As sondagens realizadas em finais de Julho mostram que os partidos do governo estão a ser penalizados mas sem que tal conduza a uma inequívoca descolagem do Partido Socialista. Apesar do descalabro socioeconómico e financeiro em que o país se encontra e da recente crise política sem precedentes, o PS continua a não alcançar a maioria absoluta do eleitorado. Admitindo que a abstenção e o voto em branco devem continuar elevados, as sondagens mostram que os eleitores ainda não estabilizaram a sua escolha eleitoral, porventura insatisfeitos com o menu que lhes apresentam.
Até à rebelião de António Costa, e sobretudo até ao regresso de José Sócrates, a direcção do Partido Socialista evitou repudiar frontalmente o discurso do governo sobre as causas internas da crise. Ignorando a sua natureza sistémica, acabou por admitir, pelo menos implicitamente, que as causas internas eram as decisivas. A sua oposição centrou-se no excesso de zelo do governo na execução da austeridade inscrita no memorando e explorou de forma populista, como de resto a restante esquerda, os "erros de previsão" do ministro das finanças. Só mais tarde é que colocou a tónica do discurso na natureza perversa da austeridade, na dimensão europeia da crise e na necessidade de renegociar o memorando. Ainda assim, não fora a agitação de alguns notáveis do partido, o centrismo do PS quase o levou a assinar com o governo um acordo suicida para a cogestão da austeridade.
Boa parte do eleitorado já percebeu que o PS não tem uma alternativa para este caminho de atolamento na depressão. Mas também não vê no BE e no PCP uma política económica suficientemente elaborada para enquadrar estrategicamente a decisão de romper com o memorando e abrir uma renegociação da dívida pública. Afinal, o que faria um governo liderado por estes partidos se a resposta ao pedido de negociações fosse a suspensão do financiamento da UE? Um mínimo de respeito pelos eleitores impõe que enunciem desde já o que se seguiria ao fracasso de tais negociações e da consequente declaração de uma moratória ao serviço da dívida: sair da zona euro e financiar o Estado através da emissão de moeda soberana. Mais ainda, para ser consistente, esta esquerda teria de formular duas estratégias de desenvolvimento para o país, uma para a permanência na zona euro, caso a reestruturação da dívida fosse aceite, outra para o caso de ruptura porque, como é evidente, as condições institucionais seriam radicalmente distintas. Uma base ideológica anticapitalista, a falta de clareza na estratégia e a exclusão de uma plataforma eleitoral comum, são factores que se entrelaçam e impedem estes partidos de se afirmarem nas sondagens como a alternativa por que o eleitorado espera e desespera. Do meu ponto de vista, é sobretudo o impasse político à esquerda que torna a presente crise particularmente dramática. Não se vê mesmo qualquer luz ao fundo do túnel.
(A minha crónica de ontem no jornal i)
O problema europeu envenena totalmente o ambiente político português.
ResponderEliminarÉ cada vez mais evidente de que a adesão à então CEE, pelo menos nos moldes em que foi feita, foi um erro e a adesão à moeda única um suicídio.
E, o problema é que PS e PSD, os partidos da adesão über alles, são incapazes de admitir a mais ténue dúvida sobre a bondade daquela adesão. O CDS que inicialmente até levantou dúvidas correctas deixou-as para trás quando Paulo Portas percebeu que como eurocéptico dificilmente chegaria a ministro e rebatizou-se de "eurocalmo".
O problema é que, à esquerda e à direita faltam partidos eurocepticos em Portugal, isto é, à direita não há nenhum e à esquerda há um, o PCP pois o BE não é euroceptico, antes pelo contrário apoia o Euro e o aprofundamento da integração europeia.
Mesmo o PCP é moderadamente (ou mesmo cobardemente) euroceptico pois evita falar muito do assunto e, mesmo sobre o Euro, limita-se a dizer que o devemos discutir.
Enquanto a questão europeia não for abertamente debatida e não aparecerem, à direita e à esquerda, partidos a colocar em causa a política de que temos de estar no comboio da frente da integração, o país continuará a afundar-se.
"Uma base ideológica anticapitalista, a falta de clareza na estratégia e a exclusão de uma plataforma eleitoral comum ...".
ResponderEliminarNão haverá gralha? O primeiro factor joga com os outros?
O que me parece dramático é que o Povo português continua a dar os seus votos aos três partidos de sempre, com a sua corrupção mafiosa institucionalizada: continuam a votar nos mesmos três de sempre, os mesmos que são os únicos responsáveis por toda esta crise e pelas políticas desastrosas seguidas relativamente à Europa e a Portugal desde os anos 80's: é caso para dizer que para esta Alma Lusa vale o ditado "quanto mais me bates mais eu gosto de ti!" E isto sim, é dramático!
ResponderEliminarQuanto aos restantes partidos, e devemos tb incluir os que não têm representatividade na AR, tem razão: a questão europeia e a saída do Euro e desta UE resultante de Maastricht, não é posta em termos claros e lúcidos, e há muita cobardia política à mistura.
Mas há algo de que discordo frontalmente: a "Ideologia Anti-Capitalista" não é um problema! é sim uma condição básica para se conseguir sustentar as Alternativas!
