domingo, 31 de maio de 2015

O problema não está nas pensões

Fonte: Despesa e Receita da Segurança Social
A ministra das Finanças veio baralhar o debate sobre as pensões ao abrir as portas a um novo corte de 600 milhões de euros em 2016.

A sua ideia - melhor: a sua ausência de ideia - não é realizar uma verdadeira reforma da Segurança Social, para a qual - disse - gostaria de ter o apoio do PS. Maria Luís Albuquerque apenas quer "comprar" a possibilidade de um défice mais elevado em 2016 por conta de um buraco na Segurança Social que, na melhor das hipóteses, seria coberto por dívida pública. Basta ouvi-la (7m30', 10m30' e 13m50') para perceber o "jogo". A sua ideia nem são as pensões - é o défice orçamental...

Mas mais falacioso ainda é Maria Luís usar o estafado argumento de uma crise iminente. E de que, "ao longo destes anos", foi "identificado um problema de sustentabilidade no sistema de pensões público". Um "falhanço" que cola muito bem com a recente opinião da OCDE e com a repetida ideia de que devemos todos procurar soluções individuais para a nossa pensão.

Essa ideia tem justificado todos os cortes possíveis e imaginários na protecão social. E, depois de tudo, está na base da nova "proposta" de Maria Luís, à pala de ser uma reforma estrutural aceitável por Bruxelas...


Ninguém questiona as tensões estruturais de um envelhecimento populacional que a recente hemorragia migracional veio adensar. Mas se há um problema, ele não é nem recente, nem está no sistema de protecção social. As receitas - e sobretudo as contribuições sociais - têm estagnado desde 2008. Mas têm estagnado porque, primeiro, a crise de 2008/9 provocou uma quebra abrupta do emprego que foi acentuada pela aplicação do Memorando de Entendimento. Essa, sim, tem sido a crise estrutural das pensões e que merece uma resposta rápida a partir das próximas eleições!

Anti-Costa


Cavaco Silva acha que “actual governador é dos poucos portugueses que sabem de política monetária”. Será que Cavaco Silva conhece o relatório da Comissão de Inquérito ao caso BES, onde Carlos Costa não se sai mesmo nada bem? Será que Cavaco Silva seguiu, por exemplo, a polémica de Carlos Costa com João Galamba, onde o primeiro revelou que a sua arrogância é só o outro lado do desconhecimento dos mecanismos de política monetária, o que não surpreende porque governa um Banco que não é de Portugal nesta e noutras áreas, um banco que tem mais economistas a atacar o mundo do trabalho do que a pensar em como controlar a finança? Enfim, suspeito, dada a sua economia política desde os anos oitenta, que Cavaco só apoia Costa porque a casta de banqueiros salvos pelo Estado sem qualquer contrapartida relevante também apoia Costa. Não foi por acaso que eu aqui apelei, há uns anos, a um manifesto anti-costa. A sua continuidade como governador é a enésima confirmação da natureza do sistema financeiro, do governo e da presidência desta república com letras cada vez mais minúsculas ou não soubesse Carlos Costa, da sua passagem pelo BCP, sobretudo dos usos de infernos fiscais...

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Unknown Mortal Orchestra - Multi-love


A Grécia em dois gráficos

A depressão grega comparada com a dos anos trinta nos EUA.

Evolução dos depósitos bancários gregos.

O que prepara o PS nas pensões?

O documento “Uma década para Portugal”, escrito pelo grupo de economistas que colaboram com o PS, tem de ser lido e relido com muita atenção, não só porque a escrita é deficiente, mas sobretudo por conter uma proposta para a reforma das pensões que parece ter sido propositadamente camuflada.

Refiro-me à subsecção 4.2.2 (pp. 48-9), intitulada “Compromisso de apoio ao rendimento e redução de restrições de liquidez das famílias”, um título que não refere o essencial. Deixemos de lado o vocabulário da microeconomia convencional que sustenta a análise, baseada numa visão problemática da racionalidade dos seres humanos, e vejamos onde quer chegar.

Muito mais que uma proposta de redução da TSU dos trabalhadores, tendo em vista o relançamento da economia portuguesa pela via do aumento do seu rendimento disponível, pretende-se reduzir as contribuições de trabalhadores com menos de 60 anos, entre 2016 e 2018, para fazer um “ajustamento das pensões num valor actuarialmente neutro para o sistema.”

Assim, a proposta raciocina como se cada trabalhador tivesse uma conta na Segurança Social e, com esta medida, visse transferida uma parte da sua pensão futura para o presente, ficando livre de decidir onde a vai gastar. Os mais necessitados consumirão o acréscimo do rendimento, o que estimula o crescimento. Os mais abonados aplicarão o dinheiro “da forma que entendam mais profícua”.

Nada de novo. Foi uma medida desta natureza que Pinochet adoptou, com o apoio dos economistas formados em Chicago, para liquidar o sistema de pensões do Chile, no início dos anos 80. Aí, a mudança foi radical e concentrada no tempo porque se tratava de uma ditadura sanguinária. Contudo, o método é semelhante.

Repare-se que o texto afirma candidamente que “a medida não tem qualquer impacto nos actuais pensionistas, nem nas pensões a pagar nos próximos 5 anos, já que os trabalhadores com idade superior a 60 anos estão excluídos da medida.” Contudo, porque os descontos de um dado mês são receita para pagar as pensões desse mesmo mês, surge naturalmente a pergunta: e quem paga aos actuais pensionistas?

De forma implícita, a resposta está no último parágrafo: a medida “não tem impacto directo nas metas orçamentais, se enquadrada como reforma estrutural ao abrigo do Tratado Orçamental”. Sub-repticiamente, diz-se que os cerca de 1050 milhões de euros (muito subestimados, segundo Bagão Félix) de pensões correntes podem ser pagos com endividamento público, porque se trata de uma “reforma estrutural” acarinhada por Bruxelas.

Porque será que este endividamento não conta? A razão é simples: na perspectiva da UE, todas as medidas que reduzam ao mínimo os sistemas públicos de pensões de base laboral são boas porque fazem a transição para um modelo radicalmente diferente: pensão pública muito reduzida e incerta porque ajustável à conjuntura, desligada dos salários, calculada como se fosse uma “capitalização” individual das contribuições, a complementar com uma pensão privada, no caso das classes de maiores rendimentos.

Tal como no Chile, o Estado endivida-se para fazer a transição entre os dois modelos. Claro, como diz o texto (com sublinhado), não há “uma alteração do contrato existente com o trabalhador”. De facto não há, nem para os pensionistas actuais nem para os futuros: as pensões por repartição não são pagas na base de um contrato de direito privado, são uma instituição fundada na lei que sustentou o contrato social do pós-guerra e fez da Europa um capitalismo de rosto humano.

Representando o ponto de vista neoliberal, Pedro Romano (blogue “Desvio Colossal”) regozija-se: “Tudo somado, só me resta dar os parabéns a quem teve a ideia. (...) Tudo isto sem ferir sensibilidades socialistas e contornando algumas das objecções políticas que seriam levantadas caso o framing fosse outro.” O acolhimento favorável desta medida em alguns sectores do “bloco central” é revelador. Se for incluída no programa eleitoral do PS, será penoso ver alguma esquerda continuar a defender entendimentos com este “socialismo”.

