quarta-feira, 31 de março de 2010

Dignidade humana e convicção política

A já conhecida vergonhosa despesa de mil milhões de euros dos submarinos irresponsavelmente comprados por um pequeno país pobre e periférico ao gigante rico europeu do armamento, levanta inevitavelmente a questão: é esta a Europa que queremos? De acordo com o que o João Rodrigues mostrou aqui, não está apenas em causa a imoralidade de um negócio sustentado por astronómicos fluxos de capitais, com as suas grandes feiras e exposições em grandes cidades europeias - eventos macabros e imorais a que já nem políticos nem ninguém prestam atenção, tamanha a opacidade mediática que nos mantém alienados da nossa própria humanidade, reféns da violência banalizada e da normopatia instituída. É muito mais do que isso. É, talvez, a própria possibilidade de nos sentirmos capazes de erguer a cabeça e acreditar que, para além de tudo o que nos separa, há causas que não deixam margem para dúvidas estéreis.

terça-feira, 30 de março de 2010

Entrevista à Rádio Europa Lisboa sobre a Representação Política em Portugal



Para quem quiserar saber mais sobre a representação política em Portugal, a propósito de dois livros colectivos recentemente editados pela Sextante, permito-me recomendo a entrevista de 50 minutos feita a André Freire (eu próprio, pois claro) pela jornalista Mónica Peixoto, da Rádio Europa Lisboa, pode ser ouvida na integra aqui

Bons estímulos!
E desculpem a imodéstia!

Ainda bem que o assunto está muito bem estudado...

REN e CTT só em parte privatizados, avança Jorge Lacão

O Estado não vai perder a posição dominante na REN e nos CTT, afirmou o ministro dos Assuntos Parlamentares, em entrevista à Antena 1. Jorge Lacão avançou que as privatizações vão ser parciais, de forma que o Estado mantenha o controlo nestas empresas.

O Estado já só tem 51% da REN. Ou vai ser uma privatização muito pequenina ou o Ministro Jorge Lacão não sabe do que está a falar...

segunda-feira, 29 de março de 2010

"Um trabalho divino"



No Diário Económico de hoje, segunda-feira dia 29 de Março de 2010, nas páginas X e XI do Suplemento Mercados, num exclusivo Financial Times, encontramos a tradução de um artigo de Paul Murphy, um dos editores do dito jornal de referência, que tem como título “Os especuladores estão a fazer um trabalho divino” - e não é ironia. Trata-se de um imenso elogio a uma obra de 1930, de Philip Carret, intitulada "The Art of Speculation", e o subtítulo reza assim: “Todos os dias os especuladores são identificados como os maus da fita. Mas a verdade é que o seu trabalho é crucial para o funcionamento dos mercados”.

Perante tamanha demonstração de atenção para com todos os que têm fome e sede de justiça, mais divino que isto só se for no Vaticano, entre os que terão ainda coragem de dizer “Deixai vir a mim as criancinhas”…

Os restantes títulos em destaque no mencionado suplemento constituem uma boa mostra daquilo que se deve aprender há décadas nas escolas de negócios por esse mundo fora, formando os "empreendedores", os "business angels", os "investidores" e a sua guarda-avançada de especuladores, ou deuses (do Olimpo não são, certamente, nem dos Edda...). Por exemplo: "Veja como a reforma da Saúde de Obama pode encher a sua carteira de ganhos" ou, ainda, "Descubra como os erros do Estado lhe pesam no orçamento familiar"...

Nada mais educativo e são!

Para lá da economia da chantagem

O adiamento da tributação, em sede de IRS, das mais-valias bolsistas e a aprovação de uma amnistia fiscal para os rendimentos aplicados no exterior, em especial nos paraísos fiscais, que decidam regressar ao país sinalizam que a austeridade não é a mesma para todos. Esta assimetria é facilitada pela chantagem permanente do capital financeiro, controlado pelos mais ricos e poderosos. O resto da minha crónica no i pode ser lido aqui.

domingo, 28 de março de 2010

Uma tragédia que não é só grega


O trabalho do RMF (Research on Money and Finance) sobre a "Euro-Crise" tem tido impacto nos países do Sul da Europa e no Reino Unido. Bom sinal. É urgente recentrar o debate para além da inevitabilidade da austeridade e do beco sem saída a que ela nos condena. Transcrevo abaixo o artigo do Público, publicado hoje, que escrevi com Costas Lapavitsas e Eugénia Pires.


O Governo anunciou, na semana passada, o Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) para os próximos quatro anos. Este pacote de medidas de austeridade é apresentado como o necessário ajustamento para cumprir os limites, arbitrariamente definidos pela UE, para as finanças públicas. Estas medidas não fornecem qualquer perspectiva de crescimento sustentável num contexto de crescente desemprego e de uma economia global estagnada. Partindo de um equivocado princípio - as privatizações conduzem a espontâneos aumentos da produtividade -, o Governo esquece que os actuais problemas da economia global impedem qualquer crescimento impulsionado pelas exportações. Assim, o cenário mais provável é o da continuação da recessão, com correspondente aumento do desemprego. Portugal, um dos países mais pobres e desiguais da UE, verá agravada a sua situação.

Com as anunciadas políticas, a elite portuguesa parece protegida dos efeitos da crise, pois retém e alarga a propriedade de sectores lucrativos, protegidos de qualquer concorrência de mercado. O peso da crise recairá novamente sobre os ombros dos trabalhadores. Esta ofensiva é quase consensual entre os economistas convencionais. Os salários dos portugueses teriam crescido demasiado quando comparados com os de outros países europeus. Os custos laborais na zona euro têm, de facto, seguido percursos divergentes, conduzindo a uma progressiva perda de competitividade externa das economias periféricas. Esta divergência traduziu-se em crescentes excedentes externos de economias como a alemã, com correspondentes défices dos países do Sul da Europa. No entanto, como é sustentado no recente estudo desenvolvido pelo Research on Money and Finance (www.researchonmoneyandfinance.org), estes desequilíbrios não provêm de uma qualquer superior eficiência da economia alemã face a aumentos salariais excessivos das economias periféricas. A introdução do euro impôs uma política monetária única, além de fortes restrições à política orçamental de cada país. Assim, o ajustamento económico fez-se através do mercado de trabalho. Impelidos pelas próprias instituições europeias, todos os países impuseram pressão sobre os salários e condições de trabalho mediante sucessivas reformas da legislação laboral. O resultado foi a perda generalizada de peso dos rendimentos do trabalho face aos do capital. O problema está no facto de a Alemanha ser campeã nesta corrida para o fundo, com custos laborais congelados nos últimos 15 anos. Porém, a política laboral alemã produziu resultados medíocres para a sua própria economia, com crescimento anémico, elevados níveis de desemprego e ganhos de produtividade quase inexistentes.

