SMN cairá no desemprego. 5.500 trabalhadores portanto. Trabalhadores que terão subsídio de desemprego e aptos a conseguirem novo emprego futuro (já agora com o aumento no seu salário mínimo).
De um lado termos o aumento do SMN que favorece definitivamente 550.000 atenuando as desigualdades sociais de outro, 5.500 sem trabalho, em situação provisória, não definitiva. E assim, no seu entendimento, confrontando as duas situações haverá aumento das desigualdades sociais.
Não será um absurdo afirmar-se uma coisa destas?
“Qualquer aumento da procura interna incorre no risco de agravar este problema, dada a fraqueza do sistema produtivo nacional”
ResponderEliminarNão, não posso concordar com uma afirmação tão generalizada quanto esta. Não é qualquer aumento da procura. A procura de bens é determinada e diferenciada pelo valor do rendimento do agregado familiar. Uma família de altos rendimentos não consome o mesmo tipo de bens que uma família de baixos recursos. E seguramente a procura de bens importados está muito mais ao alcance das famílias de mais altos rendimentos. Digamos que as famílias de mais baixos recursos consomem mais bens oriundos da produção nacional que uma família de altos recursos. A fraqueza da produção nacional não será em bens de primeira necessidade. Não será em pão, arroz, azeite, massas, legumes, carne, leite, água ou luz, tudo o que é carência das famílias com SMN.
Há várias formas de proteger a parte mais fraca da relação laboral e de dignificar o trabalho, porque acha que a subida do SMN deve ser a estratégia a adoptar?
ResponderEliminarPareceu-me ver num dos gráficos que a maior certeza probabilística apontava para a não implicação no desemprego o aumento do salário mínimo, corrija-me se estiver errado.
A propensão para o consumo de bens ou serviços importados é semelhante em todas as classes sociais?
Carlos Sério,
ResponderEliminarComo deve saber, há várias formas de medir as desigualdades sociais. O aumento do SMN, em princípio, diminui o rácio entre os rendimentos do primeiro quintil e os restantes rendimentos - é uma medida possível de desigualdade. Mas não é de todo garantido que diminua, por exemplo, o índice de Gini - a maioria dos estudos sugere que não. Se o aumento do SMN tiver um impacto negativo no emprego - e, como já disse várias vezes, os estudos são inconclusivos a este respeito, o que não significa que não possa acontecer - o impacto na desigualdade enntre empregados e desempregados tende a ser negativo.
Anónimo das 6:36,
Diga-me quais as formas alternativas que tem em mente e poderei esclarecer a minha posição sobre as vantagens comparativas de um aumento do SMN.
De facto, o conjunto dos estudos disponíveis sugere que os impactos dos aumentos do SMN andam próximo de zero. Isso não significa que não possam ser negativos ou positivos. Os meus considerandos têm a ver com essas possibilidades e não com qualquer certeza.
Carlos Sério e Anónimo das 6:36,
Sim, a propensão ao consumo e o seu efeito sobre as importações variam conforme as classes sociais. Em qualquer caso, o aumento do consumo numa pequena economia aberta está sempre associado a um aumento das importações - o que tem de ser uma preocupação num país que tem uma das maiores dívidas externas do mundo. Mais uma vez, isto não significa que não se deva aumentar o SMN, significa que é preciso enquadrar esse aumento numa estratégia mais global. É o que escrevo no texto.
Caro Paes Mamede
ResponderEliminarA forma de proteger a parte mais fraca da relação laboral e de dignificar o trabalho será a alteração da legislação laboral mais favorável aos trabalhadores criando sindicatos mais fortes e atuantes. É a única via segura de alterar a relação do trabalho e dignificar o trabalho de forma séria e capaz. O aumento do SMN deverá ser uma consequência disto e não o inverso.
Em que medida o aumento de alguns euros no SMN protege o lado mais fraco da relação laboral?
ResponderEliminarPorque não diminuir o numero de horas trabalhadas pela mesma retribuição?
Ricardo já pensou se algum dia os seus gráficos revelam que só a escravatura garante que as pessoas permanecem vivas? O que terá para nos dizer?
Corria a´ boca pequena que A. P. da Fonseca teria dito a um seu herdeiro que da “Uva também se fazia vinho”…
ResponderEliminarBem entendido, dever-se-á facultar ao trabalhador, ao patrão, bases da produção nacional, a liberdade de desenvolver um “salario justo” e que a dignidade do trabalho não se perca… Onde o Estado só intervirá como corrector e defesa das regras democráticas mutuamente aceites.
A simplificação da legislação laboral e´ muito importante. Quem legisla tem o dever de antes dialogar de igual para igual com as partes e estas deverão também tratar de igual modo.
No actual sistema laboral onde a promiscuidade predomina -- Legislação Nacional – legislação Europeia— Concertação Social em que as duas partes principais, os Trabalhadores e os Patrões se vem em “papos de aranha”, deve-se recorrer ao dito do Sr. A.P. da Fonseca… de Adelino Silva