(O meu artigo no jornal i)

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Seminário Unipop: «A produção do medo - segurança, território e política»


«As sociedades actuais têm sido frequentemente referidas enquanto sociedades de segurança e/ou sociedades de controlo. Seja através de uma análise mais sistemática ou pela referência a acontecimentos específicos, a discussão em torno das formas e discursos da vigilância, segurança e controlo têm-se tornado recorrentes nos últimos anos. Para isso contribui a generalização de um sentimento de perda de privacidade, com a intensificação de formas de controlo e vigilância associadas à cibernética e a novas tecnologias, assim como a disseminação de formas de repressão mais ostensivas e de criminalização dos movimentos sociais, provavelmente como consequência da vaga de protestos verificada nos últimos anos. (...) Após uma revisitação de diferentes propostas teóricas, segue-se uma análise de questões como a repressão experienciada nos bairros sociais, uma discussão sobre eventuais formas de controlo social mais discretas, associadas a práticas assistencialistas e paternalistas e, portanto, menos dependentes de métodos e instituições que assentam primariamente no uso da força coerciva. Os possíveis usos da tecnologia para práticas de vigilância e segurança serão igualmente abordados, tais como os discursos e os mecanismos em que assenta a criação de alguns dos sujeitos associados a esta "produção do medo", como o "terrorista", transversais a muitos desses contextos e, como tal, centrais na legitimação e generalização destas práticas securitárias.»

Do texto de enquadramento do Seminário que a Unipop, e o Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, realizam no próximo sábado, 30 de Maio, a partir das 10h00, no Auditório 1 (Torre B) da FCSH-UNL, (Avenida de Berna, 26C, em Lisboa). As inscrições, que incluem a oferta de um livro, podem ser feitas aqui.

Programa: 10h00 - Abertura │ 10h15 – Mesa-redonda «Autores, teorias, conceitos» (Jorge Ramos do Ó, Luís Carneiro e Tiago Ribeiro) │ 12h00 - Painel 1 «Segurança e Tecnologia» (Nuno Rodrigues e Gonçalo Rocha Gonçalves) │ 14h30 – Painel 2 «Estado e assistencialismo» (Nuno Serra e Tomás Vallera) │ 15h45 – Painel 3 «Terrorismo» (Diogo Duarte e Inês Espírito Santo) │ 17h00 – Mesa-redonda «Protesto, sociedade e repressão» (Pedro Rita, Ricardo Noronha e António Brito Guterres).

Fórum Manifesto: «A Segurança Social é má para a economia?»


O quarto painel de debate da Universidade de Verão que a Fórum Manifesto promove no próximo fim-de-semana conta com a participação, como oradores, de João Galamba, José Luís Albuquerque, Renato Miguel do Carmo e Vítor Junqueira. A moderação estará a cargo de José Castro Caldas.
É no dia 30 de Maio, sábado, a partir das 16h30, na Pousada de Juventude de Almada. A entrada é livre e as inscrições podem ser feitas aqui.

Hoje: Solidários com a Grécia


«Na realidade, por paradoxal que tal possa parecer, a originalidade da esquerda que governa a Grécia tem estado, em primeiro lugar, na sua sábia capacidade para colocar à cabeça a vida das pessoas, procurando afastar as ameaças mais negras que pairam sobre o seu horizonte e promovendo um grande esforço para conter o processo de degradação da vida material e de recuo das condições de exercício da soberania nacional. (...) Ela não está no lançamento de políticas que suscitem desnecessárias fraturas sociais, na apresentação de promessas belas mas irrealizáveis no imediato, de propostas mais vincadamente ideológicas que não sejam prioritárias e possam causar injustificado alarme entre muitos cidadãos, de decisões que rompam os laços com uma política comum europeia que deve ser redimensionada mas não reduzida a pó.»

Rui Bebiano, A sobrevivência de uma nação

É como diz o José Gusmão, a propósito deste texto do Rui Bebiano: «pensar a solidariedade com a Grécia é também pensar os caminhos comuns que se podem construir na esquerda cá. Temos muito aprender com o Syriza». É isso que também está, de alguma forma, em causa no encontro que hoje se realiza na Associação José Afonso (Rua de São Bento, 170, em Lisboa), a partir das 18h00. Uma iniciativa de várias organizações para pensar colectivamente em formas de apoio e solidariedade com o povo grego.

Memória (II)


«Há um dado que talvez valha a pena introduzir neste debate: até 2012 a Segurança Social teve saldo positivo durante 11 anos seguidos e contribuiu para o equilíbrio orçamental do Estado. O "buraco" nas contas das pensões foi o Governo que o criou com a destruição de quase meio milhão de postos de trabalho, a emigração de outros tantos e a quebra nos salários. (...) E para disfarçar a asneira não têm qualquer pejo em cortar direitos, nem mesmo o mais básico, como a garantia que todo o trabalhador receberá no futuro a pensão para a qual descontou e nem um tostão a menos.»

Mariana Mortágua, Está tudo bem. Mas vamos cortar pensões

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Fórum Manifesto: «Diminuir direitos para criar emprego?»


O terceiro painel de debate da Universidade de Verão que a Fórum Manifesto promove no próximo fim-de-semana conta com a participação, como oradores, de António Casimiro Ferreira, António Chora, Manuel Carvalho da Silva e Rui Santos. A moderação estará a cargo de Margarida Santos.
É no dia 30 de Maio, sábado, a partir das 14h30, na Pousada de Juventude de Almada. A entrada é livre e as inscrições podem ser feitas aqui.

Quando o Memorando era igual a crescimento económico

No mês do quarto aniversário da assinatura do Memorando de Entendimento com a troika, nada como ouvir as declarações de Pedro Passos Coelho no dia a seguir a esse dia. Ouçam com atenção todo este troço da entrevista que deu à RTP em que se defendia que o Memorando previa medidas que iriam pôr Portugal a crescer.


Minuto 10: "O PEC 4 não deixava margem para o crescimento da economia. Não resolve nenhum problema em Portugal (...) Tudo aquilo que neste Memorando funciona a favor do crescimento da economia, incluindo a racionalização do Estado, transferência da austeridade dos cidadãos para a despesa pública e para o próprio Estado, a começar nas Fundações, nos institutos, na administração paralela, isso que nós denunciámos na altura e que o Governo [Sócrates] não quis atender, isso está no Memorando de Entendimento, mas não estava no PEC4".

A mesma confiança de hoje, a mesma segurança a falar sobre uma realidade que lhe passou ao lado. Para ouvir a entrevista completa, procurar aqui

Linha


[S]e um dos lados, obviamente o mais forte, não oferece a mais pequena concessão, então o que está em jogo não é um compromisso. O termo tornou-se um véu que oculta o objectivo da total subjugação. (…) Só a clivagem é, aqui e agora, “honrada”, precisamente porque é o veículo da ruptura, simultaneamente pré-requisito para o, e prenúncio do, que é radicalmente novo, unificando a política e a ética na luta pela emancipação popular.

Stathis Kouvelakis

É tempo de governar? É possível governar à esquerda no quadro das regras europeias? Estas duas perguntas presidem, respectivamente, à Universidade de Verão da Manifesto dos próximos dias 29 e 30 de Maio, cujas inscrições estão abertas, e à sessão na qual participarei da dita universidade.

A primeira pergunta merece uma resposta trivial, já que é muitas vezes usada para estabelecer diferenças artificiais entre as esquerdas, que, estou confiante, não resistem ao debate: é sempre tempo de governar, haja força social e eleitoral, clareza estratégica e programa adequado; uma vontade geral nacional-popular, o tal momento de unificação ético-política na escala mais realista.

A segunda pergunta merece uma resposta crítica: quem ainda esteja nesse debate, nesta altura, tem de começar a abrir os olhos. Uma só palavra: Grécia. Duas: Chipre e Grécia. Algumas mais: fuga de capitais e outras formas de pressão mais explicitas sobre um país sem instrumentos de política, colocado perante um risco que nenhum soberano pode tolerar, que é o de poder não honrar os seus compromissos democráticos na moeda que circula internamente e sobre a qual deve ter o controlo político último.