A actual crise também se deve ao sistema financeiro europeu. Com a crise de 2007-9, o Banco Central Europeu (BCE) interveio prontamente, resgatando os bancos. Volumes extraordinários de liquidez foram-lhes fornecidos, permitindo a sua recuperação. Porém, quando, em 2009, os Estados precisaram de se financiar, o BCE comportou-se de um modo diferente. Contrariamente aos bancos, os Estados-membros da zona euro enfrentaram sozinhos os mercados de capitais. Perante a complacência do BCE, o sector financeiro foi resgatado para, na primeira oportunidade, atacar quem o salvou, especulando com a dívida pública dos países periféricos. Convém, por sua vez, assinalar a crescente exposição dos bancos europeus dos países do Centro às economias do Sul, cujos défices têm sido por eles financiados. A "falência" generalizada dos países periféricos repercutir-se-ia numa segunda vaga de problemas financeiros para os bancos do Centro.

Até agora, a abordagem à crise apenas revelou a desorientação política que reina na zona do euro. Neste contexto, o nosso estudo analisa as duas saídas alternativas para a periferia. A primeira requereria a reforma profunda das instituições europeias, promovendo maior liberdade orçamental para os estados, um aumento substancial do orçamento europeu, transferências dos países ricos para os mais pobres e medidas de protecção laboral ao nível europeu. Os restritivos estatutos do BCE seriam igualmente revistos, permitindo, por exemplo, a aquisição de dívida pública. Esta estratégia apresenta dois problemas. Primeiro, assenta-se na improvável criação de uma aliança política entre os países da zona euro. Segundo, esta opção enfraqueceria o estatuto internacional do euro enquanto reserva de valor, constituindo uma ameaça à viabilidade da união monetária.

A segunda alternativa para os países periféricos é o abandono da zona euro, que resultaria na desvalorização das moedas nacionais, reestruturação da dívida denominada em moeda estrangeira e imposição de controlos de capitais. Para proteger a economia, a banca teria de ser nacionalizada e o controlo público alargado aos sectores estratégicos. Neste contexto, uma política industrial, promotora do aumento da produtividade, seria crucial. Contudo, para evitar a armadilha da autarcia, exigir-se-ia uma difícil manutenção do acesso ao comércio internacional, tecnologia e investimento. As alternativas encontram-se ao nosso dispor, mas todas requerem uma alteração radical nos poderes sociais e políticos.

História de Arte

sexta-feira, 26 de março de 2010

Economia: ciência dura?


Ouvi contar, já não sei onde, que um físico famoso, de cujo nome não me lembro, disse um dia que nunca tinha estudado Economia porque achava as ciências sociais demasiado difíceis. Acho que sei porquê.

Imaginem uma teoria que permite prever engarrafamentos na ponte sobre o Tejo. Às seis da manhã de cada dia os cientistas divulgariam previsões. “A ponte vai estar engarrafada”: se as pessoas acreditarem na previsão, irão pela ponte Vasco da Gama e a ponte 25 de Abril vai estar vazia; a teoria mostra-se falsa. Se não acreditarem na previsão, irão pela ponte 25 de Abril e a teoria revelar-se-á verdadeira. E ainda se podem dar situações mais complicadas: todos pensam que “ninguém vai acreditar na previsão e portanto vou mesmo pela ponte 25 de Abril”; a teoria revela-se verdadeira. A coisa é conhecida: uma teoria tanto pode ser verdadeira como falsa dependendo das crenças das pessoas acerca dela; além disso como o cientista não tem forma de observar o que se passa dentro da cabeça das pessoas, não pode testar a teoria.

Isto são malabarismos filosóficos sem nenhuma relevância para a Economia? Não é assim. Veja-se o que se passa com uma teoria que dá pelo nome de “equivalência ricardiana” que diz mais ou menos isto: tanto faz financiar a despesa publica com impostos como com o recurso à divida publica, em ambos os casos as pessoas vão diminuir as suas despesas de consumo e de investimento no presente. No caso dos impostos a razão é clara: o rendimento disponível das pessoas (depois de impostos) diminui e elas têm de gastar e investir menos. No segundo caso (emissão de dívida) a coisa é mais rebuscada: as pessoas sabem que a divida pública irá ter de ser paga com impostos e pouparão hoje para poder pagar impostos amanhã, reduzindo portanto os seus gastos presentes.

Outra teoria (chamemos-lhe keynesiana) dirá: se num contexto recessivo o governo recorrer à divida para aumentar a despesa pública e contrariar a recessão, as pessoas tenderão a manter os seus gastos no presente porque compreenderão que a divida poderá ser paga sem uma maior taxa de imposto no futuro quando a economia recuperar.

Qual das teorias é verdadeira? Depende. Se as pessoas acreditarem na “equivalência ricardiana” a teoria da “equivalência ricardiana” poderá ser verdadeira. Mas se as pessoas acreditarem na teoria “keynesiana” a teoria da “equivalência ricardiana” é falsa.

Em que é que a Física pode ser mais fácil do que a Economia e as outras Ciências Sociais? É que os átomos e as partículas não lêem livros de Física, nem discutem teorias acerca do seu comportamento, nem acreditam ou deixam de acreditar nelas. Deslocam-se em consequência de forças que lhe são externas, não têm propósitos. O físico compreendia isto. Mas há muitos economistas que não compreendem e que insistem em tentar simplificar a Economia à força, povoando-a de “agentes” que se deslocam movidos por forças que lhe são externas (incentivos) e cujas crenças (expectativas) são igualmente simples (ditas racionais), como se fossem partículas.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Ensino superior: elitização, financeirização


São "apenas" notícias da elitização e da financeirização do ensino superior, vulgo Universidade S.A.: "Os pedidos de empréstimo dispararam 600%, mas representam apenas 2% dos estudantes" (11 000 estudantes, diz a notícia do Diário Económico online de 23 de Março de 2010).

São "apenas" 2%, somos informados, porque há pouca divulgação, porque a "grande população" ainda não sabe da possibilidade de recurso a esta linha de crédito. Ainda só recorre quem já está mais desesperado, será isso? Como também diz a notícia, cerca de um terço destes 2% de estudantes são os mesmos que já tinham sido obrigados a recorrer às bolsas do insuficiente apoio social (lembram-se de que era para "garantir" um bom apoio social e a qualidade do ensino que se argumentava a favor do aumento das propinas?...).

Daqui em diante, o debate mediático tenderá a centrar-se em quais deverão ser os níveis aconselháveis de endividamento estudantil (2% é "inexpressivo"...), surgirão as comparações internacionais, os puxões de orelhas da praxe. Mas para quem defende o ensino superior como um direito para todos e a formação universitária como vector de desenvolvimento e de justiça social, mais parece que, contra toda a evidência entretanto disponível, se insiste no indefensável: "até aqui, tudo bem"...

