terça-feira, 25 de junho de 2013

Em busca do santo Graal


O Rui Tavares apresentou ontem, em artigo no Público e em entrevista ao i, algumas ideias para retirar o país da crise. Devo confessar-me um pouco perplexo. Bem sei da cansativa conversa à esquerda de que uma coisa é a economia (coisa de marrões do Excel) e outra a política (coisa para vanguardas que conseguem ler a realidade social). Mas, ver estas propostas vindas de alguém que se rodeia de excelentes economistas, como Varoufakis ou James Galbraith, é um pouco penoso.

O Rui tem três diferentes propostas (na verdade, quatro) para resolver o problema da dívida e relançar o crescimento. Se bem percebo, na primeira, e mais substantiva, proposta sugere-se a criação de créditos ficais por parte do Estado como forma de angariar poupanças. Portanto, o Estado emite títulos que servirão no futuro para pagar impostos com um qualquer desconto que torne o produto apetecível a aforradores. Qual a diferença entre tais títulos e certificados de aforro? Nenhuma. Ambas são formas de dívida pública junto do público, mudando os termos de taxa de juro para desconto fiscal. Não se percebe muito bem.

No entanto, arrisco um pouco. Partindo da afirmação do Rui que tais títulos seriam transaccionáveis (usados como meio de pagamento?), parece-me que o que está a ser proposto é uma forma encapotada de circulação monetária paralela ao euro. Uma ideia requentada de 2010 para a Grécia que pretende desvalorizar salários, pagos com estes títulos convertíveis em euros a uma taxa de desconto, mantendo os pagamentos externos e de impostos em euros (e assim pagar a dívida). Se esta proposta tem o mérito de aliviar os constrangimentos financeiros do Estado, ela consubstancia-se em pouco mais do que num corte salarial. Sim, neste caso, as mirabolantes críticas a quem defende a saída do euro fariam sentido, já que boa parte dos pagamentos internos continuariam a ser feitos em sobrevaliados euros (por exemplo, dívidas ao banco). De qualquer forma, posso estar enganado quanto à proposta do Rui Tavares, já que para tal sistema resultar, estes títulos só poderiam ser aceites como pagamento de impostos num futuro longínquo. Volto à casa de partida: não se percebe.

O que se percebe e não faz sentido é a segunda proposta: "O Governo proporia então pagar dívida com base no seguinte plano: por cada euro pago um euro seria perdoado. É um ‘corte de cabelo’, mas diferente do grego, por ser progressivo no tempo (...)". O que o Rui propõe aqui é um efectivo corte na dívida de 50% que os credores aceitariam "por ser progressivo no tempo". Ou o Rui acha que na reestruturação grega a dívida remanescente dos privados foi logo toda paga (quem lhes dera), ou o que aconteceu na Grécia corta os pagamentos a metade ao longo do tempo, logo é exactamente igual ao que o Rui propõe. Mais interessante era saber a opinião do Rui do que fazer no cenário em que os credores não aceitam a proposta nacional de corte...Fazer voz grossa, com votos parlamentares desafiantes e tudo, já foi tentado no Chipre. 

Outra proposta: a criação de um fundo soberano de poupança para fazer frente a futuras crises. Ou o Rui sabe da existência de vastas reservas de petróleo ao largo do Algarve, ou não se sabe de onde vem esta poupança. Mais austeridade? Tem resultado bem como alavanca do crescimento... Fundos soberanos são coisa de países com vastos recursos, onde as oportunidades internas de investimento escasseiam, como o Qatar ou a Noruega.

Finalmente, chega a proposta de um vago "memorando de desenvolvimento" que una os mais variados sectores sociais portugueses. Tenho muita pena, ou se definem quais são esses sectores, quais os interesses que podem confluir e, sobretudo, qual o programa subjacente, e que instrumentos de política pode mobilizar, ou estamos a propor coisas parecidas com o fim da política, onde todos concordam numa grande união nacional. Estou certo que não é nada disto que propõe o Rui, mas acho que devemos ter cuidado com este tipo de formulações. É sobretudo necessário engajarmo-nos no debate da economia política à esquerda, sem pensar, cada um de nós, ter descoberto um qualquer Graal da saída para a crise a que os partidos só não aderem porque não querem. Caso contrário, arriscamos só a introduzir ruído e confusão no debate político.

7 comentários:

  1. Rui Tavares anda há muito a querer mostrar-nos os caminhos da unidade em que nem ele foi capaz de estar e da independência que ele não foi capaz de evidenciar de modo positivo. Não lhe compro nada, soa demasiado a projecto ideológico das Produções Fictícias. Os Tavares, os Mexias, os Araújos Pereiras, os Oliveiras...

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  2. Deixando já de lado esse patetinha do Rui Tavares, aproveito a oportunidade para chamar a atenção dos progressistas, que têm consciência do colete de forças que o euro representa para a economia nacional e o futuro do país, de estudo citado em artigo do Jacques Sapir, publicado hoje no resistir.info.

    Importante para uma melhor consciência das dificuldades reais de abandono da saída da moeda única.