Obviamente, a pergunta não é essa: na realidade, o debate é sobre se é possível mudar as tais regras europeias, instituindo uma espécie de euro bom. Eu não creio que seja, porque a questão do euro não é de defeito, mas sim de feitio geopolítico e de classe, já que eles não estão loucos. Quem quiser enfrentar esse feitio, usando as armas dos fracos, a tal reestruturação da dívida por iniciativa do devedor, terá de pensar rapidamente, se não quiser enfrentar, a prazo mais ou menos curto, a subjugação, em pelo menos duas coisas: controlo de capitais e moeda própria. Governar à esquerda, hoje, nesta periferia, começa por aqui.

Tentarei adicionalmente argumentar que o Estado social, regime socializante coerente assente em quatro pilares – serviços públicos e prestações sociais de alcance universal, política económica de pleno emprego e contratação colectiva –, estará condenado a definhar sem a tal ruptura. Feitio, uma vez mais.

Como podem imaginar, haverá debate. Sempre foi assim na Manifesto e é sobretudo por isso, pelo debate constante, ou seja, pela aprendizagem, que eu participo nesta associação política. Isto apesar de discordar do caminho político que trilhou nestes últimos tempos, não o acompanhando, naturalmente. No campo político-eleitoral, dado o diagnóstico que faço, parece que não tenho, no presente contexto, outra escolha que não seja a de marchar, marchar

terça-feira, 26 de maio de 2015

Fórum Manifesto: «O que queremos fazer do Estado?»


O segundo painel de debate da Universidade de Verão que a Fórum Manifesto promove no próximo fim-de-semana conta com a participação, como oradores, de César Madureira, Mariana Vieira da Silva, Nuno Teles e Ricardo Paes Mamede. A moderação estará a cargo de Nuno Serra.
É já no dia 30 de Maio, sábado, a partir das 10h30, na Pousada de Juventude de Almada. A entrada é livre e as inscrições podem ser feitas aqui.

A miséria moral da caridade, das políticas que a promovem e das organizações que a praticam


Vale a pena ler na íntegra a recente notícia do Público sobre o caso de uma mãe, em Sesimbra, que perdeu a ajuda alimentar por se queixar de ter recebido leite fora do prazo, para uma bebé com seis meses. Por mais insólitos que sejam os detalhes deste episódio, ele traduz, muito mais do que se possa pensar, o padrão de actuação das organizações privadas de solidariedade social e, sobretudo, os arranjos institucionais que potenciam este tipo de situações e nos quais repousa a florescente economia política da caridade.

Já não se trata apenas da ideia, latente, de que «para quem é, bacalhau basta». Isto é, a percepção mais ou menos subconsciente, de técnicos e dirigentes, segundo a qual «o pobre» é uma espécie de cidadão naturalmente diminuído, pela sua condição e perante os que o «ajudam», nos seus direitos e dignidade. Tal como já não se trata apenas do desequilíbrio de poder que se estabelece e que cunha, de forma indelével, a relação entre organizações da «sociedade civil» e seus beneficiários, e que impede que muitos casos, como o da mãe de Sesimbra, cheguem ao conhecimento da opinião pública. Isto é, a subordinação, explícita ou tacitamente imposta, que levou Andreia Branco, durante algum tempo, a não reclamar pelo leite fora de prazo, para «não parecer pobre e mal-agradecida». Como já não se trata somente das consabidas discricionariedades, subjectivismos, despóticas arbitrariedades e sobranceiros julgamentos morais, que impregnam as práticas assistencialistas, reforçadas nos últimos anos com o bolor salazarento da «sopa para os que são pobres» e da caridadezinha.

O dado novo, mais relevante, é o do incentivo e total legitimação política desta cultura retrógrada e moralmente desprezível de intervenção social, que se quer hegemónica. Como? Dispensando estas organizações de qualquer espécie de escrutínio e do cumprimento das mais elementares regras de política social pública (incluindo a dignidade e a qualidade das respostas), ao mesmo tempo que são despejados, sobre elas, abundantes recursos orçamentais. Muito para lá - sublinhe-se - dos recursos que foram retirados às famílias, no âmbito dos apoios que até aqui recebiam, com acompanhamento técnico, através do RSI ou do CSI. Bem vindos pois à «indústria da pobreza» de Isabel Jonet, que contribui para que o Estado «não se meta demais em coisas em que não deve» e onde a «a caridade vale mais que a solidariedade», pois «é amor (...) e serviço». Como pôde aliás constatar a mãe da bebé de seis meses, Andreia Branco.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Memória (I)


«O Passos Coelho que critica uma proposta do PS - que mantém a proibição constitucional de despedimento sem justa causa e não retira direitos ao trabalhador - por ser "demasiado liberal" é o mesmo que propôs isto:
"Passos Coelho quer riscar a expressão "justa causa" do artigo da Constituição que impõe limites aos despedimentos. O partido laranja substitui a expressão por "causa atendível".»

João Galamba (facebook)

Fórum Manifesto: «É possível governar à esquerda no quadro das regras europeias?»


O primeiro painel de debate da Universidade de Verão que a Fórum Manifesto promove no próximo fim-de-semana conta com a participação, como oradores, de João Rodrigues, José Gusmão, Pedro Delgado Alves e Rui Tavares. A moderação estará a cargo de Filipa Vala.
É já no dia 29 de Maio, sexta-feira, a partir das 21h45, na Pousada de Juventude de Almada. A entrada é livre e as inscrições podem ser feitas aqui.

Enquadrar...

Hoje, em Coimbra, podem participar num debate sobre o “sistema bancário: Há solução sem controlo público?". Será no belíssimo Café Santa Cruz a partir das 21h30. Nele intervirão Mariana Mortágua, Miguel Cardina e Nuno Teles. Será um debate entre especialistas que não desistem da popularização sobre todo um sistema, as suas estruturas, os comportamentos predatórios favorecidos e os modos de o superar.

Talvez a provocadora formulação de Mortágua – “O maior erro é achar que isto é culpa do Ricardo Salgado” – possa servir de mote. Como o Nuno Teles também tem sublinhado, o Espírito Santo foi e é uma toda uma economia política da financeirização sobredeterminada externamente pela integração europeia. Aposto que isto não vai melhorar com o reforço em curso do controlo estrangeiro da banca, sabendo nós o que aconteceu também devido a isso noutras latitudes.

Bom, aposto que fará o seu caminho a ideia de que uma regulação nacional conforme ao interesse público, e não aos míopes mercados, só pode existir com modificações no regime de propriedade e nas lógicas de gestão da banca. Isto no muito actual espirito de um decreto-lei aprovado fez quarenta anos no passado dia 14 de Março.

Entretanto, as circunstâncias externas de liberalização financeira e integração monetária, obrigam a levar mais longe esta discussão e estou certo que isso será feito, ou seja, o debate também será o seguinte: é possível desfinanceirizar a economia, controlar a banca e o bem público que é o crédito, sem reestruturar a dívida, sem impor controlos de capitais e sem um banco central nacional digno desse nome, ou seja, sem sair do Euro, o principal marco da tal financeirização?

domingo, 24 de maio de 2015

Quem é o culpado por estas situações?