A racionalidade do desastre colectivo

«Durante 50 anos, os alemães aceitaram pagar a maior factura da construção europeia, redimindo-se dos seus pecados na II guerra mundial e usando o mercado interno para sustentar o seu modelo económico de exportação. Foi um bom negócio. Mas a crise grega trouxe à tona uma nova Alemanha. Numa deriva soberanista e com algum preconceito contra o sul, aguçado pela proximidade de eleições regionais, a chanceleria recusa agora pagar pelos "erros dos outros". Este discurso está a deixar economistas muito nervosos, sobretudo em Bruxelas. Não apenas pela Grécia, a quem se recusa a resgatar, mas também pela incapacidade de reconhecer que a situação económica dos países dos sul, incluindo Portugal, é resultado directo do sue êxito económico». Luis Rego, Diário Económico.

À análise do correspondente do Diário Económico em Bruxelas, publicada na edição de hoje do jornal, só falta mesmo um elemento: a referência às vantagens que os interesses financeiros alemães retiram da situação actual.

Longe de transmitir uma posição clara sobre um eventual apoio da UE à Grécia, a postura do governo germânico nas últimas semanas tem sido marcada por constantes avanços e recuos, ora sugerindo que apoiará a Grécia e que se mantém fiel ao projecto do euro, ora insinuando que forçará a saída de alguns países do euro se necessário for.

Estas hesitações - às quais os 'mercados financeiros' vão respondendo impondo taxas de juro crescentes às economias mais frágeis - têm sido justificadas com base em argumentos de risco moral (tipo, se ajudarmos quem se porta mal, estamos a dar um incentivo ao mau comportamento), nas supostas divergências internas à coligação que governa em Berlim, ou na deriva populista impulsionada pela proximidade das eleições regionais. Todas estas razões contam, mas não são a história toda.

Como mostra este trabalho, já aqui citado por outras razões, os excedentes comerciais que a Alemanha acumulou nos últimos anos foram, em larga medida, transformados em empréstimos concedidos pelas instituções financeiras do país a outras economias da zona euro. Este processo não parou com a crise internacional, tendo-se reforçado com a mobilização massiva de recursos públicos no combate à crise.

Por outras palavras, as instituições financeiras alemãs estão entre os principais beneficiários das implicações do comportamento errático que o governo de Berlim tem assumido no contexto actual. Estão a perceber? Há alturas em que é mesmo difícil não acreditar em bruxas.

Parábola sobre o PEC

quarta-feira, 24 de março de 2010

Descubra as diferenças


Dois frente-a-frente na TV. Um do PSD, outro do PS. Ambos bons comunicadores, falantes articulados, políticos profissionais. Dedica-se o do PS a clarificar a sua doutrina. Na sociedade que o PS defende, diz ele, o Estado não se envolve na actividade produtiva (por isso mesmo as privatizações não o chocam nem o preocupam). O Estado é importante sim senhor, mas para garantir sistemas públicos de educação e de saúde.

Responde o do PSD. Pois claro, nós também. É claro que deve haver uma rede de segurança que garanta mínimos de acesso à educação e à saúde. De resto nós somos sociais-democratas e tudo.

Ficamos assim. O do PS não quis levar a discussão mais longe.

Mas eu fiquei a remoer aquela dos “mínimos”. O PSD, como toda a direita europeia, já não ousa propor o que propunha. Já não diz “quem quer saúde paga-a”, ou “quem quer reforma faz PPRs”. Não, agora é Serviço Nacional de Saúde, sistemas de pensões públicos, pois claro. Mas… “mínimos”.

Ora é no “mínimos” que bate o ponto. O PSD quer uma escola e um hospital (que até podem ser públicos) para quem não pode pagar e outra escola e hospital para quem pode. A escola e o hospital públicos serão mais baratinhos (e de qualidade mínima) e ao alcance da bolsa de um Estado mais pequenino que cobra menos impostos.

O PSD que diz querer uma rede de protecção para os mais fracos não diz, mas, na realidade, quer uma sociedade dividida entre os que podem pagar e os que não podem pagar aquilo que estabelecemos como um direito de todos: a educação e a saude decentes, não as mínimas. Uma sociedade assim é o que antigamente se chamava uma sociedade de classes: uns têm direitos, outros não.

E o PS, o que quer? Olhando para a televisão fiquei sem saber. Suspeito que está divido. Acredito que haja ainda no PS quem queira um Serviço Nacional de Saúde e um Sistema Público de Educação de qualidade, inclusivos, multi-classistas, e também quem seja mais pelos “mínimos”.

Euro: tempos de incerteza radical

Enquanto o braço de ferro se prolonga entre a Alemanha, apoiada por alguns (poucos) países, e o resto da Zona Euro (ZE), com destaque para outros 'grandes' como França, Itália e Espanha, acompanhados pela Comissão Europeia, o euro está sob pressão nos mercados financeiros. O pessoal que vive da especulação não se deixa acalmar com umas poucas declarações de solidariedade no final de uma reunião de ministros das finanças. Querem ter a certeza, em concreto e de uma vez por todas, que serão instituídos os mecanismos que vão pôr em ordem as contas públicas dos PIGS (Portugal, Itália, Grécia e Espanha[Spain]). Embora seja frequente incluir neste grupo a Irlanda, este país já deu provas de “bom comportamento” aos olhos dos “mercados” (leia-se especuladores financeiros) através da redução nominal dos salários dos funcionários públicos, pelo que não o incluí na sigla.

Até pode acontecer que, após acaloradas discussões à porta fechada, se consiga uma fórmula de apoio de emergência à Grécia que não seja vetada pelo Tribunal Constitucional alemão. Se assim for, poderemos respirar de alívio? O euro teria sido salvo in extremis?

A meu ver, seria ingenuidade responder afirmativamente as estas perguntas. Por duas razões: primeiro, a solução institucional encontrada será muito precária e resultará de um processo negocial que agravou o clima de hostilidade que já existe há algum tempo (ver De Grauwe); segundo, a decisão a tomar releva da táctica, enquanto a estratégia continua a ser suicidária. Quero dizer, a contrapartida para obter o sim da Alemanha na ajuda de emergência à Grécia, é o reforço da estratégia de imediata redução drástica dos défices, em simultâneo, em toda a ZE, acompanhada de condições politicamente insustentáveis a prazo.

O resultado será (a manter-se esta trajectória) a transformação da actual estagnação numa recessão generalizada a que a Alemanha não vai escapar já que as suas exportações dependem em larga medida da procura dos restantes países da ZE (ver Stiglitz). O seu modelo de crescimento pelas exportações não é sustentável dentro da ZE (ver aqui). A estratégia conduzirá necessariamente ao aumento dos défices em todos os países e, persistindo, a mais reduções na despesa e mais aumentos de impostos, ou seja, mais desemprego e mais redução da procura interna da ZE. E assim por diante até que a pressão social e eleitoral ponha um fim a este processo. Onde e quando, não é possível prever.

Alguns dirão que a Alemanha não vai permitir que se chegue a este ponto. Pode ser que tenham razão, mas os dados de que dispomos hoje só favorecem o meu ponto de vista: 40% dos alemães querem abandonar o euro; mesmo os alemães europeístas, favoráveis a uma ajuda à Grécia, não se opõem à estratégia suicidária e até (timidamente) a subscrevem (ex.: Joschka Fischer); a cultura alemã consolidou no pós-guerra uma grande desconfiança quanto a uma política económica de inspiração keynesiana (ver cap. 10 deste livro).

