sábado, 14 de janeiro de 2017

Primeiras notas sobre o 4º Congresso dos Jornalistas

Ontem estive no 4º Congresso dos Jornalistas, supostamente o órgão máximo dos jornalistas, que decorre até domingo no S. Jorge em Lisboa.

É sempre bom que os jornalistas encontrem vontade para se juntar e discutir os seus assuntos, o que não acontecia há... 19 anos. Mas há formas e formas de o fazer. E era bom que se retirasse lições para o futuro.

O 4º Congresso dos Jornalistas nasce de um equívoco. A realização do congresso foi uma promessa feita na campanha eleitoral pela actual direcção do Sindicato dos Jornalistas. Para a direcção, era uma promessa a concretizar, mas havia ao mesmo tempo algum receio de que corresse mal. A direcção do Sindicato, com a preocupação de alargar o congresso a todos os jornalistas, delegou essa tarefa - para dizer rapidamente - numa organização externa à direcção do Sindicato. A comissão executiva da comissão organizadora não conta com as entidades que promoveram a realização do congresso: o sindicato, Casa da Imprensa e Clube dos Jornalistas.

E se a preocupação inicial era a de que o congresso não fosse apenas dos sindicalizados, o congresso tornou-se quase um congresso sem orientação sindical.

Na minha opinião, o congresso deveria ter sido um congresso sindical, com longos debates sobre o estado da arte, em que se ouvisse e se discutisse soluções. Mas foi montado como uma mistura entre conferência sobre o jornalismo e um congresso académico, onde se ouvem comunicações (umas dezenas) e em que se deixa pouco tempo para os jornalistas falar: foi-lhes reservado, na melhor das hipóteses, 7 horas em 22 horas nas sessões do congresso (isto não contando com a de discussão e votação das propostas apenas com 3 horas...). Os congressistas foram, na prática, sentados como público. 

Há vários sinais desta ausência de orientação sindical:

1) O congresso reparte-se por seis sessões de duas horas (em média), cada uma com um painel de convidados. Metade do tempo deveria ser para ouvir resumos de comunicações e os convidados. E a outra metade para os congressistas, embora caso fizessem perguntas, as suas respostas seriam remetidas novamente para o painel de convidados... Estava claro o que iria acontecer: os convidados seriam privilegiados em relação aos congressistas. A organização foi alertada a tempo, mas tudo se manteve de pé. E claro, os congressistas não tiveram tempo. Na primeira sessão, dedicada ao “Estado do Jornalismo”, o painel tinha oito pessoas convidadas (8!) e apenas houve tempo para os congressistas fazerem 4 perguntas (quatro!). E nada de intervenções... Apenas na terceira sessão, a organização decidiu abrir aos congressistas o debate, em prejuízo dos convidados, e notou-se de imediato a diferença.

2) As quatro mesas redondas previstas parecem tiradas de uma conferência em que se quis analisar as várias vertentes de quem influi no jornalismo: uma, ontem, com 19 (19!) directores de órgãos de comunicação social, em que os congressistas – mais uma vez - mal tiveram tempo para intervir porque as perguntas foram feitas pelo moderador Adelino Gomes que impediu o "pelotão de fuzilamento", para usar a expressão do Sérgio Figuiredo (director da TVI)! Haverá outra mesa com assessores de imprensa (sim!) e virão 6(!): António Cunha Vaz, Eric Burns (BCP), João Líbano Monteiro, José Arantes, (RTP África), Luís Bernardo (WL Partners), Nuno Jonet, (Tabaqueira). Uma outra sobre “Novos projetos” (com vários directores, alguns deles onde se trabalha a mata-cavalos e que nunca foram contra os recibos-verdes). E mais grave: o congresso fecha com uma mesa redonda com os patrões do sector e com a ERC (o poder político), que se chama "E agora?"

3) As sete sessões do congresso dispersam-se por muitos assuntos, sem tempo para se aprofundar devidamente nenhum deles: “O Estado do Jornalismo”, “O jornalismo de proximidade e a profissão fora dos grandes centros”, “Afirmar o jornalismo - independência e credibilidade”, “Ensino, acesso à profissão e formação profissional” e “Regulação, Ética e Deontologia” ou “Viabilidade económica e os desafios do jornalismo que é, aliás, um tema de fronteiras ténues entre os profissionais e as administrações...

4) O tema das condições de trabalho e de produção de informação – que deveria ter sido o tema nobre do congresso, pelo menos a julgar pela forma como emergiu nas várias sessões de ontem! – foi remetido para duas horas de um sábado às 9h30. Hoje. Não sei como será. À primeira vista, não me parece um horário nobre. Faria mais sentido colocá-lo sábado à tarde e à noite. Até pode ser que tenha muita gente. Vamos ver.