Filomena, 29 anos, solteira, trabalhava num restaurante, não tinha contrato: "Sabe o que a última patroa me fez?! Trabalhei para ela um ano a pensar que estava coberta pelo desemprego, mas a senhora do Fundo de Desemprego disse-me: 'Olhe, minha senhora, eu não lhe lhe posso dar subsídio porque a sua patroa não lhe fez descontos'. Eu também disse à srª Drª da Segurança Social: 'Eu não quero subsídios, que anda muita gente a viver disso, eu quero é trabalho!' E ela disse-me: 'Filomena, pense bem, a sua filha ainda passa fome'. E se calhar é isso mesmo! Acho que tenho de recorrer ao Rendimento Mínimo".
Leonardo, 47 anos, casado, dois filhos, sempre trabalhou nas "obras", não tem direito a subsídio de desemprego: "A minha situação financeira é má. Sim! Não tenho nada, não tenho valores, estou a viver debaixo do tecto dos meus pais".
Maria da Encarnação, 51 anos, casada, um filho, operária têxtil: "Nunca pensei estar desempregada. Pensava que nunca viria para a rua, pensei que nunca iria chegar a minha vez. Eu penso que é por causa dos chineses. Levanto-me todos os os dias cedo para fazer o cesto para o meu marido levar, trato das terrinhas, trabalho e não tenho rendimento. O meu maior sonho era ir para o Luxemburgo".
Paulo Sérgio, 39 anos, solteiro, desenhador da construção civil: "Quero organizar a minha vida e não posso. Quero casar e não tenho condições. Partilho o meu apartamento que comprei e tenho de pagar. Arrendo dois quartos. Também faço uns trabalhitos em relojoaria que o meu avô me ensinou quando era miúdo".
Lurdes, 48 anos, divorciada, trabalhava num restaurante: "Estou a receber o subsídio de desemprego, mas quando deixar de receber, se não arranjar trabalho, aí é que não sei como vou viver. Sinto-me deprimida. Precisava de mais dinheirito, precisava de arranjar os dentes e não tenho dinheiro. Os rendimentos são poucos. Mas quando eu estava a trabalhar também deixava de comprar muitas coisas porque o dinheiro já não chegava. Não tenho carro, o que é um problema para arranjar trabalho".
Maria da Conceição, 54 anos, divorciada, duas filhas, trabalhava no Pingo Doce, na peixaria: "Complicadíssimo! Acabou o Fundo de Desemprego, nunca mais tive um tostão. Deixei de comprar roupa e agora só ando de preto pela minha mãe. Já fui à Segurança Social para ver se me reformam. Tenho necessidade de ser reformada, porque tenho necessidade de dinheiro, não tenho quem mo ganhe para pagar a água, a luz, para comer. A minha filha mais velha não pode andar a sustentar-me. Fico em casa, só vejo televisão. Tenho alturas que penso se é melhor viver ou morrer".

O livro de Jorge Caleiras - que vai ser apresentado na próxima quinta-feira, às 18h no CES em Lisboa, Picoas Plaza - é todo um trabalho baseado em relatos. E cada relato é um mergulho numa história, num caso falhado de emprego que se transformou numa vida em labirinto.

Quanto mais expurgamos a realidade daquilo que é, tendemos a criar filtros que nos impedem de ver o drama pessoal. O desemprego é muito mais que um número, muito mais do que um fenómeno, muito mais do que um "mercado" de políticas económicas. É algo destrutivo, que dá cabo prolongamente da vida de pessoas, de um país.

Que se pense nisso quando se ouvir membros do Governo dizer algo como: "Estamos muito preocupado com o desemprego que ainda é excessivamente elevado, mas quando chegámos ao Governo já a taxa estava em 11%. Não havia outra forma de fazer o ajustamento senão agravá-la"...

Hoje: Prémio Miguel Portas


No momento em que o mediterrâneo se transforma num mar de morte para milhares de homens, mulheres e crianças que tentam fugir à fome, à guerra, à tortura e à morte, a Associação Cultural Miguel Portas, promove um debate sobre o tema “O Mediterrâneo entre pontes e margens. Representações do Outro e migrações”, dia 24 de maio de 2015, a partir das 16h00 na Livraria Ler Devagar, na LX Factory, em Lisboa.

Nesta sessão de debate e de lançamento da edição do Prémio Miguel Portas 2015-2016, participam José Manuel Pureza, Maria Cardeira da Silva e Miguel Vale de Almeida.

sábado, 23 de maio de 2015

De lá para cá e de cá para lá


Syriza tem que fracassar, senão, como os governos dos outros países da União Europeia continuarão dizendo a seus povos que não há alternativa?

Vale a pena seguir o Blog do Emir, vale a pena seguir o que o economista político brasileiro Emir Sader vai escrevendo sobre o que se passa do lado de lá e do lado de cá. É uma das minhas fontes para perceber o que se passa do lado de lá e para identificar os ensinamentos para o lado de cá. Afinal de contas, ao contrário de cá, lá as forças progressistas tiveram, apesar de todas as dificuldades, vitórias significativas desde a viragem do milénio. Cá, as derrotas têm-se sucedido. Uma das razões é indirectamente apontada por Sader: “Uma certa esquerda europeia tem dificuldade de compreender o caráter nacionalista, antimperialista, popular, dos governos posneoliberais.” Uma certa esquerda europeia ainda dominante não acerta na chave ganhadora da política nas semiperiferias e nas periferias do sistema mundial. Entretanto, o Syriza, claro, não tem de fracassar: basta só levar o seu carácter objectivamente nacionalista, antimperialista e popular até às suas consequências mais óbvias. Precisamos mesmo no lado de cá de governos pós-neoliberais, ou seja, de governos que reconquistem a margem de manobra que só a reconquista de instrumentos de política pode conceder.

Universidade de Verão: «É tempo de governar?»


No esteio das edições de anos anteriores, a Associação Fórum Manifesto promove mais uma Universidade de Verão, que se realizará na Pousada da Juventude de Almada nos próximos dias 29 e 30 de Maio.
Este ano, o evento é dedicado a um conjunto de debates que se perspectivam como fundamentais no ciclo de governação que se avizinha, mantendo-se os traços de abertura, encontro e pluralismo que marcam, desde o seu início, as universidades de Verão da Manifesto.
A entrada é livre e as inscrições podem ser feitas aqui. Apareçam e divulguem. São todos muito bem-vindos.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Reduzir a TSU dos trabalhadores: o início de uma reforma subversiva


Nos anos cinquenta, a Universidade de Chicago participou num programa de ajuda do governo dos EUA visando formar um grupo de economistas de alto nível para ensinarem na Universidade Católica de Santiago e enfrentarem a teoria económica de esquerda, preponderante na América Latina daquele tempo. (...)
Começaram a defender publicamente o monetarismo e, anos mais tarde, no regime de Pinochet, com a ajuda de colegas dos departamentos de economia de grandes universidades americanas, foram elaborando propostas para uma viragem radical na política económica do Chile [incluindo uma reforma das pensões]. (...) O novo sistema eliminou a velha segurança social substituindo-a por contas privadas individuais [descontos para si mesmo]. Quem tinha contribuído para o sistema anterior recebeu ‘títulos de dívida’ do Estado que foram depositados nas contas e rendiam quatro por cento. As receitas do novo sistema foram geridas por fundos de pensões privados. A taxa do desconto para a pensão foi fixada em 10% do salário, adicionada de 3% para um seguro de vida e invalidez. Isto reduziu substancialmente os descontos e aumentou o montante do salário líquido, o que tornou o novo sistema muito popular entre as classes trabalhadoras.

(Mitchell Orenstein, 2005)


Um outro importante revés na campanha de privatização das pensões veio do Chile, aquele muitíssimo simbólico lugar, onde um governo de centro-esquerda da Presidente Michelle Bachelet iniciou em 2006 uma grande reforma do pioneiro sistema privado de pensões. Na introdução ao Relatório da Comissão de Reforma das Pensões, Bachelet anunciou que o sistema privatizado tinha “baixa cobertura ... pouca concorrência e grandes encargos em comissões ... e discriminava as mulheres”, uma incrível confissão para um país cujo sistema de pensões se tinha tornado um modelo internacional.