A única coisa de que tenho a certeza é que o futuro do euro cai no domínio da incerteza (pura/radical) tal como Frank Knight a entendia (ver aqui, p. 105). Parece que as decisões sobre a ajuda à Grécia foram adiadas para amanhã ...

terça-feira, 23 de março de 2010

"Crise, que crise?" (Wallerstein)


Amanhã, dia 24 de Março,o sociólogo norte-americano Immanuel Wallerstein (Yale University) faz em Lisboa uma conferência intitulada "Crise, que crise?" ("Crisis, What Crisis?"). Vai ser no âmbito do seminário Vitorino Magalhães Godinho, às 18h00 na FCSH-UNL (edifício principal, auditório 2 - Av. Berna, 26 C).

Análise histórica do desenvolvimento do "sistema mundial", conceito de "economia-mundo", estrutura e função da divisão entre "centro, semiperiferia e periferia", o "universalismo europeu" e a "retórica de poder"... Estes e muitos outros temas foram trabalhados ao longo de décadas por Wallerstein. Valerá a pena ver como os faz dialogar com a actual crise.

segunda-feira, 22 de março de 2010

O fim do romance europeu

Nas últimas duas décadas, as elites intelectuais e políticas nacionais viveram um romance europeu. Do "pelotão da frente" de Cavaco ao "porreiro, pá" de Sócrates, todas as más opções de política foram justificadas em nome de amanhãs europeus que cantavam: da convergência nominal dos anos noventa que minou a competitividade das nossas exportações até à aprovação de um Tratado de Lisboa que confirma a impotência da União no combate à crise económica. Um romance que nunca ousou escrutinar ou criticar a viragem neoliberal da construção europeia desde Maastricht, na origem de muitos dos actuais problemas socioeconómicos europeus e nacionais. O resto da minha crónica no i pode ser lido aqui.

O espectáculo da degenerescência cívica


Em democracia, existe um consenso explícito (materializado no ordenamento jurídico que a todos rege) quanto ao exercício da violência legítima por parte do Estado. Este consenso, pressupõe regras e, de forma implícita, uma plataforma ética com base na qual construímos sentidos para a cidadania. Pessoalmente, entendo que esse monopólio da violência legítima por parte do Estado só adquire o seu sentido pleno e a sua verdadeira justificação na medida em que seja eficaz na repressão de qualquer forma de violência que ponha em causa a ordem pública, retire ou cerceie direitos aos indivíduos, defendendo os membros de uma sociedade do arbítrios dos infractores e, muito em especial, os mais fracos e indefesos, sempre expostos às vicissitudes do mal que grassa no mundo.


Quando o exercício da violência por parte dos representantes da autoridade do Estado se realiza para contrariar qualquer espécie de comportamento que não ponha em causa a integridade de pessoas ou bens, públicos ou privados, a credibilidade e o sentido de justiça subjacente ao consenso democrático pode vacilar e a democracia fica comprometida. Inversamente, quando bandos de desordeiros, na sua esmagadora maioria ignorantes e mal-educados - senão mesmo mentecaptos – estimulados pelas actividades de empresas a que, apenas por um mero efeito de hysteresis ainda chamamos “clubes desportivos”, se arrogam o direito de fazer da agressão generalizada e da violência a marca da sua reles submissão a ideais de estupidez agonística exacerbada, então, também a democracia fica comprometida, pela perda de direitos de cidadania provocada pela acção desta escumalha. Nesses casos, então, eu pugno por penas de prisão efectiva, mas que sejam verdadeiramente severas. Para estes “adeptos” (a expressão correcta é “ineptos”) a marca distintiva da pena seria, sempre em regime de reclusão, o trabalho compulsivo em prol da comunidade. O que não faltam aí são bibliotecas com livros a precisar de encadernação e formadores a precisar de trabalho.


À legião de psicopatas e de inúteis que medram neste meio – que vale o que vale não por ser desporto, mas por ser negócio - tivemos de pagar dos nossos impostos os faustosos estádios, temos de os aturar em intermináveis demonstrações de cretinismo e abjecta verborreia à abertura dos telejornais, temos de os ouvir a toda a hora nos cafés, nas escolas e nos locais de trabalho, e ainda querem que toleremos como natural a existência de claques que, recorrentemente, se comportam como grupos terroristas, a arruaça, a destruição de bens públicos, a agressão, o fecho de auto-estradas e – pior do que tudo – o espectáculo execrável dado à já de si deficiente socialização democrática das crianças e dos jovens? Queremos leis penais justas para reprimir a violência, ou queremos continuar a assistir a batalhas campais como a do passado fim-de-semana sem que daí resulte qualquer apuramento de responsabilidades individuais ou colectivas? Queremos apostar na educação, na decência, numa verdadeira ética de cidadania, ou no exemplo que continuadamente estes degenerados e quem os cauciona oferecem ao país?

A boa decisão como uma das belas artes



"Um dos últimos actos da carreira política de Mário Soares pode bem vir a ser a sua contribuição para a vitória de Cavaco Silva nas eleições presidenciais de 2011. E com ela a promoção do regresso da direita à área do governo.

Digamos que à falta de entendimento interno quanto ao melhor candidato para disputar com Cavaco Silva a eleição em 2006, os resultados de 22 de Janeiro desse ano serviram para decidir quem, de facto, o PS devia ter dado o seu apoio, podendo ser tomados como uma espécie de primárias post facto. A diferença que separou os dois militantes do PS não foram uns escassos milhares de votos, foram 350 mill os votos que separaram Mário Soares de Manuel Alegre. A partir dessa data era legítimo esperar que, pelo menos no plano político, Mário Soares reconhecesse que tinha sido um erro ter tentado regressar ao Palácio de Belém. Há que lembrar que Maria de Lurdes Pintassilgo, Salgado Zenha e Manuel Alegre, para não ir mais longe, quando concorreram às eleições presidenciais fizeram-no distanciados das organizações partidárias. Porém o que os distinguia da candidatura patrocinada por Mário Soares eram os respectivos percursos políticos e as provas dadas nesse campo.

Mandava a racionalidade republicana, tantas vezes por ele invocada, que agisse no sentido da convergência de esforços para derrotar o candidato da direita. Porém, ao patrocínar uma candidatura improvável Mário Soares ensaia mais do que um desagravo pessoal. Investe na manutenção de Cavaco Silva na Presidência da República na expectativa de que se mantenha um equilíbrio de forças que abra espaço não a uma alternativa mas à já gasta alternância. Na prática o resultado almejado por Mário Soares não passa de uma actualização da velha e envelhecida receita do príncipe de Salina: é preciso que alguma coisa mude para que tudo fique na mesma. Este gatopardismo tardio até poderia ser olhada com alguma benevolência não fosse o que está em jogo ir muito para além do que um ajuste de contas.