    Em artigos anteriores - por exemplo, o muito citado "S'il faut sortir de l'Euro", de 6 de Abril de 2011 - Jacques Sapir (que, permita-se o parêntesis, usa e abusa, frequentemente sem o necessário sentido crítico e às vezes quase até ao plágio, dos resultados da equipa de investigação do banco Natixis), apoiava-se em estudo do economista Patrick Artus - "Quels pays seraient les gagnants d’un fort recul de l’euro?", Flash Économie, Recherche Économique, Natixis, n°245, 1 de Abril de 2011 - para concluir, em particular, que a economia portuguesa ganharia com uma desvalorização do euro.

    Este artigo, do Sapir, foi abundantemente invocado e utilizado. E o próprio Sapir continuou a utilizar a mesma fonte, o artigo do Artus, como fundamento das suas opiniões.

    Sem se aperceber, aparentemente, que este economista tinha mudado posteriormente de opinião. Com efeito, a 13 de Junho de 2012, em novo estudo - "How can a significant decline in the euro be achieved?", Flash Economics, Economic Research, Natixis, n°399 -, afirmava:

    «Contudo, não é verdade que uma depreciação do euro fosse diretamente favorável a todos os países da zona euro. Os países com uma base industrial fraca e um défice comercial substancial (Grécia, Portugal, Espanha e França, gráficos 2A e B) perderiam mais com o aumento dos preços das importações do que ganhariam com a melhoria do comércio externo em termos de volume.»

    Tanto quanto me apercebo, o artigo hoje reproduzido no resistir.info, é o primeiro em que o Sapir, que vou genericamente acompanhando, faz a actualização da sua fonte de argumentação.

    Deste vez, cita novo estudo de Patric Artus - "Quels pays de la zone euro profiteraient d’une dépréciation de l’euro?", Flash Économie, Recherche Économique, Natixis, n°148, 13 de Fevereiro de 2013 - onde se conclui:

    «Para que um país da zona euro tenha objetivamente interesse num euro fraco é preciso:
    - que as suas exportações, as suas exportações para fora da zona euro, a sua indústria não sejam demasiado pequenas;
    - que as elasticidades-preço das suas exportações e importações em volume sejam suficientemente elevadas.
    Isto verifica-se na Finlândia, Itália, Holanda, Áustria.
    Inversamente, os países que têm as características opostas têm interesse num euro forte. Trata-se da Grécia, da Bélgica.
    Os outros países (Alemanha, Espanha, França, Portugal) estão numa situação intermédia.»

    (continua abaixo)

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  3. (continuação)

    É claro que estes estudos do Patrick Artus respeitam a uma desvalorização do euro e não, propriamente, a uma desvalorização da moeda nacional face ao próprio euro, ao dólar, às restantes divisas (ao ouro, se se quiser).

    Não discuto aqui a volubilidade do muito prolífico Patrick Artus (economista singular que, no meio da sua ortodoxia por vezes ultra neo-liberal, é surpreendentemente capaz de alguns laivos de heterodoxia).

    Mas realço que é nos estudos deste economista que o Sapir tem baseado uma boa parte do peso das suas fundamentações. O que, a meu ver, lhe fragiliza sobremaneira a argumentação.

    Neste aspecto, importante mas particular, dos efeitos de uma desvalorização sobre a balança comercial, atente-se finalmente que, no último estudo do Artus, citado agora pelo Sapir, a soma das elasticidades-preço das exportações e importações de Portugal aproxima-se, mas não ultrapassa a unidade (para os que se recordam da condição de Marshall-Lerner...)

    Repito que não é este o lugar para fazer a crítica destes estudos. Mas é um bom lugar para chamar a atenção dos progressistas desejosos de ver o seu país liberto das amarras do euro de que o problema dos efeitos de uma desvalorização sobre a balança comercial, o comércio externo e o crescimento do produto está muito insuficientemente estudado (e com muita argumentação viciada e errada pela base).

    HM

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  4. "É claro que estes estudos do Patrick Artus respeitam a uma desvalorização do euro e não, propriamente, a uma desvalorização da moeda nacional face ao próprio euro, ao dólar, às restantes divisas (ao ouro, se se quiser)."

    Pois, isso faz toda a diferença, pois a europa é uma boa parte dos nossos parceiros comerciais e não temos modo de controlar o fluxo de bens e capitais devido à união.

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  5. O Rui Tavares é um excelente rapaz, mas muito fraquinho em economia.
    Infelizmente, não o reconhece e é muito ousado a falar do assunto.
    Foi a conclusão que tirei de um debate a que uma vez assisti entre ele e o João César das Neves. O Rui Tavares foi pura e simplesmente trucidado, e por culpa própria.

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  6. Acima, às 14:18, no 2º parágrafo, gralha evidente: "dificuldades reais de abandono da moeda única" ou "dificuldades reais da saída da moeda única". Em simultâneo obviamente é gralha.

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  7. Apeles e o sapateiro!

    Como escrevi no Moleskine, RT, quase órfão político e já que falhou o seu Manifesto para uma Esquerda Livre (título petulante e ofensivo para muita gente) fará todos os truques para ir seguindo outras iniciativas (CDA) e ao mesmo tempo evitar a questão crucial, o euro.

    Até parece o Louçã...

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