sexta-feira, 10 de agosto de 2007

A crise?

A liberalização dos mercados financeiros, realizada a partir dos anos oitenta, aumentou a fragilidade financeira do capitalismo. Isto até é hoje aceite por um número crescente de economistas devido à multiplicação de crises bancárias, cambiais ou nos mercados accionistas, com impactos profundos nas economias de muitos países. Os EUA, ao contrário de tantos países, têm conseguido mitigar os efeitos destas crises devido à disponibilidade e possibilidade que a Reserva Federal tem para injectar liquidez no sistema de forma a evitar danos mais graves. Foi o que fez mais uma vez (e agora também o BCE), esquecendo temporariamente e como convém as suas fidelidades liberais, agora que uma crise financeira se desenha no horizonte (desta vez no mercado de crédito imobiliário).

Acho que é consensual dizer que a redução das taxas de juro no princípio do século, engendrada para fazer face ao rebentamento da bolha especulativa das empresas dot.com que poderia ter tido consequências ainda mais desastrosas, solucionou um problema ajudando a criar outro uma vez que alimentou a especulação imobiliária que está na base dos actuais problemas (ver aqui). No entanto, e isto é fundamental, a crise é o resultado das dinâmicas dos mercados financeiros liberalizados onde a especulação mais desenfreada alterna com os pânicos mais abruptos. A profusão de produtos financeiros cada vez mais sofisticados e complexos, que permitem teoricamente «diversificar o risco» para cada um dos agentes envolvidos, aumenta os incentivos para se desenvolverem relações de crédito cada vez mais perigosas e com menos garantias. «Frankenstein-finance» é a expressão certeira da liberal The Economist. Cresce assim a opacidade dos mercados e torna-se cada vez mais difícil para cada agente avaliar a sustentabilidade das suas posições. Até ser tarde de mais. O chamado «risco sistémico» é o resultado não intencional do somatório de decisões privadas de investimento. A permissividade liberal e a sua fé sem fim nos mercados é o pano de fundo que permite a emergência desta situação. Que se diga que tudo isto se deve ao «socialismo» nos EUA só pode ser uma brincadeira.

Nota: mais uma vez, a teoria da instabilidade financeira, intrínseca ao capitalismo com mercados financeiros liberalizados, desenvolvida por Hyman Minsky, pode ajudar a entender o que se está a passar.

2 comentários:

L. Rodrigues disse...

A propósito da intervenção do BCE um comentador do www.eurotrib.com disse o seguinte:

Politically the ECB actions are nothing short of incredible:

* ECB criticize strongly workers union for asking for raises and going to strike, totally outside of ECB mandate
* ECB criticize states for their work regulations, totally outside of ECB mandate
* ECB says because of the two above it is forced to raise rate and create unemployment and unrest, hell to evil workers and policiticans!
* ECB just creates 100 billions in liquidity to save rich people and irresponsible banks shareholder value, ECB fully responsible for the mess because it did not act
* ECB, now that rich people and shareholders are involved might not raise rates after all !!!!

Eu, pelo sim pelo não, vou adiar a compra de casa.

simpleman disse...

O THE ECONOMIST já há algum tempo que em vários artigos previu o rebentar da bolha especulativa no sector do real estate nos EUA e as repercussões nas economias do resto do mundo. Quem podia ter actuado não o fez por opção
consciente...