Álvaro cai no disparate/crença de acreditar que o que afasta a esquerda (PCP e BE) do PS é a Europa. Nada mais falso. O que a afasta é o código laboral, os feriados, as privatizações.
ResponderEliminarAnónimo escreveu:
ResponderEliminar"O que a afasta é o código laboral, os feriados, as privatizações."
E é a Europa, tal como ela existe actualmente que impede muita discussão sobre estes temas...
Caros João Vasconcelos-Costa e Carlos
ResponderEliminar“Anticapitalista” remete para a ideia de acção política visando o derrube do capitalismo. Evoca também as experiências históricas de concretização da “ditadura do proletariado” e de estatização da economia. Suponho que a esmagadora maioria dos cidadãos não ignora essa orientação de fundo, o sonho que ainda hoje move muitos activistas em Portugal. Talvez seja esse o obstáculo eleitoral mais forte a vencer por uma alternativa de esquerda tradicional (PCP + BE + independentes). Sendo o PS centrista, não pode fazer parte de uma alternativa; é o partido da alternância.
Por outro lado, quem esteve presente no início da manifestação do 25 de Abril no Porto, junto à sede da antiga PIDE, pôde testemunhar a ostensiva afirmação dos símbolos comunistas do PCP numa manifestação que deveria ser suprapartidária. Como é sabido, a convicção de que se é detentor da chave da interpretação da História, entre outras coisas contestáveis, leva o PCP a recusar as iniciativas que não consegue controlar, ou a nem sequer responder (ver autárquicas no Porto). O seu anticapitalismo também não será estranho à prudência que agora manifesta quanto à saída do euro, até porque a saída também significa salvar o capitalismo, mais precisamente salvá-lo de si próprio. Em meu entender há uma interdependência entre estes factores.
Já no caso do BE as convicções anticapitalistas são mais reservadas e, provavelmente, não serão subscritas pela totalidade dos seus militantes. Ainda assim, é isso que está subjacente à rejeição de “alianças com a burguesia exportadora” quando se critica a saída do euro e a consequente desvalorização da nova moeda. Se o BE prefere salvar o euro talvez seja porque o entende como uma expressão mais avançada do capitalismo e das suas “contradições” sendo a nação vista como um arcaísmo a ultrapassar dentro da UE, possivelmente tomando o seu futuro colapso como o horizonte que deve comandar a estratégia internacionalista da luta de classes. De notar que a estratégia de “Syrizar” o BE foi defendida pelo seu ex-coordenador.
Em meu entender, o país precisa de um governo que rompa com o euro. Precisa de um novo partido à esquerda, liberto de dogmas anticapitalistas, liberto da ideologia neoliberal, incluindo a sua versão europeísta, com uma proposta de transformação do capitalismo através do aprofundamento da democracia, o que inclui a democracia dentro das empresas (ver aqui http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/search?q=o+socialismo+como+). Que, em nome da democracia nacional (a única que existe), não tenha medo de romper com a globalização financeira e comercial. Uma Europa de paz e cooperação precisa desta esquerda.
Muito bom, o Artigo. Concordo em tudo.
ResponderEliminarQuanto ao extenso comentário final, estou renitente em concordar com a parte do "Governo que rompa com o Euro".
A meu ver, não é o Euro que causa os problemas económicos a Portugal. No tempo do Escudo, os problemas portugueses eram exatamente os mesmos e só o afluxo colossal de financiamento europeu, a partir de 86, permitiu duas décadas de crescimento económico e melhoria sensível do nível médio de vida dos portugueses. Nada disso será recuperável, como por magia, APENAS com o regresso a uma Moeda própria, como é óbvio.
O aumento (eventual) das Exportações não vale nada, quando comparado com a verdadeira tragédia que seria, para os portugueses, não poder mais usar o Euro para custear as suas importações, em especial o petróleo (mas não só).
Mudar Portugal no sentido da Esquerda, ou do Progresso social, pouco ou nada tem a ver com o Euro, ou com a Política europeia.
Tem a ver sobretudo com: 1º) a diminuição das severas desigualdades atuais - uma questão que se coloca num plano ortogonal ao da "riqueza" do País! -; 2º) a redução da ineficiência económica do tecido produtivo português, INCLUINDO (mas não necessáriamente sobretudo de) o Estado; 3º) a "europeização" dos hábitos individuais dos portugueses, quer no que toca ao consumo e à poupança, quer PRINCIPALMENTE no tocante ao estilo de vida, absolutamente anti-económico da generalidade das urbes portuguesas - casa própria, distância absurda casa-trabalho (ou Escola), uso do transporte individual.
E há também a questão da Cultura política, da participação, da reorganização administrativa (Regionalização), TUDO questões já resolvidas no espaço do Euro e que, em Portugal, ninguém tem coragem para discutir com seriedade, quanto mais enfrentar...
Não atentar nestas vertentes é continuar a malhar em ferro frio. Que é só o que a Esquerda convencional tem feito desde o advento do "pugresso" português em 86: falso, pacóvio, superficial e subsidio-dependente dos dinheiros comunitários!
Acordai, Economistas de Esquerda que dormis a embalar a dor...