(Mitchell Orenstein, 2011)

quinta-feira, 21 de maio de 2015

O que não se vê não existe?


«A agressão policial a um adepto do Benfica à saída do estádio, em Guimarães, se não estivesse por perto uma câmara de televisão, não passava, quanto muito, de uma nota de rodapé: "Adepto benfiquista constituído arguido por cuspir na cara de um polícia". As imagens mostraram uma realidade bem diferente e deram para a abertura de telejornais, paragonas de primeira página e artigos de opinião, indignação nas redes sociais e referências na imprensa estrangeira.
Hoje [20 de Maio], no debate no Parlamento, ao ouvir o senhor primeiro-ministro (e alguns deputados da maioria que sustenta o governo) a falar no sucesso da governação dos últimos 4 anos, sem que passassem as imagens do dia-a-dia das dezenas de milhares de famílias desempregadas, das macas com doentes amontoadas nos corredores nos hospitais, da pobreza e do desalento que por aí crassa, dei por mim a ouvir o senhor primeiro-ministro a dizer: "Adepto benfiquista constituído arguido por cuspir na cara de um polícia".»

Tomás Vasques (facebook)

Flexi com pouca segurança



Se o PS está a ouvir opiniões sobre as suas propostas - até as consolidar a 6 de Junho - era bom chamar a atenção para a desprotecção que a proposta do PS consagra aos trabalhadores despedidos.

Uma das ideias da proposta do PS é conceder uma maior margem de manobra quanto a despedimentos individuais, por forma a conceder às empresas uma maior agilidade na sua gestão. Algo a compensar com maiores indemnizações por despedimento individual (página 31), para dissuadir uma gestão menos criteriosa do despedimento. Um conceito próximo da Flexi-Segurança.

Independentemente dos motivos subjacentes - questionáveis face aos níveis actuais de desemprego - a compensação proposta é tudo menos dissuasiva.

A actual lei prevê 12 dias salariais de indemnização por cada ano de "casa", com um máximo de 12 meses. A proposta do PS alarga para18 dias nos primeiros 3 anos de "casa" e 15 dias nos anos restantes, com um minimo de 30 dias e um máximo de 15 meses. O desenho visa penalizar a alta rotatividade da mão-de-obra. Até aqui tudo bem. Salvo num pequenos aspecto: é que os valores de indemnização são muitos baixos e, por isso, pequenas nuances na compensação por despedimento resultam em pequenas nuances de indemnização.

Veja-se o que acontece para os valores médios de retribuição - 642 euros (2013, últimos conhecidos) - e de ganhos médios - 1093 euros (intregrando a retribuição média e outras retribuições).


Independemente de pequenas incongruências - visíveis no último gráfico e que parecem resultar do facto de que o impacto das propostas não ter sido estudado segundo os valores de indemnização - o gráfico levanta uma questão de fundo:

1) serão 2500 euros de indemnização (o máximo de diferença que a proposta do PS concede) algo inultrapassável por qualquer empresa estruturada para um trabalhador que já estava há 30 anos na mesma empresa?
2) serão 500 euros de indemnização algo dissuasor para impedir a alta rotatividade da mão-de-obra (até 3 anos)?

Mesmo contando com os ganhos mensais (que integra a retribuição e outras remunerações), os valores são dispiciendos e não impedem a alta rotatividade dos trabalhadores - menos de mil euros nos primeiros 3 anos de "casa".


Pior: se a alta rotatividade é para ser combatida, ataque-se o trabalho temporário e nada disso é referido na proposta. Será que isso tem a ver com o facto de o provedor das empresas de trabalho temporário (Vitalino Canas) ser membro da comissão nacional do PS?

Se o PS quer chamar a si massas de trabalhadores para defender uma proposta que facilita o seu despedimento, então terá de conceder valores que lhes sejam "aliciantes". E a proposta não atinge esse nível. Tem de pagar mais. Muito mais.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Romper com o pensamento dominante


[No livro] Há uma discussão detalhada que derruba os mitos que fizeram da austeridade a única alternativa. Essa parte do texto oferece ao leitor a incursão numa nova maneira de pensar a economia, exigindo dos economistas a tomada de consciência de que o actual paradigma falhou e precisa de ser substituído.

Essa tarefa encontrará uma resistência maciça dos interesses instalados que sustentam o seu poder com a manutenção do status quo na economia, pouco lhes importando o quão desastroso ele tem sido para o cidadão comum.

Neste momento, a Europa está presa num pensamento de grupo neoliberal, destrutivo, o que representa um estado de negação em grande escala.

É necessária uma grande fuga da prisão para restaurar a prosperidade e a esperança.

(Últimas linhas da Introdução)

Sorte

Primeiro, foi o escândalo das hipotecas fraudulentas. Pagaram uma multa. Depois veio o escândalo da manipulação da principal taxa de juro de referência internacional, a LIBOR. Pagaram uma multa. Hoje, sabemos o resultado da investigação à manipulação das taxas de câmbio. Pagam uma multa.
Os criminosos são sempre os mesmos em todos estes escândalos (JP Morgan, UBS, Barclays e tutti quanti).
O resultado também é sempre o mesmo: nem um julgamento.

Escrever sobre a Grécia não é fácil...

Ao contrário do que por vezes corre em círculos europeístas, que desgraçadamente ainda dominam entre a intelectualidade de esquerda, as elites do poder europeu não estão loucas. Pelo contrário, sabem bem o que estão a fazer e têm os instrumentos necessários para levar a sua avante, como aqui tenho defendido. Só avaliando bem a racionalidade dos adversários e as suas estruturas, caso do euro, é que se pode esperar conseguir alguma coisa.

Um dos mais prováveis sucessos das elites é o de terem conseguido impedir a exportação do modelo do Syriza para Espanha, já que estou convencido que o declínio do Podemos nas sondagens também se deve aos desenvolvimentos gregos. A Grécia só pode contar consigo. Graças a uma operação que envolveu uma pressão continuada, do BCE à CE, para desestabilizar financeiramente a economia grega, incluindo por via da promoção da fuga de capitais, a situação é mais difícil hoje do que era no início em termos da relação de forças com os credores. Aparentemente, o novo governo grego não estava preparado para este nível de hostilidade e não tinha instrumentos para lhe fazer face, caso dos controlos de capitais.

A mensagem do centro foi e é clara e os povos estão a escutá-la, dado que as pessoas não são parvas: toda a desobediência, por mais moderada e europeísta que seja, será punida e toda a obediência terá o seu prémio, por pequeno que este seja e obtido depois de muito sofrimento assimétrico e evitável, até por via do alívio das condições financeiras. A moeda é uma arma do soberano. Como responderão os povos a isto? A resposta não é independente da posição das forças nos terrenos que contam e que são os nacionais.

Entretanto, o governo grego conseguirá, provavelmente, o tal acordo que o manterá financeiramente à tona de água, mas a sua capacidade de mobilização e inspiração internacionais parece ter diminuído. Para mobilizar e inspirar é preciso ter instrumentos e usá-los. Nada está ainda perdido, claro, mas o seu programa original de reestruturação da dívida no interesse do devedor no quadro euro não tem viabilidade e hoje tem ainda menos do que a pouca que tinha quando o governo tomou posse. Não se ganhou tempo. A natureza do cerco é clara e os seus efeitos a prazo nas corajosas linhas vermelhas que persistem também, sendo esta a aposta mais racional das elites do poder europeu. Não estão loucas.

