sexta-feira, 25 de maio de 2007

Ainda a desigualdade salarial (I)

Cada administrador das empresas cotados que fazem parte do índice da bolsa de valores portuguesa (PSI-20) «recebeu em média 863 mil euros no ano passado [mais de 160 mil contos em moeda antiga], quase cem vezes mais que o salário bruto declarado pelos portugueses à Segurança Social, e que se situa em torno dos 8.680 euros». No suplemento de economia do Público de hoje.

Saudamos a proposta tímida da CMVM, a entidade reguladora da bolsa de valores, de tornar obrigatória a divulgação da remuneração individual dos gestores de topo. Não é que isto mude grande coisa no curto prazo. Mas reforçar o direito da sociedade a escrutinar o que se passa no sector privado vai no bom sentido.

Talvez também assim se nutra a indignação moral que é necessária para adoptarmos medidas mais robustas que possam alterar este perverso padrão.

5 comentários:

  1. 100 vezes mais era o que ganhava um almirante em relacao a um marinheiro na armada espanhola no seculo XVI. aqui nos EUA a assimetria é muito maior.

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  2. Caro João,

    a indignação moral não provirá a meu ver única e simplesmente da clarificação destas assimetrias através de uma maior transparência das actividades económicas. Será uma condição necessária mas nunca suficiente...
    É necessário que haja a percepção de que estas diferenças não são justas na medida em que não reflectem apenas diferenças nas escolhas, no esforço e na vontade das pessoas. Corporizam diferentes pontos de partida, diferentes circunstâncias, diferentes processos de socialização que garantem vantagens a uns relativamente a outros. Resultam de
    diferenças de "poder" a que a cada um foi permitido aceder em virtude do "ambiente" que lhe foi proporcionado...
    Parece evidente que um homem, sendo produto das suas escolhas individuais, é também e em grande medida socialmente condicionado, sendo mesmo o leque de escolhas que lhe é permitido, limitado ou ampliado pelas circunstâncias que fizeram a sua história e que permanentemente o interpelam.
    Parece-me contudo que esta visão da natureza humana está longe de ser dominante no plano das ideias. Parece-me que pelo contrário está em regressão. Há uma predominância "ideológica" da tese do homem que se faz a si próprio e que tudo o que ele é não é mais do que o produto das suas escolhas, do seu talento, do seu esforço - que legitima todas as assimetrias, ilibando os indivíduos do "peso" que a ideia de injustiça social poderia sobre si exercer. Não há injustiça social num mundo em que cada homem se constrói a si próprio e que o recompensa em conformidade.

    Parece-me que no plano teórico há uma cada vez maior predominância destas teses. Aquilo que há algumas décadas atrás poderíamos etiquetar de ideias excêntricas é hoje ideologia dominante que subjaz à maioria do trabalho intelectual, particularmente no plano económico. Essa predominância não se limita ao trabalho intelectual mais esotérico. Torna-se quase um dado adquirido não só no plano da produção científica, como ao nível da discussão política, como na própria forma como interpretamos diversos fenómenos que constatamos quotidianamente. Impregna-se nos nosso modo de raciocinar sem que disso tenhamos consciência.

    Expor evidência destas assimetrias é importante mas falta à Esquerda (a quem estes valores são mais caros) produção intelectual "fundacional" que contrarie esta tendência hegemónica ao nível das ideias de que hoje a Direita notoriamente goza. Infelizmente a Esquerda, parece-me, sente-se confortável com a sua "razão", julgando que isso basta. Lamento dizê-lo, não basta...

    Cumps.

    P.S.: como se depreende das minhas palavras, a diferença fundamental entre Esquerda e Direita conflui, para mim, nas diferentes concepções de natureza humana que cada uma adopta: um homem inteiramente responsável pelo que é, uma vez que ele próprio é produto das suas escolhas "livres" (Direita); um homem que é, pelo menos, condicionado pelas circunstâncias sociais (ou "ambientais") onde se inscreve que afectam não só o que ele é mas também o que ele pode ser (Esquerda).

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  3. A sociedade não tem nada de escrutinar a vida dos privados, nem em caso de crime (isso ficará para os juízes)

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  4. "A sociedade não tem nada de escrutinar a vida dos privados, nem em caso de crime (isso ficará para os juízes)." (Francisco)

    João,

    I rest my case...

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  5. Caro Filipe,

    Ok, mas a questão é que Portugal se está a aproximar dos padrões de distribuição do capitalismo anglo-saxónico.

    Caro Rui,

    Concordo integralmente com o que escreveste. Obrigado por o fazeres. Apenas acrescento que esta questão pode também ser vista pelo prisma das hipóteses sobre as motivações prevalecentes: egoísmo possessivo versus motivações complexas socialmente determinadas em parte como bem afirmaste.

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