Bem pode Mário Soares querer fazer-nos acreditar que para efeitos eleitorais o país é uma imensa Calcutá de maneira a justificar o patrocínio de uma candidatura presidencial condizente com o seu diagnóstico. É que patrocinar uma candidatura que não é de direita, nem de esquerda, nem do centro, é patrocinar uma incógnita política. Sabemos quem é politicamente Cavaco Silva, como sabiamos quem era Jorge Sampaio, Mário Soares ou Ramalho Eanes. Cavaco Silva basculou o país para a direita enquanto primeiro-ministro e mantém-se nesse registo, Jorge Sampaio fez uma aliança à esquerda para ganhar a autarquia de Lisboa. E embora Mário Soares nunca se tenha distanciado da direita no combate aos comunistas e Ramalho Eanes seja indissociável do 25 de Novembro, a ambos não lhe faltaram as indicações de voto da esquerda para vencerem os seus adversários. Os eleitores sabiam em que quadrante político-ideológico se encaixava cada uma destas personalidades, estando-se ou não de acordo com elas. Com eles esteve sempre presente um elevado grau de previsibilidade quanto ao que se podia esperar dos seus desempenhos. E nos tempos que correm, a previsibilidade é um valor particularmente importante numa conjuntura caracterizada por um elevado grau de contingência. Sobretudo nos mais altos cargos do Estado. Mau grado o silêncio de Mário Soares e dos seus indefectíveis começar a ser comprometedor há duas perguntas a que em breve terá de responder: quer derrotar o candidato da direita? E o que está disposto a fazer por isso?"

Bicicleta da André Freire emprestada a Cipriano Justo, Dirigente da Renovação Comunista, para republicar o respectivo artigo originalmente saído no Público de 21/3/2010.

Nesta Zona Euro quem decide é a Alemanha



Notícia do Público:
Pressão para ajuda à Grécia aumenta na UE e deixa Alemanha mais isolada

Como já aqui e aqui tinha dito, estamos nas mãos da Alemanha.

O cenário de desintegração da Zona Euro na sequência de uma crise política, a seguir à crise financeira e económica, tem uma probabilidade elevada de se concretizar. É péssimo, mas ainda corro o risco de ter feito uma previsão acertada (aqui e aqui).

Costumo usar esta metáfora: uma tempestade (a Grande Crise) apanhou a construção da "moeda única" a meio da ponte. Agora, a Alemanha tem de decidir se acabamos de atravessar a ponte ou, pelo contrário, voltamos para trás.

Por mim, seguimos em frente. Mas nesta Zona Euro quem decide é a Alemanha. Aguardemos pois a decisão.

domingo, 21 de março de 2010

Das causas estruturais

"Uma das causas estruturais desta crise foi o acumular de desequilíbrios macroeconómicos dentro da UE, os quais resultaram de uma agressiva política alemã de controlo de custos, especialmente os salariais, o que potenciou o seu crescimento pelas exportações. Daí resultou um acumular de excedentes externos que teve por contraponto os défices nos países do Sul. Tratou-se de uma corrida para o fundo em termos de custos salariais, na qual todos os países entraram, mas onde a Alemanha levou a melhor."

Excerto da entrevista do Nuno Teles ao Negócios. O Nuno foi co-autor de um relatório do Reseach on Money and Finance sobre a crise da zona euro.

Para um Estado estratega

"Ao prever a privatização de serviços públicos essenciais como a Rede Eléctrica Nacional (REN) e os CTT, ainda por cima rentáveis, não se está a pretender uma melhoria da sua gestão e uma resposta ao interesse público, mas apenas a querer obter rapidamente uma receita extraordinária. Estas privatizações, a concretizarem-se, comprometem talvez irremediavelmente o chamado Estado estratega, ou seja, a função estratégica do Estado. A via que se está a seguir, embora possa ter medidas positivas e outras inevitáveis, tem um custo social excessivo que vai recair sobre a classe média e média baixa. Perante desigualdades como as que hoje existem na sociedade portuguesa, é um risco muito grande para a coesão social do país. Dir-me-ão que se trata de medidas decorrentes de obrigações definidas no seio da União Europeia. Mas então é preciso repensar os critérios monetaristas que estão a contaminar a Europa."

Manuel Alegre

sexta-feira, 19 de março de 2010

... E contra os predadores


«O Programa de Estabilidade e Crescimento que o Governo apresentou ou vai apresentar à Assembleia da República é um dos actos mais gravosos da história da República, de consequências incalculáveis, por tudo o que ele contém de sacrifício inútil imposto por pessoas que se demitiram de pensar, incapazes de aceitar e compreender qualquer ideia que não sejam as veiculadas pela ideologia dominante.
(...)
Independentemente dos votos, o PEC tem de ser derrotado na rua com medidas ainda mais radicais do que as postas em prática pelo povo grego.
Um programa que aponta como meta de futuro a degradação dos salários reais, a precariedade, o trabalho temporário, o aumento crescente e permanente do desemprego, a ansiedade como companheira inseparável da vida, a desagregação social, enfim, um sistema que não é capaz de criar as condições mínimas de vida em sociedade e relega uma parte considerável dos seus membros, ano após ano, para a periferia da vida, é um sistema que tem de ser derrubado por qualquer meio!»

quinta-feira, 18 de março de 2010

Mais sensatez contra a predação

“Se tais vendas [privatizações] se concretizarem, o Estado perde boas receitas futuras. O produto da venda não atingirá valores compensadores. Anota-se também que, com as vendas de posições sociais, o Estado, e o país, perderá posições estratégicas em empresas monopolistas. E se os monopólios estiverem sob domínio de privados, mais difícil será alcançar baixas nos preços de bens e serviços essenciais.”

Rogério Fernandes Ferreira

LIP DUB @ ISCTE-IUL



"Boa dia,

É com enorme prazer que depois de muito trabalho (e alguma festa), vimos por este meio mostrar a todos vós o resultado final do LIP DUB @ ISCTE-IUL.

Relembramos que este movimento foi iniciado na Europa em 2008, numa universidade de cinema da Alemanha. O site criado pelos seus organizadores http//:universitylipdub.com tem de momento cerca de 34 vídeos registados e contamos que o nosso venha a ser incluído brevemente. Esses 34 vídeos vêm de diferentes universidades a nível mundial, essencialmente respostas-vídeo de universidades não ligadas a artes, como é o caso do ISCTE-IUL.

No nosso caso, o evento contou com cerca de 250 alunos, professores e funcionários e a participação especial de David Fonseca. Foi colocado online às 23h15 de dia 15 de Março e contou com cerca de 30.000 visualizações no youtube em menos de 48 horas, 2 reportagens no jornal da noite da SIC e a presença em diversos blogs e sites na Internet.

O vídeo conta ainda com as seguintes menções honrosas (pelas 17h de 17 de Março), fornecidas pelo próprio youtube:

#31 - Os mais discutidos (Hoje)) - Entretenimento - Mundial
#36 - Os mais vistos (Hoje)) - Entretenimento - Mundial
#62 - Os mais vistos (Hoje)) - Entretenimento - República Checa #20 - Os mais adicionados aos favoritos (Hoje)) - Entretenimento - Mundial
#45 - Os melhor classificados (Hoje)) - Entretenimento - Mundial


Pedimos a todos que o reenviem o mais possível este vídeo, por forma a divulgarmos ainda mais o nome do ISCTE-IUL.