Sabendo nós que a hostilidade da elite do poder europeu tem feito mossa nas convicções europeístas de uma maioria da direcção do Syriza que esperava ter mais margem de manobra, tornam-se salientes duas questões que reverberam para lá da Grécia: qual será a prazo, curto e médio, o efeito disto e haverá condições para alterar a linha? É que os termos há muito que estão claros: ruptura ou rendição.

terça-feira, 19 de maio de 2015

Hoje: «O Memorando do Desajustamento»

«No dia 17 de maio de 2011 foi assinado o memorando entre o Governo português e as instituições da troika. Quais eram as expectativas, os objetivos e as promessas? Onde estamos quatro anos depois? Quais foram as consequências? Que "ajustamento" ocorreu na realidade?»

Programa:
15h00 - A recepção do memorando na comunicação social (João Ramos de Almeida)
15h30 - Trabalho (Jorge Leite)
16h00 - Acção Social (Sílvia Ferreira)
16h30 - Pausa
16h45 - Protecção Social (José Luís Albuquerque)
17h15 - Educação (Paulo Peixoto)
17h45 - Saúde (Pedro Lopes Ferreira)
18h15 - Debate
19h00 - Encerramento (Manuel Carvalho da Silva)

Entrada gratuita, inscrições aqui. É no CES-Lisboa (Picoas Plaza, Rua do Viriato, 13). Apareçam.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Para tempos financeiros

Estou a ler o último livro de Martin Wolf, talvez o principal comentador do Financial Times, sobre a crise financeira e as suas lições. Há agora uma tradução, mas não sei se é decente. Sobre o livro, ao qual certamente aqui voltarei, posso já dizer que é bastante crítico da economia convencional: “a crise ocorreu, em parte, porque os modelos económicos convencionais fizeram com que esse resultado fosse improvável na teoria, tornando-o assim mais provável na prática”. Temos insistido neste ponto, embora sem uma formulação tão elegante: mercados financeiros declarados eficientes e povoados de agentes mais ou menos omniscientes são ingredientes para todas as complacências liberais. Martin Wolf, pelo contrário, passou a valorizar, entre outras, a hipótese da instabilidade financeira do capitalismo, que é acentuada em algumas das suas configurações institucionais, situando-se explicitamente na linha na linha de Hyman Minsky, ou seja, na linha de uma tradição intelectual crítica que por aqui também valorizamos. Entretanto, e no debate público nacional, não deixa de ser curioso que seja aparentemente da área do PS que tenha vindo o mais recente e robusto contributo para dar aos tais modelos económicos convencionais de equilíbrio um papel acrescido na determinação da linha política num país sem instrumentos decentes de política económica. Porque será?

Leituras


«"Em vez do colossal aumento de impostos, [o PSD] deveria ter feito uma colossal redução da despesa", afirmou esta semana ao Público Eduardo Catroga. (...) Qual é, então, o problema destas declarações? São Falsas. (...) Não só o enorme aumento de impostos foi inferior ao brutal corte na despesa, como ocorreu numa fase posterior, para compensar o falhanço colossal da estratégia inicial do Governo, assente numa contracção da despesa que se revelou catastrófica. Como bem descreve Hugo Mendes, (...) a consolidação foi feita através de uma diminuição da despesa primária de €7,4 mil milhões e de um aumento de €4,5 mil milhões na receita. (...) E é aqui que deviam começar os pedidos de desculpa. Desde logo, em relação à receita aplicada, assente num erro no multiplicador e na ideia de que os cortes na despesa têm um efeito virtuoso. A crença na austeridade expansionista, traduzida numa contracção brusca da despesa, teve efeitos económicos devastadores.»

Pedro Adão e Silva, Pedidos de desculpa

«Portugal viveu quatro anos de desajustamentos e a esmagadora maioria da população foi sujeita a sofrimentos inúteis. As fragilidades detetadas na economia, na sociedade e na organização e funcionamento da sua vida coletiva não foram resolvidos; no geral agravaram-se. A continuação das políticas de austeridade, que o Governo e as instâncias europeias nos encomendam, visam subjugar-nos à inevitabilidade do sofrimento como destino, para com ele expiarmos as culpas de sermos povo do sul da Europa e de termos aspirado a um futuro melhor. Para os donos do clube do euro, se aí quisermos estar terá de ser na condição de membros de segunda; se quisermos sair esperam-nos todos os castigos do deus-mercado. (...) A celebração da vida de que precisamos não é a da submissão a estas injustiças e ao escuro das "inevitabilidades" que as sustentam.»

Manuel Carvalho da Silva, Celebremos a vida

«Nesse critério [considerar recessão o período que vai desde o início da queda do PIB até ao seu regresso ao ponto de origem], Portugal está ainda longe de recuperar. (...) A economia portuguesa é a quarta mais distante de conseguir voltar ao PIB trimestral pré-crise. Mais concretamente, o PIB do primeiro trimestre deste ano é o maior desde o início de 2012, quando a economia ainda vinha a descer, e encontra-se a 7,1% do conseguido há sete anos. É uma distância de 2,9 mil milhões de euros, a preços constantes (descontando a inflação), que em termos percentuais apenas é ultrapassada por Chipre (8,9%, na terceira posição), Itália (9,3%, na segunda posição) e Grécia, que lidera destacada com uma distância de 26,5%. (...) Esta dificuldade em "regressar" a 2008 é um dos pontos em que a zona euro perde claramente para os EUA, onde a crise financeira deflagrou.»

João Silvestre, PIB ainda 
a 7,1% 
de "voltar" 
a 2008

domingo, 17 de maio de 2015

Países "ricos" e "desenvolvidos" na revista "The Economist"

Ele há coisas que apenas um dirigente de um país que não é "rico" ou "desenvolvido" faz. E uma delas é precisamente achar que o dito país é "rico" ou "desenvolvido".

Décadas atrás, estava Aníbal Cavaco Silva nas funções em que está hoje Pedro Passos Coelho, o governo português protestou junto da revista britânica "The Economist". Tudo porque nas suas páginas finais, dedicadas a estatísticas do Mundo, Portugal aparecia nos países "em desenvolvimento", como Turquia, Vietname, e coisas assim. E Portugal, lá está, já era um país "desenvolvido".

Cavaco Silva, do alto dos seus galões de primeiro-ministro de um país "desenvolvido", encheu-se de brios e escreveu - ou mandou escrever - uma daquelas cartas que começa por "dear sir", a que se seguem todos os insultos possíveis, escritos no mais "polite" estilo, de quem lá estudou.

A direcção da revista acusou o toque e resolveu a questão. Tirou Portugal da lista dos países "em desenvolvimento", mas também dos países "desenvolvidos" e dos países "pobres". Desapareceu do mapa.

Até hoje.

Memórias da luta contra as propinas


«Os movimentos sociais acontecem sempre nos momentos em que há uma espécie de desconexão entre expectativas e experiências de vida. Há uma geração que já é a geração que viveu a democracia, que viveu num discurso de aproximação à Europa e de que Portugal vai ser um país moderno. Que viveu no discurso de que a educação é fundamental para o desenvolvimento do país. E quando passa o funil e entra na universidade e encontra uma universidade muitíssimo degradada e ainda lhes vêm dizer, depois de eles terem conseguido aceder à universidade, pelo seu mérito, que vão ter que pagar a frequência do ensino superior. Tudo isto gera uma sensação de mal-estar.» (Ana Drago).

