quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

O elo mais fraco



Uma coisa que a crise de 2007-? tem deixado clara é que a aparência das crises económicas difere da sua substância. Tal como o João Rodrigues acaba de referir, e tal como tem sido também explicado, nas suas diversas vertentes e com algumas variantes, por analistas como KrugmanKeen ou Lapavitsas e associados, esta é, fundamentalmente: i) uma crise económica e não apenas financeira, causada em última instância pela retracção da procura agregada, de que os episódios financeiros (incluindo a crise das dívidas soberanas) são um sintoma e não a causa; ii) uma crise que é principalmente das economias capitalistas avançadas ‘ocidentais’, que se tem estendido às restantes sub-regiões da economia mundial por via de diversos canais de transmissão mas que não é delas originária; iii) uma crise causada pela súbita e descoordenada contracção da procura na sequência da acumulação de dívida privada a níveis insustentáveis; e iv) logo, verdadeiramente uma crise do neoliberalismo, na medida em que a acumulação insustentável de dívida privada não foi mais do que uma consequência da tentativa de manutenção de níveis relativos de consumo (e, tantas vezes, da simples satisfação de necessidades básicas, em áreas como a saúde, a educação ou a habitação, cuja satisfação deveria ser integralmente socializada) num contexto de compressão neoliberal dos salários directos e indirectos ao longo de três décadas.

Não é uma crise que, nos seus diversos episódios, tenha sido simplesmente causada pela irresponsabilidade dos segmentos mais pobres da população norte-americana na contracção de empréstimos à habitação; pela irresponsabilidade fiscal dos governos da periferia europeia; ou sequer pela desregulação financeira e pela explosão de bizantinos instrumentos derivados, por mais que estes últimos amplifiquem o potencial destrutivo multiplicador dos momentos agudos da crise. Os empréstimos sub-prime norte-americanos e a dívida soberana da periferia da zona euro são apenas os elos mais fracos nos quais ocorrem as rupturas. Estamos realmente perante a crise de um modelo socioeconómico, a crise de um modo de regulação – pelo que as tentativas a que assistimos de ultrapassá-la através de doses reforçadas do mesmo receituário estão, necessariamente, votadas ao fracasso. O problema é que este fracasso, pelo menos no curto e médio prazo, augura muito pouco de positivo.

5 comentários:

  1. De acordo e não deixa de ser extraordinária a forma como o debate centra-se numa suposta falência do estado social, ou a sua inevitável falência.

    Como escreveu Pynchon: "If they can get you asking the wrong questions, they don't have to worry about answers."

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  2. http://novaordemglobal.blogspot.com/2011/12/o-fmi-estuprando-o-mundo-uma-nacao.html

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  3. Não há alternativas macroeconómicas nacionais. Em termos de um só país apenas o despojamento e a solidariedade podem funcionar.

    A única alternativa macroeconómica é mundial e passa por regras mundiais ficasi e sociais unifomes. De outro modo, o capital, qual raposa voraz, passa pelos buracos do galinheiro e come as galinhas que estiverem mais a jeito.

    Discutir soluções ao nível de Portugal ou mesmo da União Europeia é condenar estas economias à história da URSS (esta apenas caiu porque os seus sistemas sociais eram incompatíveis com o tipo de gestão económica que aí existia). Mesmo que a realidade econóimica da URSS e da Europa (e dos EUA) pareçam muito diferentes, elas têm algo em comum: salários médios e protecções sociais/regimes fiscais médios superiores às do resto do mundo.

    Apenas com um verdadeiro Estado Social Mundial é possível ultrapassar esta situação em que os ricos do mundo são cada vez mais ricos à custa do empobrecimento da classe média e dos pobres de todo o mundo mas sobretudo dos países desenvolvidos.

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  4. Muito do que se passou decorre da inimputabilidade dos banqueiros protegidos pelo "moral hazard".

    Tirem-lhe essa rede e terão o problema do sistema financeiro resolvido.

    Não é fácil, pois não.
    Mas é mais difícil se se continuar a atirar para alvos errados.

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