Por fim, se este vídeo fizer com que surjam mais vídeos portugueses e que sejam ainda melhores, ou outras iniciativas originais com o nome ISCTE-IUL e/ou Portugal... será mais um objectivo atingido.

Obrigado a todos (principalmente aos participantes do evento), A Organização do Lip Dub @ ISCTE-IUL"

Vaga de Fundo?

"Não compreendo como é que se vai privatizar os CTT e uma empresa bandeira como é a TAP, ou outras companhias”
“Para haver justiça social não podemos fazer de conta que entrámos com milhões para salvar bancos, mas que depois não sabemos nada desses bancos e que não culpemos ninguém de entre os culpados que lá estão”
Mário Soares

"Não há constrangimentos de Bruxelas que justifiquem a privatização da REN e dos CTT"
Manuel Alegre

"Tenho muitas reservas à inclusão no lote das empresas a privatizar de serviços cuja privatização já deu desastres noutros países, como os correios na Alemanha ou os transportes ferroviários no Reino Unido."
"O governo do PS, em que votei, vai introduzir um tecto de despesa nas prestações sociais não contributivas, o que quer dizer que quando ele estiver esgotado, quem receber, por exemplo, o subsídio social de desemprego ou o complemento solidário para idosos, apesar de ter direito à prestação já não a receberá."
"Hoje sinto-me particularmente feliz por não ter sido candidato a deputado nesta legislatura."
Paulo Pedroso

"Há uma letra a mais no PEC. O "C" de crescimento. Portugal apresentou um "PE", um programa de estabilidade, mas, no horizonte temporal de 2013 não poderemos esperar crescimento."
Pedro Adão e Silva

"Quero juntar a minha voz à daqueles que não compreendem que se contemple a privatização de empresas que trabalham em sectores de interesse estratégico ou de interesse geral"
"Estou a falar de empresas como a REN, os CTT, a GALP. Do meu ponto de vista, é errado que o Estado prescinda da posição que deve aí ter."
Ana Gomes

“Neste PEC o PS caiu numa armadilha terrível. Assumiu-se definitivamente como um partido que propõe acima de tudo as mesmas medidas que um partido de direita podia tomar e deixou cair sem cuidado as bandeiras de esquerda que ainda há dois meses eram parte do seu programa."
"O PS entrou numa deriva à direita da qual vai ser muito dificil regressar sem que haja grandes alterações na direcção.”
João Cravinho

Aumenta a lista dos socialistas que assim querem continuar e que levam a sério o seu programa e as suas convicções. Nem tudo está podre no Reino de Portugal...

Onde ir buscar recursos para a consolidação orçamental

O gráfico ao lado reflecte os dados publicados pela Comissão Europeia sobre os auxílios dados pelos vários Estados Membros da UE aos respectivos sectores financeiros (nos dados relativos a 2008 não estão incluídas as medidas de combate à crise). As barras a vermelho correspondem a Portugal, as azuis à soma dos restantes países da UE.

O gráfico diz-nos que, nos últimos anos, o Estado Português tem gasto mais com apoios ao sector financeiro (só em 2008 foram 1,3 mil milhões de euros, principalmente através de vantagens fiscais) do que todos os outros países da UE juntos. Perante isto é mesmo muito difícil aceitar que o governo peça tão pouco ao sector financeiro para o esforço de consolidação orçamental, apostando antes na contenção das prestações sociais, na redução real dos salários e em privatizações sem fundamento.

Anatomia de uma crise

O RMF (Research on Money and Finance), acaba de publicar um extenso relatório, do qual sou co-autor, que procura analisar as causas da recente crise da dívida pública nos países periféricos da zona euro. O relatório divide-se genericamente em três partes: causas estruturais da crise (inserção no euro e divergência entre os países da zona euro); causas conjunturais (crise financeira e comportamento subsequente do BCE e dos grandes bancos europeus); discussão das alternativas políticas.

Em suma, este longo trabalho aponta responsabilidades a uma arquitectura institucional europeia desadequada, favorecedora da competição dos diferentes países através da compressão dos salários dos seus trabalhadores e da deterioração das suas condições de trabalho. A Alemanha, embora com resultados macroeconómicos muito medíocres, tem estado à frente nesta corrida para o fundo, acumulando excedentes externos que têm como contraponto os défices de países como a Grécia e Portugal. Os excedentes foram entretanto “reciclados” em crédito bancário aos países da periferia. Estes problemas estruturais foram exacerbados pela crise de 2007-09 e a subsequente actuação do BCE, que correu a salvar os bancos europeus, mas fecha hoje os olhos aos ataques especulativos de que países como Portugal e a Grécia são alvo.

Penso que vale mesmo a pena ler todo o nosso relatório. Contém informação pormenorizada, sobretudo dos mecanismos financeiros na origem da presente crise. Para oportunas análises do documento, que naturalmente se focam na discussão das alternativas políticas, o The Guardian (aqui) e o Público de hoje (aqui e aqui) publicaram bons artigos.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Ensaio sobre a Cegueira


Uma das linhas fortes do Programa de Estabilidade e Crescimento é o seu programa de privatizações. O Governo anunciou 6.000 milhões de redução da dívida pública e redução do défice (através da correspondente diminuição de juros da dívida pública) de 0,1% do défice, cerca de 170 milhões por ano. Parece um bom negócio, não é? Livramo-nos de uns monos, que só estão aí a atrapalhar, fazemos um encaixe simpático e reduzimos os encargos anuais com a dívida.

É verdade que a dívida pública seria reduzida no montante das privatizações. Mas convém não esquecer que essa receita é irrepetível e a degradação do défice começa a corroer o seu impacto no dia seguinte à sua aprovação. E convém que se tenha presente a dimensão desse impacto: estamos a falar de compensar cerca de cinco meses do aumento da dívida pública que irá ocorrer só este ano… Com que custo?

Quando o Governo fala do impacto dessa redução no défice através dos encargos da dívida pública, só está a contar uma parte da história. Ao alienar muitas das empresas e participações incluídas neste programa, o Governo estará a alienar receitas que em muito ultrapassam essa diminuição de encargos. Só os dividendos que o Estado recebeu por via da magra participação que ainda mantém na EDP (110 milhões, em 2009) correspondem a quase 2/3 do que o governo tenciona poupar em encargos de dívida pública com a totalidade do programa de privatizações.

Mas mais importante é a lógica política de um programa desta natureza. Um programa em que o Estado desaparece de praticamente todos os sectores estratégicos da economia, perdendo a capacidade de articular uma estratégia para o desenvolvimento e assegurar a todos bens públicos essenciais. É uma razia ao que sobrava na energia, transportes, água, comunicações, entre outros sectores.