«A maioria das associações académicas eram controladas pela JSD. E então o que é que eles pensaram? Vamos fazer o seguinte: as nossas associações vão-se pronunciar contra o aumento das propinas, enquanto não houver reforço na acção social escolar. Eles perceberam que iriam ter oposição por parte dos estudantes se se pronunciassem a favor da lei e então arranjam esta formulação, que se passou a chamar "não enquanto". E portanto houve uma série de associações, ao início a maioria das associações, que diziam que eram contra o aumento das propinas enquanto não houvesse reforço da acção social escolar. E o que é que eles entretanto prepararam? Prepararam obras que até já estavam previstas, projectadas e orçamentadas, mas incluíram isso num pacote a propor aos estudantes como contrato social. As academias em que as respectivas associações assinassem esse contrato social iriam ter a construção de residências estudantis, de cantinas, etc.» (Nuno Fonseca)

«As condições em que hoje os estudantes vivem são muito diferentes das que eu encontrei quando entrei. Na altura havia mais estudantes deslocados e hoje há menos. Há uma maior regionalização dos estudantes. Passividade e apatia sempre existiram. No movimento estudantil como noutros movimentos. Mas de quando em quando ressurge qualquer coisa. Há um ciclo de luta, um ciclo de protesto. Eu cheguei em 2001 à universidade e uma das formas de luta era o boicote ao pagamento das propinas. Que já estava a cair. Só que há então uma coisa que fez com que os estudantes se mobilizassem: quando há um corte no investimento da educação. As propinas mantêm-se mas há um corte. E este corte iria significar menores bolsas, menor apoio da acção social... E aí houve uma grande mobilização.» (João Baía)

Das intervenções de Ana Drago, Nuno Fonseca e João Baía no debate sobre «A Luta Contra as Propinas», realizado na República do Bota-Abaixo, em Coimbra, no passado dia 29 de Abril. Um interessante mergulho no tempo, ilustrado por memórias vividas e às quais se junta a interpretação, política e sociológica, da sucessão de acontecimentos, das vitórias e das derrotas nos dois lados da barricada. A luta das propinas constitui toda uma lição sobre sobre a força do gradualismo em política, sobre o tal manual de instruções para cortes banais que a direita manuseia com especial habilidade. E que permite compreender, em grande medida, as batalhas perdidas.

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Valeu a pena?

Fonte: Banco de Portugal, boletim estatístico
Quatro de anos de ajustamento mereciam um balanço. Valeu a pena?

Quem releia as crónicas dos directores de jornais de economia de há quatro anos a esta parte, fica com uma estranha sensação. Como foi possível que a sua maioria tivesse enveredado por um 25 de Abril ao contrário, pleno de esperanças de que o Memorando da Troika fosse o melhor programa de Governo - e a troika o melhor Governo - que Portugal jamais tivera? Ia-se arrumar a casa, era urgente arrumar a casa! Parecia o ambiente do PREC em 1975, um PREC conservador.

Estavam tão contentes. Havia uma lógica simples. Um consumo desenfreado e doentio, baseado na quebra da poupança e no endividamento, tanto público e privado, alimentava um desequilíbrio externo e um desequilíbrio orçamental. Atacando na raiz, ia melhorar-se tudo. As contas orçamentais seriam o espelho do défice externo e vice-versa. A austeridade era o instrumento para levar a cabo um novo pensamento sobre as funções do Estado. Mais parco, claro. E a libertação de recursos - com estas mesmas palavras, "libertação" - iria estar na base de um modelo económico mais saudável, assente na competitividade e nas empresas. Lembram-se?

O Haiti não é aqui


Eis o ponto a que chegámos. É necessário incluir o Terceiro Mundo no universo de referência para nos podermos considerar um país rico.

Terceira via na TSU

No relatório “Uma década para Portugal”, apresentado por um grupo de economistas que apoiam o PS, há um tema que tem merecido algum debate público, embora nem sempre clarificador. Trata-se da taxa social única (TSU), a fonte de financiamento da Segurança Social que, como recordou o líder deste grupo, já se converteu em muitos países europeus num instrumento de política económica. Como é evidente, o quadro das políticas da UE é tratado como um dado.

Tendo banido a política orçamental, as autoridades da UE fazem depender o crescimento económico e a criação de emprego da redução dos custos das empresas, com destaque para a TSU. Não admitindo a interdependência entre procura e oferta, apenas interessam os custos salariais e outros que afectam a competitividade, o crescimento e a criação de emprego. Por isso, no âmbito da tutela dos orçamentos nacionais ("Semestre Europeu"), a TSU também é tratada como um factor de competitividade. Neste contexto supranacional, é irrelevante que o relatório invoque o artº 58º da Constituição (direito ao trabalho), com a sua referência a políticas de pleno emprego. Como também são irrelevantes as referências à "estratégia dos clusters e pólos de competitividade" para promover a inovação. Apenas verniz retórico face aos constrangimentos (inconstitucionais?) do paradigma do Tratado Orçamental.

É verdade que a proposta de redução da componente patronal da TSU "incidirá apenas nas contribuições dos trabalhadores com contratos permanentes", visando "estimular a oferta e a capacidade das empresas de contratação dirigida a emprego mais estável". O propósito é louvável, mas a verdade é que o quadro da política é o da "economia da oferta" que, como sabemos, fez da zona euro uma região com elevado desemprego, mesmo antes da crise financeira de 2008. Daí que devamos olhar com grande reserva para as estimativas de crescimento e a redução da taxa oficial de desemprego para metade em quatro anos.

Curiosamente, o texto relaciona a estabilidade do emprego com a melhoria da produtividade do trabalho (p. 44), mas ignora a produtividade quando discute a sustentabilidade do sistema de pensões. Na p. 39, entre seis aspectos fundamentais, refere (nº 5) "a evolução económica do país (não apenas o produto, mas acima de tudo o emprego)", esquecendo-se de mencionar que a evolução da produtividade do trabalho é, no médio e longo prazo, um factor central na sustentabilidade do sistema, pois determina o nível médio dos salários e, por conseguinte, o nível das receitas do sistema. Significativamente, alinhando com o discurso neoliberal promovido pelas organizações internacionais há décadas, o relatório insiste no risco do envelhecimento demográfico como se fosse um factor decisivo no longo prazo (ver Maria Clara Murteira, “As pensões no colete-de-forças neoliberal da União Europeia”). Mas não é de admirar, se virmos o curriculum académico do grupo dos economistas escolhidos pelo PS.

Tendo em conta que se trata de um partido que se reclama do socialismo, é chocante ver no relatório (p. 49) a invocação da "liberdade de escolha dos agentes", o problemático conceito de liberdade popularizado por Milton Friedman. Mas percebe-se, porque o objectivo da redução da TSU dos trabalhadores não é apenas aumentar o rendimento disponível dos mais aflitos. Visa também libertar rendimento dos menos atingidos pela crise para a subscrição de planos privados de pensão, o que é dito em linguagem cifrada. As referências à "justiça actuarial", como se o sistema fosse de seguro privado, remetem para uma visão individualista da segurança social que é a negação das suas origens: a de um contrato social entre gerações contemporâneas. O pensamento destes economistas ignora que os sistemas de pensões foram criados para garantir o direito à segurança de rendimento.

Finalmente, nesta mesma página do relatório, diz-se que a redução nas contribuições do trabalho (1050 milhões de euros) "não tem qualquer impacto nos actuais pensionistas". Ora, tratando-se de um sistema em que as contribuições de hoje pagam as pensões de hoje, ficamos sem saber quais são as fontes alternativas da receita. Com este aumento do rendimento disponível, haverá um efeito multiplicador miraculoso nas receitas da Segurança Social? Não fica aberto o caminho para mais cortes nas pensões em pagamento? É esta a terceira via na TSU.