Todos os jornalistas são responsáveis por ter deixado as coisas atingir este estado. Mas na verdade, há jornalistas mais responsáveis do que outros. E entre esses dois mundos, a organização do Congresso não teve em conta o estado de espírito das redacções – em que todos querem falar, denunciar o que se vive. Acabou por dar muito mais espaço – quase sem contraditório – a quem está, dia após dia, a contribuir para o aprofundamento da crise actual do jornalismo.

Que o Congresso seja efectivamente um primeiro passo, de qualquer coisa porque este está a saber a pouco.

13 comentários:

  1. Por falar em ética, que tal atribuir os créditos fotográficos à imagem utilizada...

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  2. Congresso dos jornalistas?

    Não será antes o funeral do jornalismo?

    Até porque já tardava, o jornalismo está morto há que tempos, e não convém deixar para aí os cadáveres de qualquer maneira...

    E claro, a nata do “jornalismo de comentário” não poderia ter deixado de marcar presença, o Presidente dos comentários afectuosos lá foi deixar as suas condolências...

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  3. Olha! Estes ciclistas roubaram a fotografia do meu querido Daniel Blaufuks. Que bela metáfora para a actual situação do "jornaleirismo".

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  4. Devia mudar o nome do blog para Ladrões de Fotografias.

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  5. Atenção a Ética obriga a respeitar autorias e a foto está alterada e não indica o seu autor. No resto, li atravessado e perfilho algumas opiniões. Com mais algum tepo cá voltarei.

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  6. a imagem que ilustra este artigo é de um artista/ fotógrafo português sobejamente conhecido, Daniel Blaufuks. Não seria de bom tom pelo menos identificar o autor? (já nem falo da questão de retalhar a fotografia original e dar-lhe um tratamento que a desvirtua por completo).

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  7. O jornalismo não e´ somente jornalismo e pronto, ele e´ mais qualquer coisa, ele deve ser a fonte de informação e inspiração de povos inteiros por excelência.
    O jornalismo não pode nem deve ser neutro, ele, pelo menos, deve estar ao serviço da verdade doa a quem doer e, estar emperrado durante 19 anos só revela a espessura da mordaça a que esta´ sujeito.
    Ainda que a este “congresso” não faltasse a presença daqueles que fazem desse “jornalismo” um poder obstrutivo dessa verdade.
    Mais uma vez se verificou que ao processamento da democracia em Portugal falta coragem para dobrar a espiral neofascista remanescente de um passado bem triste.
    De Adelino Silva

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  8. Espero que tenham retirado a voz do dono, com as respectivas "conclusões" previamenete "decididas" tão do agrado de certas mentes "democratissimas".

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  9. Nada que não possa estimular a actividade sindical, assim haja sindicalistas e sindicalizados mobilizados.

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  10. "Nada que" dirá herr jose

    Ou o pretexto tonto para dar início, qual reflexo de Pavlov, ao seu rancor em torno dos sindicatos e da sua mobilização-

    Um verdadeiro ódio de classe, este assim manifestado de forma tão primária e agastada

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  11. Há dias, algures, eu, que não sou jornalista, escrevi que a informação e o jornalismo são coisas em vias de extinção. Pelos vistos estava redondamente enganado. Porque, de facto, são coisas que pura e simplesmente já não existem. Bastará, para conclui-lo, ler a série de comentários ridículos e analfabetos que foram semeados por aí abaixo... Os mercados funcionam de facto, sempre que há um pão e 100 famintos para comê-lo. Noventa e nove deles chafurdarão por ele. Talvez um ainda remotamente tenha ouvido falar de dignidade. E morrerá de fome...

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  12. Ele há a ética ou a falta dela e acontece em todas as profissões, algumas destas com intervenções tão gravosas como o é a dos jornalistas para o formação de opinião numa sociedade a caminho da democracia. Vejam os economistas servem-se de tudo para defenderem que a economia é uma ciência e que só há aquele caminho... Voltando aos jornalistas, quando se privatiza quase toda a comunicação social e mesmo a pública é infiltrada por interesses esconsos, queremos o quê? O problema é político, os jornalistas precisam de ganhar a vida como todos os outros... Compete aos políticos fazer leis que salvaguardem os jornalistas e de pelo menos garantirem isenção nos meios do estado. Como issso não acontece, o estado se demite da sua função, queremos o quê? Heróis desempregados a que ninguém vai apoiar nessa desgraça? Um pouco de bom senso pede-se aqui. Comecemos por exigir que a RTP garanta um jornalismo isento depois falamos...

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    1. O melhor comentario que aqui li,sem duvida. Todos criticam (e com razão) mas todos precisamos de comer...

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