E abre, com a privatização do seu sector segurador, a caixa de Pandora da privatização da Caixa Geral de Depósitos, onde nem a Direita se atreveu a mexer. E isto num momento em que a CGD mostrou mesmo aos mais furiosos liberais o papel estratégico que tem de ter a presença pública no sector financeiro. Só o PS parece não ter percebido.

O que se passa com este programa de privatizações já não é miopia. Já não se trata de obter ganhos extraordinários e irrepetíveis com prejuízo de receitas futuras e instrumentos de desenvolvimento do país. Trata-se de uma política que aliena instrumentos para políticas públicas e degrada a situação das contas públicas a partir do momento imediato, no que ao défice diz respeito. É uma decisão motivada pela cegueira puramente ideológica de um Governo sem a mais pequena referência a qualquer coisa que se pareça com uma política económica socialista.

O debate público sobre estes assuntos é, infelizmente, muito reduzido. É por isso que aqueles que irão contestar estas escolhas não podem perder tempo no esclarecimento e na luta por uma política económica assente em políticas públicas exigentes. E na unidade com todos os que, como João Cravinho (e outros), ainda não perderam a cabeça. Já não falamos apenas do futuro, falamos do presente imediato. Um presente que está a ser oferecido aos privados do costume.

Debater o PEC

“A Comissão Coordenadora, Eduardo Paz Ferreira, Carlos Lobo e Clotilde Palma têm o prazer de convidar V. Ex.ª para assistir à Conferência PEC: Programa de Estabilidade ou Crescimento? a qual decorrerá no próximo dia 22 de Março de 2010 às 9h45 no Auditório da Faculdade de Direito de Lisboa (programa em anexo).”

O debate organizado pelo Instituto de Direito Económico Financeiro e Fiscal da Faculdade de Direito de Lisboa (IDEFF) é mesmo relevante e oportuno. A minha intervenção logo se verá. Andará à volta disto e disto e sem tentar perder de vista a pergunta feita por Jean Monnet logo em 1955: “Será possível termos um mercado comum sem políticas sociais, monetárias e macroeconómicas federais?” A história encarrega-se de lhe responder.

Nota bibliográfica. A pergunta de Monnet foi apanhada no último livro do historiador Perry Anderson que andámos a ler (somos dois…). Uma colectânea de artigos muito críticos da trajectória neoliberal do projecto europeu que atinge o cume neste. Não conheço melhor. Sobre os actuais problemas de uma integração económica europeia que aumenta as desigualdades e gera desemprego, isto e isto também ajuda.

[Publicado, em simultâneo, no Arrastão]

segunda-feira, 15 de março de 2010

Seminário internacional sobre factos e valores em economia

Demasiados economistas tentam enganar-se e enganar os leitores dos jornais com fraudes inocentes construídas a partir de dicotomias simples – ideologia/ciência, por exemplo – que acho que não sobrevivem a um debate, mesmo que superficial, sobre as práticas cientificas. Vale tudo para manter a hegemonia do romance de mercado. Enfim, a reflexão sobre os factos e os valores é inescapável na ciência, em geral, e na Economia, em particular. Nesta disciplina, muitos falam sobre estas questões usando ideias que já foram ultrapassadas na filosofia da ciência há algumas décadas. É por estas e por outras que este seminário internacional, organizado pelo CES e que terá lugar nos próximos dias 19 e 20 de Março, é muito oportuno.

Cá como lá

“Os correios são parte da estrutura da sociedade britânica. Asseguram um serviço universal para todos. Os trabalhadores dos correios chegam a todas as portas, independentemente da riqueza que está para lá delas. Nas suas filas, todos somos cidadãos em igualdade. As empresas de todas as dimensões dependem deles. Para as pessoas idosas, para os deficientes, para os trabalhadores com baixos salários e para os que vivem em comunidades rurais, os seus serviços são indispensáveis. Funcionam bem e podem funcionar melhor se forem modernizados e se forem realizados os investimentos apropriados. Este é o caminho alternativo às várias formas de privatização que o governo propõe. As actuais propostas do governo começariam por partir os serviços postais, reduzir a sua eficiência e resultariam na captura de serviços em função dos lucros e não para benefício de todos. Apelamos ao governo para que abandone os seus planos de privatização do Royal Mail e para que comece a modernizar este valioso serviço público, estabelecendo um autêntico banco popular na sua rede de correios.” [minha apressada tradução]

Keep the post public”, a recente e bem sucedida campanha britânica em defesa de um dos pilares de uma sociedade civilizada. A juntar aos bons argumentos de Agostinho Santos Silva e de Jorge Bateira. Precisamos de todo o conhecimento e de toda a força democrática para nos defendermos da barbárie de novas liberalizações e privatizações, que se segue à crise causada pela barbárie de anteriores liberalizações e privatizações. Estas lutas nunca são puramente defensivas. Até porque há de novo nacionalizações necessárias, entre outras coisas, para proteger a democracia da predação dos grupos económicos.

Deixo algumas referências sobre este assunto da reforma dos sempre elásticos e contestáveis direitos de propriedade e da importância da promoção da participação democrática dos trabalhadores na gestão das empresas públicas: o Nuno Teles tem escrito muito e bem sobre privatizações e nacionalizações: “Privatizações: O Insustentável Peso do Seu Ser” (em co-autoria com Gustavo Toshiaki) ou “Quando nacionalizar é a melhor alternativa”; as conclusões do projecto de investigação europeu sobre os fracos resultados da onda europeia de privatizações das últimas três décadas – Presom – devem ser retidas; os argumentos “clássicos” a favor de um robusto sector empresarial do Estado estão bem sistematizados neste estudo do economista Ha-Joon Chang.

Consultor do capitalismo de desastre

Vários estudos mostram que quanto maior é a desigualdade de rendimentos, maior é o peso da população prisional e mais intensos são outros problemas sociais. Grandes oportunidades de negócio à vista. Peguem então num país já de si desigual. Fragilizem, com planos ditos de estabilidade, o seu fraco Estado social e o que resta das regras que protegem uma parte dos trabalhadores e dos grupos sociais mais vulneráveis.

Do subsídio de desemprego ao pagamento de horas extraordinárias, passando pelo rendimento social de inserção, ainda há muito que erodir. Já está? Muito bem. Um novo aumento do desemprego e da precariedade, que se segue à contracção da procura popular, ajuda a esfarelar solidariedades e a reduzir custos salariais. É violento e dá uma trabalheira política, bem sei, mas têm de convir que a luta de classes que precede os vossos negócios nunca foi um chá dançante.

Arranjem bodes expiatórios; dos imigrantes aos pobres, passando pelos funcionários públicos ou pelos sindicatos. Estes últimos são perfeitos para a intervenção de alguns intelectuais públicos que servem de vossos idiotas úteis. Aliás, não se esqueçam de os contratar para estarem sempre na televisão, num monólogo de economia do choque e do pavor.