(O meu artigo no jornal i)

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Hoje: Lançamento da «Crítica»


Em dia de lançamentos, é hoje apresentada, a partir das 18h00 na Aula Magna da Universidade de Lisboa, a Crítica Económica e Social, que pretende constituir-se como «um meio de análise das questões europeias, das medidas de políticas públicas, da evolução não só da economia mas também da sociedade portuguesa e dos seus grandes debates» e dirigir-se «a um público mais alargado do que o dos especialistas ou universitários», contribuindo assim para uma análise «esclarecida e plural das opções económicas e sociais» com que Portugal e a Europa hoje se confrontam.

No site da «Crítica» estará disponível, com acesso gratuito, o n.º 1 da revista e um «repositório de trabalhos já publicados em diversos âmbitos (blogs, revistas, jornais, relatórios para movimentos sociais, etc.)», que se tornam assim «mais facilmente acessíveis a diversos públicos”.

A apresentação está a cargo de José Luís Albuquerque, Ana Costa e Francisco Louçã, seguindo-se um debate sobre Emprego e Segurança Social em que participam João Ferreira do Amaral, João Galamba e Eugénio Rosa.

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Uma década


E o contexto é o de uma sociedade desigual nos sacrifícios e nas vantagens, precária e insegura para a maioria e garantista e blindada para uma minoria. O problema que aqui me interessa não é apenas ético, apesar da ética também contar. É social. É o de uma elite que vive num mundo à parte, com regras à parte, e é por isso incapaz de perceber a vida dos outros. Poderiam ser ricos e perceber tudo isto. Poderiam ser pobres e não perceber nada disto. A vida está cheia destas incongruências e não sou dos que acham que alguém que defende a justiça social tem obrigação de levar uma vida espartana e que os pobres têm obrigação de ser socialistas. Mas julgando, como julgam, que os seus privilégios excecionais resultam do mérito, não podiam deixar de julgar que as banais dificuldades dos outros resultam de desmérito. Quem vive confortável na injustiça nunca poderá compreender a sua insuportabilidade. Quem pensa que o privilégio é um direito nunca poderá deixar de pensar que a pobreza é um castigo.

Excerto de uma crónica de Daniel Oliveira - A vida dos outros. Não sei se está no livro, mas acho que pode estar. É preciso dizer os nomes e sobretudo identificar as estruturas que também têm nome. É uma década disto por um dos imprescindíveis da opinião publicada.

Da série «sofrer os efeitos secundários sem beneficiar da cura»


«Pode, pois, o ainda primeiro-ministro recorrer às mais criativas metáforas, como a dos sintomas e da doença. Mas não há nenhuma metáfora que permita esconder uma realidade objetiva: ao fim de 4 anos de "tratamento" pela direita, os portugueses vivem muito pior e o país não está melhor. A solução passa, obviamente, por mudar de médico, mudar de tratamento e mudar de receita. Porque, ao contrário do que a direita gosta tanto de garantir, há outros médicos, há outros tratamentos e há outras receitas.»

Duarte Moral, A doença e os sintomas

Que políticas para a próxima legislatura?

Como vem acontecendo todos os anos, hoje e amanhã terá lugar no ISCTE-IUL o Fórum das Políticas Públicas, este ano com os olhos postos na nova legislatura que se aproxima.

Os organizadores desafiaram-me a responder à seguinte questão "É possível promover o crescimento económico sem um programa de investimento público?". É o que farei amanhã a partir das 15h, seguindo-se uma discussão com Elisa Ferreira e Joaquim Ferreira do Amaral.

Fica aqui o programa.



Quanto vale a última onda do mar?


O valor dos oceanos e a neoliberalização do ambientalismo.

Através de uma notícia saída no "The Guardian" há cerca de duas semanas, fui parar a um relatório recentemente publicado na internet pelo World Wide Fund for Nature, organização ambientalista anteriormente designada por World Wildlife Fund e mais conhecida pela sigla WWF e pelo famoso logotipo com o panda. O relatório, redigido em colaboração com a consultora Boston Consulting Group e um instituto universitário australiano, pretende chamar a atenção para a importância dos oceanos e para a necessidade de serem tomadas medidas urgentes para os proteger.

A argumentação assenta numa tentativa de avaliação monetária do valor dos “serviços” que os oceanos prestam à humanidade: peixe, vias de transporte marítimo, absorção de carbono, etc. Citando, em tradução livre, a sua última página, “o valor global dos activos-chave proporcionados pelos oceanos é superior a 24 biliões (“trillion”) de dólares” (...) “tendo em conta o produto marinho bruto, o oceano é a sétima maior economia do mundo”.

Esta tentativa de avaliação do valor dos ecossistemas através da contabilização monetária do valor dos serviços por eles proporcionados poderá parecer estranha a alguns leitores, mas enquadra-se numa tradição de “contabilização do capital natural” que nas últimas décadas tem vindo a tornar-se cada vez mais comum – e inclusivamente dominante – dentro do campo ambientalista.

terça-feira, 12 de maio de 2015

As «instituições» e a Grécia: entreter até derrubar

Com o decorrer do tempo, a estratégia das «instituições» para vergar o governo grego foi-se tornando cada vez mais evidente. Logo de início, numa acção concertada com Mario Draghi, tratou-se de apertar na dose certa o torniquete do BCE, por forma a limitar o acesso da banca a financiamento, para desse modo estimular a fuga de capitais e assim fragilizar ainda mais a economia grega.

Paralelamente, depois de um momento inicial em que se cultivou a ideia de que as negociações assentariam no empenho mútuo em conciliar legitimidades e interesses distintos, passou-se para o entreter do governo grego numa sequência infindável de reuniões técnicas e políticas, postergando sempre para o encontro seguinte a possibilidade de chegar a acordo. Isto é, de celebrar o compromisso necessário para que a Grécia possa aceder à tranche que a troika lhe deve desde Agosto do ano passado (7,2 mil milhões de euros).

Nos termos desta estratégia, que tem como objectivo ir deixando que o Estado e a economia grega se esvaiam em falta de liquidez, o governo acabará - cedo ou tarde - por ter que fazer a escolha entre ceder ou cair, sucumbindo em qualquer dos casos à frustração e revolta do eleitorado pelas promessas não cumpridas. Depois da demissão ou do derrube, basta então substituir o executivo de Tsipras por um governo de mangas de alpaca, devidamente liderado por um qualquer tecnocrata obediente. Neste quadro, o único dado que tem falhado na equação das «instituições» para o «problema grego» é justamente o do apoio popular ao governo do Syriza, que não só se manteve como viria até a robustecer a sua base social de apoio.

Ninguém sabe hoje até quando - e como - poderá a Grécia resistir. Sobretudo quando se considera o volume de liquidez necessário para gerir a dívida nos próximos meses e todas as pressões e constrangimentos que pendem sobre a economia grega (Estado incluído). Não é por isso improvável que o governo de Alexis Tsipras, de uma forma ou de outra, acabe por sucumbir.

Desengane-se contudo quem pensa que as «instituições» saem incólumes deste processo. São demasiadas as perplexidades que se foram acumulando: da ausência de qualquer explicação para o fracasso colossal da receita da austeridade, na Grécia como aqui, à evidência cada vez maior de que apenas o governo grego foi cedendo (até chegar ao osso intransponível das suas linhas mais vermelhas), passando pela percepção de que as divergências deixaram há muito de ser «técnicas» para se circunscreverem a uma esfera puramente política (como demonstra, com clareza, o comunicado da reunião de ontem do eurogrupo). A máscara de respeito pela democracia e pela legitimidade das escolhas dos povos e dos seus governos foi portanto caindo aos poucos. Para quem tivesse dúvidas, as «instituições» europeias foram revelando a sua verdadeira face.