O resto da minha crónica no i pode ser lido aqui.

domingo, 14 de março de 2010

Previsibilidade política e poder presidencial



Alguns pensam que, como os presidentes não têm poderes executivos, é espúrio os candidatos apresentarem plataformas com as suas orientações face à governação. Puro engano. Para sabermos o que esperar da função presidencial é necessário conhecê-las: caso contrário não saberemos o que esperar da magistratura de influência, dos vetos, dos pedidos de fiscalização da constituicionalidade das leis, etc. Além dos manifestos eleitorais, outras fontes para conhecer tais orientações estão no passado político dos candidatos. Aqui Alegre bate Nobre por KO: este não só não tem lastro político, como se afirma como não sendo de “direita, esquerda ou centro”.

Claro que, por ser um puro outsider, Nobre poderá capitalizar mais com algum tipo de descontentamento face aos partidos. Porém, isso é claramente insuficiente para ser o challenger de Cavaco: se não é útil para os candidatos estarem demasiado colados aos partidos, também é praticamente impossível ganharem sem apoio partidário de peso. Por tudo isso, muito provavelmente, o PS irá (mais ou menos convictamente) apoiar Alegre.

Originalmente publicado no Diário Económico de 13/3/2010.

O PSD, o país e a reforma institucional



Um dos temas que provavelmente se discutirá no Congresso será o das directas. A discussão será provavelmente marcada pelo curto prazo. É pena, se assim for: conhecemos hoje melhor os impactos das directas para a vida dos partidos, logo para a democracia. Por um lado, expandiram a democracia interna dos partidos e podem, se houver efectiva competição, estimular o debate político. Mas, por outro lado, também já se percebeu que podem enfraquecer significativamente os partidos, tornando-os meros instrumentos do líder e, se não houver competição, induzir uma lógica plebiscitária. Acresce que, se a competição for fragmentada e não houver segunda volta, o líder eleito pode ter uma legitimidade reduzida.

O PSD deveria dar um sinal de que é capaz de aprender com os erros e, nesta senda, sinalizar a linha de reforma institucional para o país. Por exemplo, mantendo as directas mas obrigando as candidaturas a serem subscritas previamente por um número determinado de distritais: mantinha as directas mas reforçava o papel do partido. Segundo, instituindo uma segunda volta para reforçar a legitimidade do eleito. Terceiro, Passos Coelho já disse que simpatizava com o “voto preferencial” para dar aos eleitores liberdade na escolha dos deputados; poderia começar por dar o exemplo propondo a instituição de primárias internas (abertas aos simpatizantes) para a escolha dos candidatos a deputados.

Originalmente publicado no Diário de Notícias, 13/3/2010

quinta-feira, 11 de março de 2010

Há sempre alguém que resiste

Nos últimos 15 anos, os partidos de esquerda italianos acumularam uma sucessão de derrotas, não apenas em termos eleitorais mas, mais importante ainda, no campo dos valores e da capacidade de mobilização social. Como tive oportunidade de desenvolver aqui, a adesão a uma estratégia de diluição da identidade ideológica e organizacional, de mediatização excessiva e de menorização da intervenção nos territórios, acabou por servir os propósitos dos adversários. A Itália é hoje governada por forças que não se esforçam por ocultar a utilização do aparelho de Estado com fins particulares e que exploram os medos mais básicos das populações tendo em vista a obtenção de ganhos eleitorais. Insistindo em jogar o jogo político no campo do adversário, a esquerda que resta no parlamento revela-se incapaz de contrariar a deriva racista e xenófoba que é alimentada pelos sectores neo-fascistas e reaccionários do governo. À Itália, por ora, resta apenas a força de um conjunto de movimentos sociais, mais ou menos descentralizados, que não baixa os braços na luta contra este estado de coisas. Lo sbarco (O desembarque) é uma iniciativa que começou a partir de um grupo de amigos expatriados em Barcelona e já conseguiu mobilizar sectores importantes da sociedade italiana na denúncia dos ataques aos imigrantes e na defesa dos seus direitos. Não vai transformar a Itália – mas faz avançar o barco da luta contra a intolerância, a prepotência e a perpetuação das desigualdades. Como dizia Fellini, la nave va.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Um governo que privatiza os correios não é socialista

Abrir ao capital privado novos mercados praticamente protegidos da concorrência foi uma das linhas de orientação do Novo Trabalhismo de Blair e Brown. A degradação do serviço de caminhos de ferro que se seguiu é hoje um facto incontroverso.

O último episódio da saga privatizadora do Novo Trabalhismo é o serviço dos correios (Royal Mail). A privatização tem sido adiada porque, depois de muitas tropelias na liberalização de alguns serviços postais que dão lucro, encontrou uma forte oposição da opinião pública. Avaliando a fase de 'abertura do mercado', o relatório Hooper afirmava "não ter havido benefícios significativos da liberalização para as pequenas e médias empresas e para as famílias. Estes acreditam que o serviço da Royal Mail oferece uma boa relação qualidade-preço tal como está."

Contudo, a percepção do público é muito mais desfavorável que a linguagem cautelosa do relatório oficial. Em artigo no Guardian, Seumas Milne escrevia: "Longe de "funcionar" ou prestar o serviço, a abertura de alguns segmentos às empresas privadas está a destruir uma rede pública que está no coração dos negócios e da vida social da Grã-Bretanha."

Este último aspecto é central para compreendermos por que razão os socialistas nunca privatizariam os correios. Recordo aqui um livro de Jean Gadrey (Nova Economia Novo Mito, Instituto Piaget) onde se lê o seguinte sobre o serviço prestado pelos correios (p. 149):

"Em geral, esta organização é um serviço de proximidade que, em particular no quadro das suas estações e dos seus balcões, recebe "o público", todos os públicos. A qualidade deste acolhimento é diversa e por vezes problemática em termos de expectativas, mas algo de importante se desenrola ali, que de novo tem a ver com os laços sociais: os agentes no balcão consagram uma parte considerável do seu tempo a ajudar pessoas com dificuldades ou "deficiências diversas" (analfabetismo ou dificuldades de compreensão dos procedimentos, pobreza, isolamento...), ligadas a formas de exclusão identificáveis. (...) A organização tolera por enquanto estes comportamentos não rentáveis ... também porque o monopólio que ela detém sobre uma parte das suas actividades ainda lhe permite libertar os recursos necessários. Mas já surgem pressões para os reduzir. (...) Assim, esta empresa [pública] contribui para produzir integração social, que consideramos um bem colectivo a dois níveis, territorial por um lado, social por outro, a fim de manter a ligação da população às redes constitutivas da pertença a uma sociedade desenvolvida que são o correio, o vale do correio, a conta postal ou a caderneta A [serviços financeiros básicos em França]."

Se a coesão social está no âmago do pensamento socialista, então só posso esperar que os socialistas deste País não deixem passar à prática a anunciada intenção do Governo de privatizar os correios de Portugal. Há certamente outras fontes de receita. Apenas é preciso ver com atenção o que se passa com os rendimentos do capital e com os negócios da urbanização de terrenos.
Os socialistas têm de levantar-se e dizer "BASTA, os Correios de Portugal são nossos"!